Foi Norman O. Brown quem, combinando teses marxistas e freudianas em seu clássico Vida Contra Morte (1959), lançou uma advertência aterradora: esgotada sua função histórica sem ter sido substituído por um sistema econômico mais avançado, o capitalismo passou a cumprir o papel de uma espécie de agente coletivo do instinto de morte.
Fantasioso? Nem tanto.
Afinal, entre os riscos cada vez maiores de extinção da espécie humana como consequência das alterações climáticas e os interesses das indústrias causadoras do aquecimento global, todos sabemos qual prato está pesando mais na balança. Que cada um de nós tenha seu carro próprio para desfrutar a vida, enquanto existir vida. E que se danem os que virão (viriam?) depois...
Da mesma forma, é bem possível que, com a utilização obsessiva de celulares, estejamos condenando nossas crianças ao câncer no cérebro.
O alerta foi lançado pela epidemiologista estadunidense Devra Davis, que acrescenta: há um óbvio esforço de acobertamento dessa ameaça.
Mais um, aliás. Todos também sabemos, p. ex., que se a imprensa cumprisse sua missão de bem informar os cidadãos sobre a verdadeira máquina assassina chamada motocicleta, só kamikazes as continuariam utilizando.
Eis algumas interessantíssimas declarações de Devra Davis à revista Época:
"Celulares são aparelhos que emitem e captam ondas de rádio. Há muitas formas de ondas. As de maior potência são os raios X. Eles podem danificar o DNA das células de qualquer ser vivo, com efeitos sabidamente cancerígenos. A potência da radiação das micro-ondas de um celular é muito menor que a radiação de uma máquina de raio X. O problema dos celulares reside em sua exposição prolongada ao corpo humano, especialmente sobre os neurônios cerebrais. Quantos minutos ao dia falamos ao celular, 365 dias por ano, por anos a fio? O poder cumulativo dessa radiação pode alterar uma célula e torná-la cancerígena.
"Em meu livro (Disconnect, 2010), faço um levantamento de dezenas de estudos científicos feitos com rigor em todo o mundo, que provam sem sombra de dúvida o perigo do uso de celulares. Um dos autores, aliás, é brasileiro: o professor Álvaro Augusto Almeida de Salles, da Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). (...) Salles é um dos maiores especialistas mundiais no tema.
“O FCC [a agência de telecomunicações dos EUA] estabelece um limite máximo de absorção pelo corpo humano de radiação de celulares. Todos os fabricantes devem fazer aparelhos para operar dentro do limite de 1,6 watt por quilo de tecido humano. Salles provou que o limite do FCC só é seguro para os adultos. Ao simular a absorção de radiação celular por crianças de até 10 anos, descobriu valores de absorção 60% mais elevados que nos adultos. O recado é claro. Não deixe o celular ao alcance das crianças. Não deixe seus filhos menores de 10 anos usar celular.
“O limite [máximo de absorção] foi estabelecido [pelo FCC] no início dos anos 1990, quando os celulares começavam a se popularizar. Foi estabelecido tomando por base uma pessoa de 1,70 metro de altura e uma cabeça com peso aproximado de 4 quilos. Vinte anos depois, o limite é irrelevante. Mais de 4,6 bilhões de pessoas no mundo usam celular. Boa parte são crianças, adolescentes e mulheres. E todos estão expostos a níveis de radiação superiores ao permitido. Quais serão as consequências em termos de saúde pública da exposição lenta, gradual e maciça de tantas pessoas à radiação celular, digamos, daqui a dez ou 15 anos? O tumor cerebral se tornará epidêmico?
“Tenho documentos para provar que existe um esforço sistemático e concentrado da indústria de telecomunicações para desacreditar ou suprimir pesquisas cujos resultados não lhe favorecem, como a do professor Salles provando o risco dos celulares para as crianças. Quando um estudo assim é publicado, a indústria patrocina outros estudos para desmenti-lo. Não há dúvida de que a maioria dos estudos publicados sobre a radiação de radiofrequência e o cérebro não mostra nenhum impacto. A maioria das evidências mostra que a radiação dos celulares tem pequeno impacto biológico. Mas há diversas formas de cozinhar os dados de uma pesquisa para invalidá-los ou evitar que se chegue ao resultado desejado.
“[respondendo à objeção de que não é prático usarmos os celulares sempre com fones de ouvido, como deveríamos] Também não é prático expor o cérebro desnecessariamente às micro-ondas emitidas pelos celulares. Essa medida, aliás, é uma exigência do FCC (...) e recomendada por todos os fabricantes de celulares. Mas, convenientemente, a recomendação não vem escrita no manual do produto. É preciso baixar o guia de informações de segurança do site de cada fabricante para saber que eles próprios recomendam que ninguém cole o celular ao ouvido.
“A indústria de telecomunicações é uma das poucas que continuam crescendo no momento atual. Ela paga muitos impostos e gasta muito em publicidade. Usa as mesmas táticas dos fabricantes de cigarros e bebidas. A indústria de telecomunicações é grande, poderosa e rentável. Contra isso, a única arma possível é a informação. É o que estou fazendo com meu livro. Abandonei uma carreira acadêmica consagrada de 30 anos porque é hora de impedir que, no futuro, o mau uso do celular cause um mal maior. Os especialistas que me ajudaram na coleta de dados, muitos secretos, nunca revelados, o fizeram porque são pais e avós que querem o melhor para seus filhos e netos”.
Celso Lungaretti é jornalista e escritor. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com