Por concordar com o dicionário biográfico "Mulheres do Brasil, de
1.500 até a Atualidade" que foi publicado no ano de 2000 pela Zahar Editora, faço igualmente honras aos méritos dessas três heroínas negras brasileiras. Conheci a professora universitária e heroína negra Lélia González em 1974, no Centro de Estudos Afro-asiáticos, que é uma instituição situada em Ipanema, na zona sul carioca, pertencente à universidade privada Cândido Mendes. Assim, a saudosa professora universitária Lélia González já iniciou sua militância feminista e anti-racista com o status de intelectual negra por ser doutora em Antropologia Social, graduada por uma universidade no estado de São Paulo.
Ademais, a professora universitária Lélia González também era graduada em História e Filosofia assim como em Comunicação Social, todas realizadas no Rio de Janeiro. Dado à nossa intensa, fraternal e unitária convivência enquanto militantes negros e anti-racistas na instituição do movimento negro carioca IPCN, em 1982, atendendo meu convite ela veio à Macaé onde proferiu palestra na instituição abolicionista local Sociedade Musical Beneficente Lira dos Conspiradores. Antes, em 1978 participamos no IPCN do I Encontro Nacional de Entidades dos movimentos negros, quando foi fundado o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação (étnico) ‘Racial' o então MNUCDR, que é o atual Movimento Negro Unificado (MNU).
Em 1980 participamos no RJ da fundação do PT pelo qual a professora universitária e heroína negra, Lélia González conquistou em 1982 a 1ª suplência de deputada federal. Por não ser marxista e não entender que o PT enquanto partido operário independente se encontrava em formação, em 1986 ela acabou migrando para o PDT pelo qual, no mesmo ano concorreu a uma cadeira de deputada estadual, ficando novamente na suplência. Profícua pesquisadora sobre gênero e conceito étnico-racial ela fez bem sucedida carreira acadêmico-profissional, conquistando o cargo de diretora do Departamento de Sociologia e Política da unidade carioca da universidade privada Pontifícia Universidade Católica a PUC-Rio.
Em uma parceria com o escritor e colega Carlos Hasenbalg, a professora universitária Lélia Gonzalez, produziu o livro "Festa Populares no Brasil, lugar de negro" além de duas teses de Pós-graduação e diversos artigos para revistas científicas. Caracterizando-se por trajar sempre coloridas roupas no estilo negro-africano, dentre suas obras sociais mais importantes, ajudou a fundar o Coletivo de Mulheres Negras N'zinga e o Grêmio Recreativo de Artes Negras e Escola de Samba
(GRANES) Quilombo, ambos no Rio de Janeiro e o grupo artístico-musical baiano Olodum. Ao falecer prematuramente aos 59 anos, em 10/07/1994, ela não concluiu a pesquisa "amerifricanidade" que seria sobre negros na diáspora.
Repito, ela não adotou as teses do filósofo Karl Marx (1818-1883) nem do seguidor dele o revolucionário Leon Trotsky (1879-1940) que tem entre suas obras o livro "Nacionalismo Negro". Por isso, a professora e heroína negra brasileira Lélia González embora tenha sido contemporânea do maior herói negro mundial o Mártir Internacional da Consciência Negra Stephen-Steve Bantu Biko (1939-1977) dele não aprendeu o lapidar ensinamento "Racismo e capitalismo são os dois lados de uma mesma moeda". Aqui, também repito apesar da Literatura ainda não registrar isso, o sindicalista e líder socialista sul-africano Steve Biko, conforme é conhecido bebeu nas fontes de Marx e Trotsky, sem dúvida alguma.
Isso, porém, não tira de Lélia González o mérito de figurar no panteão das heroínas negras brasileiras junto com Escrava Anastácia e Luísa Mahin. Figura mítica do século XVIII, a Escrava Anastácia embora sua existência real seja controvertida, não deixa dúvida, foi uma heroína negra. Uma versão conta que ela foi uma escrava-lutadora, líder dos irmãos escravos, que pelo fato de ser mineiros e garimpeiros como ela, era obrigada a usar máscaras de ferro para não engolir e ou esconder pepitas no estômago. Outra versão conta que ela por ter sido muito linda e ter se recusado a se prostituir com um herdeiro da nobreza foi perseguida, torturada e obrigada a usar máscara de flandres, tendo morrido na senzala como mártir.
Injustiçada historicamente, a Escrava Anastácia só foi redescoberta no século XX (1968) quando a católica Igreja do Rosário, no centro da cidade, no Rio de janeiro, realizou uma exposição alusiva aos 90 anos da Abolição em cujo evento contou com quadro em desenho dela na obra do pintor francês Jacques Étienne Victor Arago (1790-1855). Então, a partir disso a Escrava Anastácia passou a ser considerada milagreira, inclusive consta que ela atualmente conta com mais de 28 milhões de fiéis. Para se ter idéia do mito em que ela se transformou o historiador e membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o cônego Guilherme Schubert faz questão de negar sua existência.
Haja vista, no número 33 da Avenida Vicente de Carvalho, no bairro suburbano carioca de Vaz Lobo, há o Santuário Escrava Anastácia. Nele, os fiéis fazem louvação através da distribuição de santinhos dela, em cuja imagem está usando a famosa máscara de metal. Já Luísa Mahin foi a líder da maior rebelião de escravos ocorrida no estado do Bahia no século XIX, a Revolta dos Malês. A naturalidade dessa heroína negra é controvertida. Isto é, teria nascido em algum país do continente africano e trazida escravizada para o Brasil, ou teria nascido em na capital baiana, Salvador, sabendo-se que ela se tornou livre por volta de 1912. Nas primeiras décadas do século XIX a casa dela foi o quartel-general dos levantes.
Por exemplo, em 1830 mesmo estando grávida de Luis Gama, filho com um português que se tornou grande poeta e abolicionista, ela articulou a Revolta dos Malês cujo levante ocorreu na noite de 24 para 25 de janeiro de 1835, liderado por escravos africanos de religião muçulmana. Caso o levante fosse vitorioso Luísa Mahin seria empossada a Rainha da Bahia Rebelde. Porém, como ocorreu traidora delação entre os revoltosos as forças da repressão perseguiram e castigaram brutalmente os líderes do movimento. No entanto, Luísa Mahin conseguiu escapar para o Rio de Janeiro onde na luta pela liberdade de seu povo, teria sido presa e deportada para o continente africano.
Sobre sua mãe, o poeta abolicionista Luis Gama escreveu "Sou filho natural de negra africana, livre, da nação nagô, de nome Luísa Mahin, pagã, pois, recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa, magra, bonita, tinha a cor preta retinta, sem lustro, dentes alvíssimos como a neve. Altiva, generosa, sofrida, e vingativa. Era quitandeira e laboriosa". Por iniciativa do Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo, em 09/03/1985 uma das praças do bairro paulistano de Cruz das Almas passou a denominar-se Luísa Mahin.
*jornalista - é militante do Movimento Negro Socialista (MNS) onde integra a coordenação nacional.