Um dos temas jurídicos mais apaixonantes e complexos, especialmente no campo da Responsabilidade Civil, é o “nexo de causalidade”.
Aliás, não é preciso ser versado nas letras jurídicas para concluir que somente se pode responsabilizar a pessoa que, efetivamente, deu causa ao resultado danoso.
Por óbvio, nos estritos limites de um editorial, não seria razoável longa digressão a respeito das diversas correntes explicativas do nexo causal, tema que, segundo SERPA LOPES, exige acurada atenção investigativa:
“Uma das condições essenciais à responsabilidade civil é a presença de um nexo causal entre o fato ilícito e o dano por ele produzido. É uma noção aparentemente fácil e limpa de dificuldade. Mas se trata de mera aparência, porquanto a noção de causa é uma noção que se reveste de um aspecto profundamente filosófico, além das dificuldades de ordem prática, quando os elementos causais, os fatores de produção de um prejuízo, se multiplicam no tempo e no espaço.” (LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil – Fontes Acontratuais das Obrigações e Responsabilidade Civil – vol. V. 5. Ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001, pág. 218.)
Nessa linha, para o que nos propomos a tratar, vale apenas lembrar que, em Direito Civil, duas teorias, fundamentalmente, dividem os juristas, a respeito do tema: a teoria da causalidade adequada (pela qual causa seria apenas o antecedente fático que, segundo um juízo de probabilidade, tivesse aptidão para produzir o resultado danoso) e a teoria da causalidade direta e imediata (segundo a qual causa seria apenas o antecedente fático que determinasse o resultado danoso, como conseqüência sua, direta e imediata).
O artigo-base do nexo causal, no Código Civil, independentemente da tese adotada, é o 403.
Muito bem.
Nesse contexto, esclarece, com erudição, ANDERSON SCHREIBER, que, em alguns casos, doutrina e jurisprudência têm “dispensado a prova da relação causal no tocante a um resultado ulterior da conduta do agente, assegurando ao nexo de causalidade uma elasticidade que nenhuma das teorias usuais comportaria” (Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil – Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição de Danos, 2 ed, São Paulo: Atlas, 2009, pág. 70).
Vale dizer, é como se, em determinadas situações, o aplicador do direito “forçasse a barra”, em benefício da vítima, para imputar o dever de reparar o dano ao agente danoso, em hipóteses que, ortodoxamente, o Direito em vigor não permitiria.
Entra-se, assim, nos domínios da “teoria do resultado mais grave”, consagrada pelas expressões inglesas “The Thin Skull Rule” ou “The Egg-Shell Skull Rule”:
“A tal respeito, ilustres autores têm sustentado que o agente que pratica a conduta deve ser responsabilizado também pelo resultado mais grave, ainda que oriundo de condições particulares da vítima. Afirma-se que ‘as condições pessoais de saúde da vítima, bem como as suas predisposições patológicas, embora agravantes do resultado, em nada diminuem a responsabilidade do agente’, sendo ‘irrelevante, para tal fim, que de uma lesão leve resulte a morte por ser a vítima hemofílica; que de um atropelamento resultem complicações por ser a vítima diabética; que da agressão física ou moral resulte a morte por ser a vítima cardíaca; que de pequeno golpe resulte fratura do crânio em razão da fragilidade congênita do osso frontal etc.’ ” (SCHREIBER, citando Cavalieri Filho, na bela obra supra mencionada).
Vale dizer, na esteira desta teoria, se o agente do dano deu causa a um resultado mais grave, ainda que não se possa visualizar a sua responsabilidade segundo as teorias convencionais da causalidade, seria justo que compensasse a vítima.
Assim, no clássico exemplo dado por CARDOSO GOUVEIA (cit. por GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 7. Ed. Saraiva: São Paulo, 2002, págs. 522-523) em que o cidadão dá um “leve tapa” na cabeça da vítima – aqui na Bahia chamamos isso de “peba” – e esta vem a óbito por conta de uma fragilidade craniana, pelas teorias convencionais, até mesmo pela ausência de previsibilidade, não deveria o sujeito responder pela morte. Mas, segundo a “teoria do resultado mais grave”, responderia.
E se você, amigo leitor, neste ponto, perguntar-nos se tal teoria é aplicada, diríamos: não se trata de uma regra geral amplamente admitida – até porque, como dito, vai de encontro às teorias tradicionais que exigem a demonstração do efetivo nexo causal – muito embora, na prática, em determinadas situações, não seja raro encontrarmos decisões que a aplicam como um “recurso empregado, com menor frequência, para a extensão do remédio ressarcitório a dominios que a exigência da demonstração do nexo de causalidade mantinham imunes tanto à responsabilidade subjetiva quanto à objetiva” (SCHREIBER, Anderson, ob. Cit., pág. 72).
Em outras palavras, por vezes, a teoria do “thin skull rule” é aplicada para evitar que a vítima (ou os seus sucessores) não receba uma justa indenização.
Tema instigante, polêmico, e merecedor de nossa reflexão...
Um verdadeiro convite à boa pesquisa!
Um abraço, meus amigos!
Fiquem com Deus!
Pablo Stolze.