Preliminarmente, tais empecilhos encontram-se nos dois lados da ocorrência da prática do crime de racismo. De um lado, por tratar-se de lei federal, o registro da ocorrência deveria poder ser feito tanto em delegacias da Policia Civil, que são órgãos estaduais quanto em delegacias da Polícia Federal. Aliás, dado aos anos nos quais a Lei 7.716/1989 vigora, tais delegacias há muito tempo já deveriam estar infra-estruturadas de um setor especializado, no qual os plantões diários contassem no mínimo com advogado, antropólogo e sociólogo. Por outro lado, assim como por si só, estes três profissionais não são garantia de sejam identificadores do crime de racismo, os dois casos ilustram os empecilhos para tal.
No caso do menino negro de SP com idade de 10 anos, embora informe-se que o boletim de ocorrência tenha sido registrado, a Lei 7.716/1989 não foi avocada. Porém, foi dito que o advogado da família impetrará Ação Cível de danos morais contra o Grupo proprietário da rede de supermercados. O que está correto, mas é insuficiente, porque além da prática do crime de racismo ocorreu também violação a Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) em seu artigo 18º "É dever de todos velar pela dignidade da criança (...) pondo-a a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Concordo que também ocorreram cárcere privado e constrangimento ilegal.
Ademais, divirjo do desfecho dos casos conjuntos do jovem bancário e estudante negro com a idade de 25 anos e de seu pai e advogado, que além de ser militante do movimento negro, é comissário de polícia. Assim, discordo de que o jovem bancário e estudante tenha sido vítima ‘apenas' de constrangimento ilegal sem autoria, tendo o seu pai e advogado sido autuado pela delegada de plantão por desacato. O que configurou abuso de autoridade e corporativismo, pelo fato do advogado também ser comissário de polícia. Então, para objetivar, proponho: Criminalizar o taxista e os dois Policiais Militares na Lei 7.716/1989. Já em relação à delegada, ela deve ser enquadrada no crime de abuso de autoridade, rechaçando-se o corporativismo.
Tais medidas exigem consciência anti-racista destemida da parte do pai e do advogado do menino negro paulista assim como no tocante à violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente. O mesmo destemor de consciência anti-racista deve ser posto em prática no caso carioca pelo bancário e estudante assim como por seu pai e advogado que é militante do movimento negro. Quanto ao crime de abuso de autoridade praticado pela delegada, buscando intimidar um colega servidor público, o comissário de polícia deve rejeitar tanto a tentativa de intimidação quanto o corporativismo, denunciando-a formalmente. Tal desvio de conduta da delegada tem tudo a ver com o que ocorre atualmente nos altos escalões da polícia civil fluminense.
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*jornalista - é militante do Movimento Negro Socialista (MNS) onde integra a coordenação nacional.
Supermercado de SP é acusado pela família do menor de prática de racismo contra menino de apenas 10 anos de idade!
Para ler a notícia clique sobre o link abaixo:
oglobo.globo.com
Bancário e estudante negro sofre racismo praticado por um taxista e dois PMs; mas caso é registrado como constrangimento ilegal sem autoria !
Pai e advogado do bancário, que também é policial civil, acaba enquadrado por desacato a um dos PM.
RACISMO INSTITUCIONAL - É PRECISO UM OLHAR DIFERENCIADO DA CIR-OAB/RJ.
Emitente: *advogado José dos Santos Oliveira
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Rio de Janeiro (RJ)
Prezado Bruno Alves, jovem acadêmico de Direito, militante do Movimento Negro, ativista social e meu querido companheiro na Comissão da Igualdade Racial da OAB/RJ, sinto-me gratificado pelo seu entendimento e abordagem quanto a este fato ocorrido com um menino negro, de 10 anos de idade, vítima Constrangimento Ilegal e Cárcere privado, numa loja do Supermercado Extra, em São Paulo. Fico feliz porque nesta questão apresentada, nós acompanhamos a corretíssima posição política de Luiz Carlos Gá, companheiro de respeitável militância no Movimento Negro do Rio de Janeiro, publicada no Jornal Extra. Isto é o que podemos entender como RACISMO INSTITUCIONAL. Não temos dúvidas de que este menino foi vítima racismo. A cor da sua pele foi fundamental para que os seus algozes promovessem estas agressões e violências contra esta criança.
Bruno, mais recentemente, um dos meus filhos, Thiago, jovem negro, 25 anos, de classe média, residente na Tijuca, acadêmico de Direito, funcionário de um Banco de Investimento, nos primeiros dias de janeiro do ano corrente, por volta da 00; 30 horas após sair de uma reunião familiar, depois de muitas tentativas, finalmente conseguiu pegar um táxi na Av. João Paulo II, esquina com Rua do Matoso, Tijuca. Cansado e chateado, comentou com o taxista, que ali estava a algum tempo fazendo sinal para pegar um táxi sem sucesso, e não entendia porque que os taxistas não paravam. O "gentil" taxista, disse então, que neste horário os taxistas por medo de serem assaltados selecionavam passageiros. Diante do absurdo, Thiago disse que para agir assim, os taxistas deveriam estar ganhando muito dinheiro. E que esta forma de agir não representava nenhuma garantia de não serem assaltados.
Você vai para onde? Perguntou o taxista.
- Rua São Rafael, respondeu o Thiago.
- Borel? Pergunta o taxista;
- Não. Eu não moro no Borel? Respondeu Thiago
Neste momento, o taxista repentinamente para num posto de gasolina, na Rua Conde Bonfim, em frente ao Colégio Batista.
