Caso Battisti: Detalhes Jurídicos Italianos

Nos últimos 16 meses, escrevi e publiquei nesta rede vários artigos e alguns pequenos ensaios sobre o Caso de Cesare Battisti, que, em geral, se dividiram em dois estilos: alguns estavam destinados a abordar temas gerais sobre a perseguição italiana, como aquele sobre Democracia e Direitos Humanos, outros foram mais informativos de assuntos pouco divulgados, como o projeto de sequestrar Battisti, e outros refugiado italiano, pelo grupo parapolicial terrorista DSSA.

Publiquei alguns detalhes sobre assuntos diversos, como o julgamento de Cesare no Rio, a animosidade do relator no caso de extradição, um estudo sobre os numerosos pontos do Tratado Brasil-Itália que permitiriam negar a extradição, e assim em diante. O caso mais próximo da análise jurídica foi a reconstrução animada da FALSIFICAÇÃO DAS PROCURAÇÕES, cuja versão em vídeo pode ser encontrada em

www.youtube.com

Detive-me pouco, entretanto, em publicar exames minuciosos dos autos, tanto brasileiros como estrangeiros. Eu pensei que, durante o ano e meio que passou, era melhor informar o mais possível sobre o contexto geral, pois muitas pessoas não conheciam aspectos básicos dos fatos.

No momento atual, quando a libertação de Cesare é urgente, uma vez que os motivos que poderia ter criado provocações durante as eleições, já no existem, acredito que é necessário municiar as pessoas com informações mais precisas.

Por tanto, vou a fazer um exame detalhado dos autos dos processos, começando pela sentença italiana de 1988.

Os Documentos Liberados Pela Itália

Muitos documentos que imaginamos deveriam existir sobre o caso Battisti nunca foram revelados aos apoiadores do escritor: relatórios de perícias, depoimentos , ficha de qualificação completas das pessoas arroladas como testemunhas, etc. Entretanto, Itália disponibilizou sim a sentença inicial de 1988, e as duas sentenças de recurso (1990 e 1993), com as quais as condenas a perpetuidade de Battisti ficaram firmes. Além disso, também publicaram um roteiro histórico dos processos.

Todos estes documentos foram distribuídos sem restrição, porque são aqueles que acumulam retórica que simula provar a culpabilidade de Cesare. O total soma quase 2000 páginas e é natural que as autoridades italianas pensassem que poucas pessoas os leriam. De fato, os advogados da defesa e alguns dos ministros do STF, que os leram, talvez não teriam tempo de produzir matéria de fácil acesso, que possa ser entendida por todos. A arqueóloga, historiadora e romancista francesa Fred Vargas fez um trabalho nesse sentido com as 13 perguntas dirigidas ao relator Cezar Peluso. Creio, porém, que é necessário divulgar todo o que seja possível sobre os autos de ambos os países.

Com efeito, embora os autos italianos sejam infinitamente menos tortuosos que os brasileiros, e escritos num estilo menos tendencioso e menos hermético, sua leitura absorve muito tempo. Além disso, sua apresentação numa linguagem simples requer alguma elaboração. Acredito que não pode exigir-se este esforço dos advogados defensores, que deveram concentrar-se na análise jurídica.

Portanto, quero oferecer uma análise o mais curta possível das insuficiências que encontrei nas sentenças. Estamos na etapa final do processo, e nenhum recurso legítimo deve ser poupado. É necessário que todos tenham claro QUE A DOCUMENTAÇÃO SOBRE O CASO BATTISTI NÃO PERMITE DEDUZIR NENHUMA ACUSAÇÃO CONTRA ELE QUE SE REFIRA A NENHUM DOS QUATRO HOMICÍDIOS.

Localização e Citação

As fontes desta análise se encontram nesta página de meu site

http://sites.google.com/site/lungarbattisti/

No entanto, o site possui, em sua totalidade, os documentos aos quais tive acesso, seja publicamente, seja através de amigos que os conseguiram na Europa, por meio de contatos. Também tem material adicional.

Entretanto, sou plenamente consciente de que muitas pessoas podem, com toda honestidade, desconfiar de documentos que são disponibilizados por alguém que, como em meu caso, se declara abertamente em defesa dos direitos humanos e inimigo radical do arbítrio jurídico, do terrorismo de estado e do fascismo. Por tanto, vou indicar um site acima de toda suspeita onde se encontram estas mesmas sentenças.

Este site é o seguinte:

www.vittimeterrorismo.it

Nele se encontram as 3 sentenças (88, 90 e 93) e o Roteiro Histórico. Entretanto, o mais importante é a sentença 1988, porque nela se descreve o julgamento coletivo dos PAC após 1982, quando o informante PIETRO MUTTI já tinha sido detido. Toda a informação relevante se encontra neste relatório de umas 370 páginas. A transferência é direita e aberta a todo público, mas pode demorar um pouco pelo grande tamanho do relatório.

