Verdades de outrora... inverdades atuais...

A idéia de que existe alguma coisa além deste simples mundo, desta vida terrena, é algo que permeia o imaginário humano há muito tempo. Não é com os textos bíblicos que estas ideias surgem. Egípcios, Sumérios, povos africanos e asiáticos tem este mito impregnado em suas crenças há milênios.

Estes “fatos” permaneceram em nosso imaginário até os dias atuais, mas até que de uma forma mais amena do que há alguns séculos atrás. No período dos viajantes, das grandes navegações do século XVI, que afirmavam terem encontrado o paraíso terrestre, ou alguma coisa bizarra parecida com isto, havia mapas relatando lugares recém descobertos, como por exemplo, Cuba ou a Martinica próxima ao paraíso, ao jardim do éden.  A Martinica seria descrita por muitos navegadores, religiosos e homens de grande “confiança”, como uma terra habitada somente por mulheres guerreiras, possivelmente as famosas amazonas. Diziam-se desta ilha que em determinadas épocas do ano lá desembarcavam homens para procriar. Quando nasciam meninos, estes eram enviados para a ilha de onde haviam vindo os homens (Porto Rico) e as meninas permaneciam na Martinica com suas mães guerreiras. Textos descrevendo encontros com estas mulheres guerreiras existiram aos montes, em variados lugares, desde descrições dizendo terem sido “avistadas algumas delas em uma praia, a pouca distância, por sinal, da paragem onde Colombo tentara situar o paraíso terrestre.” Pode-se dizer que “de semelhante espetáculo, porém, onde o real e o imaginário parecem fundir-se, deveria nascer o ambiente mais propício ao mito” (HOLANDA, 1994.p.25).

Uma fonte “confiável” a respeito de tais mulheres foi o padre Cristoval de Acunã que disse: ”El tiempo descubrirá La verdad, y si estas son las amazonas afamadas de los historiadores, tesoros encierra em su comarca para enriquecer a todo El mundo! (op.cit.p, 26). Outro religioso, Frei Gaspar de Orellana relatou o “encontro” que teve com tais mulheres. Dizia o frade que as mesmas eram muito ferozes, e que exerciam muito poder diante dos índios, e que estes não tinham coragem de fugir, pois sabiam que se tentassem fazê-lo, seriam mortos a pauladas. As amazonas guerreiras foram descritas pelo frei como “membrudas, de grande estatura e brancas! Tinham cabeleira muito longa, trançada e revolta no alto da cabeça, andavam nuas, e que cada uma delas valia por dez homens em um combate”.

Sérgio Buarque de Holanda nos relata em seu livro “Visão do Paraíso” que estes relatos e estas crenças eram muito difundidas entre vários povos. Religiosos munidos do conhecimento escolástico e filosófico como os já citados, ajudaram a difundir tais “verdades”.  “Santo Isidoro, “acreditava piamente na existência de seres estranhos e chegou a dividi-los em quatro ramos distintos; os portentos, os ostentos, os monstros e os prodígios,” e afirmou:” foram feitos pela vontade divina e a natureza de toda coisa criada é a vontade de todo criador”. (op.cit, p17, 1994).

Esses seres estranhos a que se referia o religioso santificado, se tratavam de mulheres que concebem aos cinco anos para morrerem aos oito, homens sem cabeça e com os olhos e a boca no peito, hermafroditas com um peito feminino e o outro masculino, outros homens com cabeça de cão, com rabos com mais de um palmo de comprimento. Seres humanos que se alimentavam apenas do perfume de flores, ciclopes ( apenas um olho no meio da testa), outros com os pés apontados para trás e com oito dedos (lembra-nos o Curupira?) ou outros com uma só perna (seria o saci?) (op.cit, p18).

Há ainda relatos de homens que nascem velhos e vão se tornando jovens, e da famosa fonte da juventude. Outros relatos que descrevem como “chegar” a locais sagrados como a ilha dos santos. “Na história, por exemplo, das peregrinações de São Brandão, originárias das antigas lendas Celtas, a ilha dos santos, meta dos navegadores irlandeses, só é atingida após dilatada viagem sobre um mar infestado de dragões e gigantes”( isto não se parece a Ilíada de Homero?) ”(op.cit, p.20).

Os relatos a respeito da fonte da juventude são diversos. Na América recém descoberta, tal fonte “ficava” situada no atual estado da Flórida no EUA. Pedro Mártir de Anghiera descreveu a fonte, seus benefícios e entregou este relato ao Papa leão X como um documento portando relatos de experiências verídicas. A crença na existência destas águas milagrosas fez com que muitos aventureiros, nobres e religiosos se embrenhassem no novo mundo em busca de seus efeitos.

Os que se aventuraram nas terras do novo mundo tinham além dos interesses materiais de se conseguir aqui prestígio e riqueza, que para a maioria seria impossível de se conseguir na Europa, traziam em seu imaginário uma série de crenças, de mitologias, que iam muito além das crenças judaico-cristãs. Estes outros mitos ajudaram a moldar e a recriar muitas outras lendas que até hoje sobrevivem. Como já visto, é possível encontrar similaridades entre estas crenças mais antigas e algumas outras lendas que permeiam culturas mais antigas na Europa, e em nossa própria cultura, principalmente nas indígenas.

Podemos nos perguntar sobre quais destas lendas ainda permanecem? Onde é possível encontrar continuidades com estas crenças absurdas? Por que será que tantas pessoas acreditavam em coisas tão inverossímeis aos nossos olhos contemporâneos? Não serão nossas crenças atuais algum dia motivo de textos como esse que escrevo? Até quando durarão nossas verdades?

Todas estas perguntas permeiam minha cabeça. Sabemos de fato que todas estas coisas não se passavam de puro excesso de imaginação, ou quem sabe uma forma de ganhar prestígio como grande aventureiro. Um estudo mais aprofundado nos responderá isso. Por enquanto acho que vale a indagação a respeito de como podemos ser iludidos com falsas verdades, e como estas podem perdurar em nosso imaginário. Cabe a nós nos perguntarmos a respeito de nossas verdades, se são consistentes ou apenas verídicas como nosso papai Noel de nossos primeiros passos nesta vida terrena... só nos resta questionar.

 

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