- Vai abastecer? Pergunta Thiago ao taxista.
- Não. Estou apertado vou ao banheiro
No posto de gasolina, Thiago, que é conhecido dos frentistas, pois reside naquela área há vinte e cinco anos, e sua mãe sempre abastece o carro neste mesmo posto é surpreendido pela ação de abordagem de duas viaturas da Polícia Militar,
- Perdeu! Não adianta! Mão na cabeça! Grita um dos policiais militares.
Os policiais procedem a uma revista pessoal em Thiago, fazem uma busca pelo interior do táxi. Em seguida examinam seus documentos pessoais.
-Faz o quê rapaz? Pergunta um dos policiais.
-Trabalho e faço faculdade. Responde Thiago
-Fazer faculdade não quer dizer porra nenhuma, diz o policial militar
O taxista, que a tudo assistia, agradece aos policiais militares o pronto atendimento, logo após ser informado; "o cara tem documento e não está armado".
A seguir sem nenhuma justificativa, os policiais militares conduzem Thiago para a 19ª DP, juntamente com o taxista. Naquela delegacia de polícia, o fato apresentado pelos policiais militares, não mereceu nenhuma apreciação como fato criminoso.
Thiago, sentindo-se vítima de Constrangimento Ilegal e Abuso de Autoridade, enquanto cidadão de bem no pleno gozo do seu direito de cidadania, liga para seu pai, policial civil, Comissário de Polícia e relata que os policiais não queriam registrar o fato ocorrido.
Os policiais civis argumentavam que não havia nenhum fato de relevância penal para procederem. Os policiais militares entendiam que já tinham cumprido suas obrigações. "O "gentil" taxista, já havia pedido muitas desculpas pelo fato ocorrido e justificava-se a todo o momento:" Eu sei que fui preconceituoso, mais pensei que poderia ser assaltado. Por isto , mais uma vez peço desculpas ".
Ao chegar à delegacia policial encontrei este quadro dantesco: Nas escadarias de entrada da delegacia um policial civil ouvindo juntamente com Thiago as explicações do taxista, que se justificava e pedia desculpas. Bem próximo, os dois policiais militares responsáveis que haviam conduzido meu filho para a delegacia. Estranhei o fato de não estarem dentro da delegacia tomando providências em face do Constrangimento Ilegal e Abuso de Autoridade praticados contra meu filho.
Chateado com aquele quadro, pois a experiência de mais de 30 anos envolvidos com estas situações, indicavam que alguma coisa estava sendo tentado para não se resolver o problema como deveria ser, disse para o taxista:
- Vamos entrar. Não queremos saber das suas desculpas. Vamos entrar e tomas as medidas necessárias para este fato. Meu filho vai representar pela apuração destes fatos. Quando chegar em juízo você pede desculpas.
Imediatamente, um dos policiais militares interveio e disse para o taxista
- Bota prá frente! Não fica com medo não. Você está certo? Você está trabalhando e tem mais é que desconfiar mesmo de qualquer um?
Disse então ao policial militar: - Você está falando assim porque não é com teu filho e nem com nenhum parente seu. Não pedi sua opinião. Não estou me dirigindo ao Senhor. Com o Senhor eu quero falar quando for tratar do abuso de autoridade.
Após ter me apresentado ao jovem policial que atendia a ocorrência, tentei falar com a delegada de plantão, que se encontrava na porta da sua sala confabulando com o policial civil, e os dois policiais militares, autores do abuso de autoridade praticado contra meu filho. A delegada não me recebeu e ainda mandou que eu me retirasse daquele recinto. Logo a seguir a delegada aproximou-se do balcão de atendimento, pedia minha identidade e disse que iria me qualificar porque eu teria praticado crime de Desacato contra o policial militar.
O resultado de toda esta trama é que somente às 05.30horas, da manhã, nós eu e meu filho Thiago fomos dispensados pela delegada de polícia. Eu, autuado pelo Desacato. Thiago depois de muita insistência nossa, o policial de plantão conseguiu fizer o registro de Constrangimento Ilegal, sem autoria. Não se falou em apurar a responsabilidade criminal da delegada de polícia e dos policiais militares pela prática de Crime de Abuso de Autoridade.
Bruno, nós não podemos deixar de entender que nestas circunstâncias, o menino de 10 anos ou o jovem de 25 anos, de qualquer classe social, estão naquela faixa que o sistema chama de cor padrão. A sociedade civil e o governo, através das ações de pessoas como o taxista e de funcionários públicos como a delegada de polícia, o policial civil plantonista e os policiais militares, que resultaram na violência praticada contra o menino em São Paulo e o jovem acadêmico no Rio de Janeiro, deixam muito claro que tanto no Rio de Janeiro e/ou São Paulo a cor da pele é fator predominante para vitimar as pessoas com o RACISMO INTITUCIONAL
Diante do exposto, sugiro aos companheiros da Comissão da Igualdade Racial - CIR OAB/RJ, que sejam objetos de nossas discussões e intervenções os casos de discriminações raciais, motivadas por ações baseadas na prática do RACISMO INSTITUCIONAL. É o tipo de violência e discriminação que você não vê e não houve. Você sente, percebe, sofre e fica quase impotente quando da sua ocorrência. É muito difícil enfrentar o sistema sozinho, mesmo quando se é militante, ativista, político e engajado na luta contra o racismo.
*membro da Comissão da Igualdade Racial da OAB-RJ (CIR/OAB-RJ),
Comissário de Polícia, Diretor do CEPERJ, Coordenador do Fórum Racismo é Crime e consultor do CONDEDINE.