No dia 18 de Janeiro de 2011, o Senador Eduardo Matarazzo Suplicy enviou um e-mail a Dario Pignotti, um jornalista argentino que atua no Brasil como correspondente da Agência ANSA. O motivo da mensagem é que esta agência tinha publicado, através de seu escritório em Trieste, mais uma das centenas de queixas contra Battisti dos familiares dos mortos, que, aliás, foram mortos por outros: Memeo, Masala, Mutti, Giacomini, Grimaldi e Fatone.
Estas vítimas cobram do Battisti cumprimento de duas prisões perpétuas na Itália, na esperança de que depois de cumprir a primeira, sua alma vá ao inferno e aí cumpra a segunda. Segundo eles, pedem isso não por espírito de vingança, mas de justiça! Que bom que eles fazem a ressalva. Pode haver algum malicioso que pense que eles são vingativos.
Contexto Geral
Esta cobrança não é nenhuma novidade. Desde que começou a ser conhecido o caso Battisti, a Folha de S. Paulo publicou em forma relativamente destacada (até onde eu consegui conferir) 19 declarações de Alberto Torregiani, filho do ourives que fora assassinado por um comando dos PAC em fevereiro de 1979. Jornais, revistas e redes de TV deram também destaque a Maurizio Campagna, irmão do policial morto pelo mesmo grupo em abril desse ano, e a Alessandro Santoro, filho de Antonio Santoro, chefe dos carcereiros de Udine, morto em junho de 1978, em represália pela aplicação de torturas a prisioneiros na cadeia judicial de Udine. Já Adriano Sabbadin, filho do açougueiro Lino, da uma vila perto de Veneza, foi várias vezes citado pela mídia Brasileira, como um das pessoas que viuBattisti matar seu pai.
É importante indicar que, em todos os depoimentos feitos por Adriano (incluído aquele reproduzido por Giuseppe Crucciani em seu livro Os Amigos do Terrorista), ele declara algo muito diferente: “que quando seu pai foi morto, ele estava falando ao telefone e, chegando bruscamente ao local onde estava seu pai ensangüentado, viu duas pessoas fugindo”. Ele acrescenta que a justiça, se baseando na confissão de um “arrependido” tinha identificado um desses homens como Battisti.
Em, pelo menos 14 depoimentos e declarações à imprensa que eu chequei, repete-se o mesmo relato. Suponho que deve haver outros muitos. Ou seja, Adriano acredita que seu pai foi morto por Battisti, porque os delatores falaram isso, mas não se proclama testemunha.
O caso de Torregiani é ainda mais expressivo: muito cedo, ele reconheceu que Cesare não estava no lugar do ataque, e até admitiu que a bala que o atingiu e o deixou paralisado, foi disparada por seu pai, quando visava outro alvo. Essa versão foi confirmada até por alguns procuradores italianos, apesar de que estes não pouparam mentiras para acumular culpas sobre Battisti. O jornalista francês de direita Guillaume Perrault, do jornal Le Figarò, confirma esta informação em seu livro Generation Battisti, do qual falei numa matéria anterior. Como se tudo isto fosse pouco, em 2006, o mesmíssimo Alberto se referiu em primeira pessoa ao caso, no seu livro Estava na Guerra, mas não Sabia.
É claro que com uma manifestação tão categórica, Alberto não pode justificar de maneira razoável seu ódio por Battisti e, menos ainda, sua falta de rancor contra os verdadeiros assassinos. Mas, ele sempre foge do ponto e apenas diz que Battisti merece castigo por ter sido o planejador, ou, então, muda levemente o roteiro e diz que Battisti matou outras pessoas, com as quais ele [Alberto] é solidário.
No caso de Alberto Torregiani, há forte consenso de que ele está sob ameaça dos políticos italianos, pois recebe uma indenização como vítima de crime político, criada pelo estado, que o mesmo estado poderia cortar a qualquer momento. Alberto lutou muito tempo na justiça para obter essa reparação. Quando aos outros três parentes, não temos informações tão consensuais. Não se pode pedir de ninguém que se torne herói ou mártir, mas acreditamos que o assunto já tomou estado público suficientemente grande, como para que a vida e integridade de Alberto esteja fora de risco. Portanto, seu empenho em acusar Battisti talvez não seja só reflexo do medo de acabar como Mino Pecorelli ou outros que se opuseram à Máfia política e o fascismo.
Todas estas vítimas de Battisti atuam de maneira muito original. Usualmente, as pessoas não podem evitar ressentimento contra pessoas que têm prejudicado seus afetos. Isto, seja ou não psicológica e socialmente nocivo, sem dúvida é muito humano, e acredito que seria quase impossível para qualquer de nós controlar nossa indignação, pelo menos, nos primeiros momentos.
O que surpreende é que todos eles se revoltam contra Battisti, AO QUAL NINGUÉM VIU NO LOCAL DOS FATOS, mas não se importam de que os VERDADEIROS EXECUTORES ESTEJAM LIVRES. Com efeito, Memeo e Fatone podem ser facilmente encontrados, pois o primeiro trabalha numa sociedade filantrópica e o segundo está numa cidade do Sul. Sobre Mutti, do qual se desconhece se está vivo ou morto, nada se fala, mas muitos membros daqueles grupos de vítimas mostram agradecimento por ter delatado Battisti.
