Só queria entender como vocês conseguem.
Embora eu já tenha vivido muito, experimentado de um tudo, não entendo. E a sensação que tenho é que não vou compreender nada de nada de vocês. Nunca.
Eu só queria entender porque vocês não nos telefonam, mesmo quando estão com vontade. E porque pedem o nosso telefone se nunca ligam? Por que é tão difícil mandarem flores?
E porque vocês têm dificuldades de escrever? de abaixar a tampa do vaso? de botar o lixo pra fora? de colocar a toalha molhada no lugar certo? de lavar o prato que comem? e de apertar o tubo da pasta de dente por baixo?
Por que é que vocês fazem a barba todos os dias e nos fins de semana, quando vão sair com a gente, não fazem? Por que vocês, mesmo acompanhados, olham pra tudo quanto é mulher? Por que valorizam mais as mulheres acompanhadas, do que as solitárias - mesmo que belas? Por que sempre tentam, já na primeira noite, levar-nos pra cama? E se a gente vai, por que perdem o interesse? E se a gente não vai, por que perdem também? E por que é que vocês têm vergonha de serem vaidosos? de serem afetuosos? de serem românticos? de serem cordiais? de serem sensíveis? E de serem?
Como é que vocês podem sair de casa com uma minúscula carteira de documentos onde não cabem todos aqueles trecos indispensáveis à existência humana? Como conseguem ser totalmente apaixonados por uma e transar com mais vinte? E como conseguem passar a vida dizendo “eu te amo” da boca pra fora? Ou passar a vida inteira sem dizer “eu te amo”?
Eu queria entender o orgulho besta de se ter um penduricalho entre as pernas. E por que todos vocês acreditam ser ele um ser vivo, cheio de idiossincrasias? Sim, porque vocês conversam com ele, batizam-no com nomes estranhos e ainda o responsabilizam por seus “atos insanos”.
O que ainda não me explicaram é como vocês conseguem ter no coração um botão de liga e desliga? Tipo assim: passar uma noite incrível ao lado de alguém, dizendo coisas, contando coisas, amando as coisas... E no dia seguinte, simplesmente, esquecer.
Sim, eu sei: mais cedo ou mais tarde, vocês se apaixonam. Mas, ainda assim, é um indecifrável mistério os critérios que usam. Por que vocês escolhem, escolhem, e no final das contas ficam com aquela que todo mundo vê que não tem nada a ver?!
Me digam, como é que vocês conseguem não chorar assistindo aquela cena deslumbrante da novela das nove? Como não se desconcertam, feito tivessem levado um soco na boca do estômago, vendo o pôr do sol numa praia deserta? Ou uma lua cheiona, amarela, num início de noite de verão?
Eu só queria entender como é que Hollywood não exerce influência alguma sobre vocês. Como é que os filmes não lhes deixam seqüelas profundas e irremediáveis? E como conseguem não serem abalados pelos romances, pelas músicas, pelos contos de fadas, pelas marés?
É, vocês são mesmo uns seres pra lá de esquisitos...
E eu só queria entender um pouco de vocês, um cadinho assim: das pequenas e das grandes coisas.
Mas, talvez, se a gente entendesse vocês e conseguisse, enfim, sem conflitos, se relacionar, o mundo ficaria numa paz absolutamente insuportável.
E eu ia escrever sobre o quê?!
Sheilla Alves é psicóloga formada pela UERJ e escritora pós-graduada em Literatura Infanto-juvenil pela UFF. Roteirista, já foi colunista do site Bolsa de Mulher. Tem seis livros publicados (vide abaixo).
* "Páginas Mofadas do Presente". Editora Litteris. www.sheilalves.cys.com.br
* "Lucas e o Direito de Coçar". Editora Callis. Faz parte da Coleção "Moral da História". www.callis.com.br
* "O Gato de Sapatinhos Vermelhos". Editora Biruta. Faz parte da Série "Contos de Agora". www.editorabiruta.com.br
* "O Rouxinol, o Bigodudo e a Branquela". Editora Biruta. Faz parte da Série "Contos de Agora". www.editorabiruta.com.br
* "O Lobo, os Três Pilantrinhas e a Boba de Chapeuzinho". Editora Biruta. Faz parte da Série "Contos de Agora". www.editorabiruta.com.br
* "Uma Fada e Três Desejos". Editora Biruta. Faz parte da Série "Contos de Agora". www.editorabiruta.com.br
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