Fui com a mesma naturalidade que iria ao encontro de um simples mortal.
Rachel foi a primeira, na época conhecia pouco sua obra, não houve uma empatia entre mim e aquela senhora austera, um tanto fria, com ar de freira sem hábito.
Mais tarde vi entrevistas em que ela ria, cozinhava e brincava parecia outra pessoa. Talvez fosse tímida e os tímidos, não raro, são tachados de antipáticos.
Gracindo estava resolvendo problemas familiares, quando cheguei e pouco me deu atenção. Parecia nervoso, pessoas entravam e saiam, algo acontecia ali.
Quando cheguei à casa de Nelson, nada indicava um encontro mais rico. Uma empregada abriu a porta e logo, para surpresa minha, o avistei. Estava lanchando numa mesa redonda, bem simples, na entrada do apartamento. A sala, imensa, tinha tão poucos móveis, que mais parecia a de um homem de esquerda e não a de alguém de direita, como se sabia que ele era. Não vi a famosa estante, cheia de livros, que os intelectuais gostam de ter à vista.
Nelson, naquela altura, estava pleno de Nelson, não precisava provar mais nada.
Olhou-me com a delicadeza que um avô olharia a neta e disse: ¬- Quer lanchar, minha flor?
Na sua presença, em nenhum momento me senti a Engraçadinha, a Bonitinha, nem uma das cunhadinhas. Uma mulher, mesmo muito jovem como eu era, percebe quando está sendo respeitada.
Mas eu era tão profissional, que em nenhum momento me passou pela cabeça aceitar aquele lanche frugal em sua companhia.
Tive mais dois encontros com ele e nunca mais o vi, mas me acompanha a imagem do homem idoso, terno, sentado à mesa simples, fazendo o lanchinho que não aceitei.
Inenarrável, para usar um termo ao gosto de Nelson, a conversa que não tivemos sobre o nosso Fluminense e outros assuntos.
Por qual motivo perdi isso, talvez só o Sobrenatural de Almeida saiba explicar..
Maria de Fátima Monteiro. Julho / 2011