Face a esta situação, Suplicy propôs uma medida que somente uma pessoa corajosa e esclarecida é capaz de assumir:
CONVIDA ÀS VÍTIMAS PARA UMA ACAREAÇÃO COM CESARE BATTISTI
A Mensagem de Suplicy
A mensagem está traduzida literalmente do e-mail que me enviara Suplicy com a cópia, sem nenhuma ressalva de sigilo. Considero muito importante sua iniciativa, e a torno pública (mesmo sem consultar com ele) porque a conhecida modéstia do lendário Senador talvez lhe impeça fazer publicidade de suas próprias ações. A tradução do inglês é literal, mas eventuais interpolações entre colchetes são minhas.
Prezado Dario Pignotti:
Se você tiver o telefone de Alberto Torregiani e dos outros membros das famílias dos que foram mortos pelos PACs, eu agradeceria se você pudesse envia-los para mim. Eu direi a eles que se eles estão realmente pensando em vir ao Brasil, eu os convidarei para falar com Cesare Battisti na [no presídio de] Papuda. Como Cesare mencionou em sua correspondência com Alberto Torregiani em 2008, ele está disposto a explicar a ele e aos outros, cara a cara, que ele não participou de maneira alguma nos assassinatos de Pierluigi Torregiani, Campagna, Sabbadin or Santoro.
Também [Battisti declara] que nunca um juiz italiano lhe perguntou se ele tinha matado alguém. Que ele esteve ausente do julgamento que o condenou a prisão perpétua. Que as únicas pessoas que o acusaram foram beneficiados pela delação premiada. Também, como após o seqüestro e assassinato de Aldo Moro decidiu nunca mais participar em ações que poderia por a vida de outros em perigo. Que a Corte Italiana aceitou que aqueles que foram seus defensores usaram falsas procurações, como foi provado pelos especialistas da justiça francesa.
Como meus maiores considerações
Eduardo Matarazzo Suplicy
O Que Podemos Esperar
A dor e o sofrimento não impedem totalmente que algumas pessoas sejam cínicas. De fato, sofrimento injusto pode exacerbar as tendências vingativas e linchadoras. Neste sentido, é paradigmática uma afirmação de Alberto Torregiani no dia 20 de janeiro. (Vide) O texto do filho do ourives não tem desperdiço.
Ele disse que está disposto a perdoar (sic) Battisti, desde que este mostre arrependimento e aceite sua culpa. Ou seja, a reparação que se pede de Cesare não é fazer algo em prol da sociedade, mas deixar-se humilhare reconhecer culpas que não têm.
Mas isto não é tudo. O perdão de Torregiani é algo como uma benção, ou uma reza, nada mais. Não significa abdicar do doentio revanchismo, mas apenas uma questão formal. Ele deve cumprir a pena, disse Alberto. Ou seja, além de dar duas cadeias perpétuas a Battisti, eles querem que se humilhe e se auto-acuse de um crime forjado. Observem que, num estilo mais dissimulado, esta é uma afirmação parecida a que faz o presidente de Cáritas, numa entrevista de Veja, onde conta por que ele votou contra Battisti no CONARE.
Alberto falou muitas vezes, desde começo de 2009, de sua intenção de vir ao Brasil para depor no Supremo. Mesmo os ministros Peluso e Mendes não se entusiasmaram com a idéia como os italianos pensavam, porque isso já era uma atrocidade jurídica sem tamanho, e poderia ter produzido uma crise dentro do tribunal. Atualmente, ele não faz o mesmo oferecimento, mas várias vezes mencionou que queria vir a Brasil para “explicar” às autoridades como Battisti é safadinho.
Mas, há umas duas semanas, Alberto vem dizendo que ele está dirigindo a campanha contra Battisti na Itália e que não sabe se poderá vir ao Brasil. Mas, é óbvio que se ele quer prender Battisti, deve vir ao Brasil. O Estado Italiano já tem a dose de ódio, paranóia e falta de decoro que é possível. Quanto mais pode ajudar Alberto?
Então, o melhor seria que ele e as outras três “vítimas” venham ao Brasil e aceitem encontrar-se com Battisti na Papuda. Eles poderiam dizer a Cesare toda a “verdade” e o perigoso terrorista deveria reconhecer seus crimes e pedir perdão de joelhos. Não é exagero. Uma acareação é um método que consegue colocar em evidência os mentirosos mais perfeitos. Então, se eu fosse uma daquelas “vítimas”, aceitaria o generoso oferecimento de Suplicy sem pensar duas vezes.
Se (por um acaso quase impossível) as “vítimas” decidissem vir a Brasil e se encontrassem com Cesare na Papuda, a equipe que organize a entrevista deverá transmitir esse fato por algum canal (por exemplo, Senado), em vivo, e formar uma audiência tão grande como possível. Sem esta precaução, a mídia publicará tudo distorcido.
Eu propus ao Senador Suplicy (ele está viajando e acredito que não recebeu minha mensagem) que também deveria fazer um convite público a Pietro Mutti. O convite não pode ser pessoal, porque ninguém sabe onde está, mas pode ser publicado na imprensa italiana.
Numa pseudo-reportagem feita pela revista Panorama há 10 dias, o repórter que simula estar entrevistando Mutti, põe em boca deste um desafio: Ele não está oculto, não tem nome falso, tem seus documentos originais, e está disposto a mostrá-los a quem quiser.
Tudo bem. Então, Pietro Mutti, dê uma oportunidade ao senador Suplicy de falar com você e assim você poderá contar-lhe a história que já rendeu tanto à aliança entre fascismo, neo-stalinismo, máfia política, e clericalismo.
- Carlos Alberto Lungarzo | Anistia Internacional USA
- Colaboradores do Rebate