Há alguns minutos recebi um e-mail enviado por uma pessoa que assina Almiria Guida Cardoso, em nome da ANCREB (Associação Cubana de Residentes no Brasil – José Martí), com o título ACORDA SUPLICY.
Nele, ao se referir à defesa da blogueira Yaomi Sánchez se denuncia que o Sr. Deputado (SIC!!) Eduardo Suplicy se prestou para fazer o jogo da direita e de seus porta vozes mediáticos no Brasil.
Ser deputado pode ser um título muito honroso e, aliás, nos países mais democráticos do mundo, que geralmente são unicamerais, os deputados são os únicos representantes do povo.
Chamar um senador de deputado não é falta de respeito. Os autores do e-mail poderiam chamar a ele de “companheiro” ou de “Eduardo”, porque, como pessoa altamente democrática, simples, amigável e solidária, ele procura sempre a forma de contato mais igualitária com todo o mundo.
Mas, chamar de deputado a um senador, é como chamar de engenheiro a um dentista. Nenhum dos dois é superior ao outro, mas quem faz esta confusão prova que está muito mal informado e, portanto, coloca em dúvida sua credibilidade em aspectos mais sutis, onde adquirir informação exata pode ser mais difícil que perceber que o mais conhecido legislador da América Latina (que é respeitado até numa Itália dirigida pelo fascismo e a máfia) já cumpriu 22 anos como senador, amplamente votado num distrito eleitoral tão difícil como o paulistano.
Pergunto-me, apenas por curiosidade, qual é o grau de interesse na realidade brasileira, destas pessoas (os do ANCREB) que dizem ter feito do Brasil sua segunda pátria e elogiam a disposição do governo brasileiro para ignorar as violações internacionais aos direitos humanos em nome de interesses comerciais, militares ou estratégicos.
(O caso de Cuba, certamente, não é o pior. O ex presidente Lula já manifestou seu afeto pela república dos ayatolhás, considerou da alçada interna do Irão impedir o apedrejamento de uma mulher, e não ocultou sua simpatia pelo carniceiro do Sudão.)
A manifestação da ANCREB, em que se interpreta a defesa dos DH como uma provocação contra sua pátria, coloca imediatamente algumas conclusões que gostaria de saber como seriam respondidas pelos autores. Vou dar como exemplo uma, que me envolve pessoalmente:
Eu sou argentino, e pertenço a uma família tradicional de Buenos Aires, que durante 5 gerações esteve misturada com a política do país. Nas décadas de 70 e 80, os militantes de DH do Brasil se manifestaram energicamente contra a truculenta, sádica e doentia ditadura militar de meu país, que exterminou aproximadamente o 0,2% de sua população.
Deveria, pergunto, ter ficado ofendido porque criticavam “minha” pátria?
Os simpáticos hermanos que me prestigiam com seu e-mail, me consideram um traidor? Estou adivinhando alguma das respostas:
- A ditadura argentina não foi eleita pelo povo.
É verdade, mas foi fortemente apoiada por ele, e reuniu mais de um milhão de fanáticos no centro de Buenos Aires, quando o insano ditador Galtieri anunciou a invasão às ilhas Falkland Malvinas, cujas consequencias não precisam ser explicadas.
Pode argumentar-se que a ditadura argentina não era de esquerda, mas de direita. Este pode ser um argumento mais sério, mas apenas para os que acreditam que existem ditaduras de esquerda. O socialismo é um estágio superior ao da democracia e, portanto, supõe a democracia. Ou seja, pode existir democracia sem socialismo, mas não socialismo sem democracia.
A referência a Suplicy neste e-mail é a única claramente personalizada, o que me induz a pensar que ele é considerado parte dos setores de “direita e pro-norteamericanos” no Brasil. Eu não quero assumir a irresponsabilidade de acusar aos autores do e-mail de ter injuriado o deputado... perdão, quis dizer... o senador. Mas, se por ventura minha suspeita for verdadeira, eu gostaria de saber:
Se Suplicy é considerado de direita, qual é a esquerda Brasileira?
A dos que mandam condolências pela morte do demencial ditador da Coréia do Norte? A dos que justificam a corrida nuclear em Meio Oriente? A dos que querem sepultar no esquecimento os crimes da ditadura militar?
Ou, para ser ainda mais preciso: o que os senhores entendem por esquerda? Um sistema sem direitos humanos, sem liberdade, sem igualdade, cuja única bandeira é o anti-imperialismo? Quer dizer que ditaduras não imperialistas são inofensivas, como a de Congo ou de Bielorús?
Pessoalmente, não tenho uma idéia clara de quem é Yaomi Sánchez, mas confio nas informações de Wikileaks. Não tenho dados confiáveis para dizer se ela está ou não financiada pela CIA e, como toda pessoa racional, não me pronuncio sem provas. Mas, acredito que isso possa ser provável. Seria raro que a CIA deixasse escapar a oportunidade de ajudar a alguém que, quaisquer que sejam suas intenções, contribui a enfraquecer o governo cubano.
Porém, mais importante é saber se suas afirmações são verdadeiras ou falsas, e isso não pode saber-se se não for confrontada com outras pessoas, como pretendem fazer os que promovem sua visita ao Brasil. Se a CIA apoia alguém para dizer algo, será que, apenas por isso o que a pessoa fala se torna falso? O que importa, como disse a famosa revolucionária Rosa Luxenburg, é a VERDADE. A história nos mostra que as alianças políticas mudam, mas o que importa é quanto elas serviram para a emancipação dos povos.
Para os companheiros que não saibam, veja aqui quem foi Rosa Luxenburg!
Dizem que Sánchez trai sua Pátria (sic) ao difundir críticas ao sistema que governa Cuba. Será então que os milhões de latinoamericanos que trabalhamos desde o exterior para ajudar a queda das ditaduras de Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Bolívia nos anos 70, também somos traidores? Ou será que há Pátrias de distintos estilos?
Eu teria ignorado realmente este e-mail chauvinista e piegas (e, talvez, oportunista, ao aproveitar o ensejo para adular o nacional-populismo brasileiro), mesmo tendo sido dirigido diretamente a mim (na lista de URLs não aparece nenhuma indicação de que seja SPAM). Mas, as pessoas que o escreveram tentam enlamear a figura de um legislador que é um modelo de honestidade, eficiência, coragem e princípios, que defendeu perseguidos políticos como Cesare Battisti com risco para seu caudal eleitoral e eventualmente (nunca se sabe) para sua vida.
Não poderia nomear todas as causas nobres sem retorno eleitoral, nas quais Suplicy esteve envolvido. A foto que encabeça este artigo foi tomada durante sua intervenção numa favela incendiada.
Pretende-se sujar alguém que obra sempre da maneira mais ética, e que se mantém com grande coragem no meio de um ambiente político eivado pelo acomodamento, os cambalachos e a corrupção, uma figura que seria um luxo não apenas para o Congresso de um país realmente democrático, mas para sociedades modelo com Suécia ou Noruega.
Aliás, este e-mail diz que o “deputado” Suplicy “fez o jogo da direita” como em outras ocasiões. Só, por curiosidade, quais são as outras ocasiões???
Minha posição pessoal neste assunto não interessa, até porque nos ambientes em que me movimento é bem conhecida. Entretanto, devo observar a profunda má fé deste libelo eletrônico. Nem o senador Suplicy, nem os poucos que o apoiamos desde a esquerda, desconhecemos a atrocidade do bloqueio a Cuba nem os aproximadamente 4000 atentados terroristas perpetrados contra a ilha, desde 1959.
Mas, defender o direito de expressão e o direito milenário da livre movimentação, não pode ser confudido, como se sugere neste panfleto, com apoiar o terrorismo da antiga Alfa 66, ou do veterano criminoso Posada Carriles, ou das vingativas propostas de Mel Martínez.
Camaradas: se vocês querem ser respeitados por suas idéias, sejam honestos. Entre exigir a liberdade de expressão, mesmo de pessoas que (eventualmente) sejam de direita, e apoiar o terrorismo contra o governo cubano, há uma grande diferença.
Uma diferença muito maior que a que existe entre senador e deputado.
Quem deseja que sua causa seja respeitada, deve ter atitudes respeitáveis. Quem pretende combater o que entende por “provocação” e para isso usa a calúnia e o insulto, só encontrará parceiros entre os politiqueiros profissionais de baixo cacife moral. Mas pensem que eles não são de fiar. Eles apoiam hoje o governo cubano, mas podem abandoná-lo se encontrarem um negócio melhor.