O site ao qual pertence esta página é:

www.vittimeterrorismo.it

Ele é absolutamente insuspeito de ter qualquer simpatia por Battisti, ou mesmo imparcialidade respeito dele. Durante quase três anos, publicou em sua home page matérias contra Cesare, contra seus amigos e defensores, contra intelectuais, artistas e políticos progressistas franceses, contra os apoiadores italianos, e contra o governo e os defensores brasileiros. Atacou até setores que estão de direita mas que não estão o suficientemente empolgadas com a Ideia de uma vingança infinita.

Além disso, como o título indica, o site está formado por vítimas da violência dos Anos de Chumbo, e por parentes dos que morreram. Em sua maioria são parentes de agentes do estado, magistrados, policiais e militares. Aliás, o site reconhece poucas vezes que certos crimes foram devidos aos fascistas, e faz isto em casos em que o autor do ato foi capturado em flagrante e não ficou dúvida sobre seu caráter fascista. Em relação com os outros crimes, sempre tenta deixar uma suspeita que os autores foram de esquerda, mesmo em casos em que isto seja notoriamente inverídico. Quando Battisti foi refugiado no Brasil, o presidente de uma associação de vítimas do ESTRAGO DE BOLONHA mandou uma nota de repúdio. Não há a mínima dúvida de que esse estrago foi feito pelos fascistas e por agentes do estado italiano, incluindo militares, mas, ainda assim, a sociedade DOIS DE AGOSTO se pronunciou contra Cesare.

Por tanto, se alguém tem receio de que estes documentos possam ser falsificados, pode ficar sossegado. Ninguém neste site falsificaria um documento para beneficiar Battisti.

Uma pergunta natural:

Por que a Itália liberou estes documentos, onde podem ser encontrados erros e contradições? Bom, este texto contém centenas de páginas onde se acusa Cesare, e se enaltecem e elogiam os delatores Mutti, Fatone, Tirelli, Barbetta, Barbone, Memeo, etc. Quem quiser escrever um artigo contra Cesare simulandoque está usando dados corretos, tem aqui uma ótima oportunidade. De fato, alguns dos mais famosos inimigos de Cesare tomaram as partes acusatórias do texto e as reproduziram seu muito detalhe. Os outros membros do “coral” anti-Battisti se limitaram a repetir estas denúncias.

Entretanto, embora os defeitos da sentença sejam visíveis, encontrá-los exige um tempo que a maioria das pessoas não possui. Quantas pessoas leriam um “tijolo” jurídico de mais de 300 páginas, escrito a máquina, fotocopiado precariamente, cheio de anotações confusas, carimbos e assinaturas?

Entretanto, para as pessoas sinceramente interessadas, eu sugiro que façam o esforço e pelo menos leiam as partes citadas neste artigo. Se alguém encontra que minhas críticas contêm erros ou não estão demonstradas com categoricidade indiscutível, sugiro aos interessados publicar suas réplicas na Internet. O que menos desejo é que as pessoas aceitem o que está escrito neste artigo apenas por rotina. Agradecerei a todos os que possam me rebater limpamente, caso isso seja possível.

Todas as citações se referem à SENTENÇA DE 13-12-1988, registro geral 49/84, Núm. 55438/481 da compilação geral Da LA CORTE d’ASSISE DE MILANO (aproximadamente: Tribunal de Júri de Milão).

O Júri foi formado por 8 juízes, dois togados e 6 populares, sendo o presidente Camillo Passerini e a Vice-presidente Giovanna Ichino. A vice-presidente foi membro da Magistratura Democrática, uma tendência entre os magistrados que surgiu em 1964 como corrente judicial de esquerda. (Não sabemos exatamente qual era a posição da dottoressa Giovanna em 1988).

Foram julgados Anselmo Passerini + 22 outros réus, na causa chamada PAC bis. Entre estes foi julgado em ausência Cesare Battisti.

A citação de cada trecho se indica pelo número de página, às vezes, pelo número das linhas, ou dos parágrafos. Se não for dito diferente, linhas e parágrafos são contados de cima para baixo.

Homicídio de Antonio Santoro

Entre as páginas 224 e 313, o relatório da sentença descreve o homicídio de Antonio Santoro, chefe dos carcereiros da prisão de Udine, onde Cesare Battisti tinha estado alguns anos antes. Este trecho descreve a morte do carcereiro na forma em que o Tribunal considera que aconteceu. Segundo parece, nas páginas finais desta seção, este relato estaria baseado na narração fornecida pelo réu PIETRO MUTTI, ex chefe militar (informal) dos PAC, que na época atuava como pentito (delator premiado), chamado tecnicamente “colaborador da justiça”.

A sentença relata assim a morte de Santoro:

No dia 6 de junho de 1978, pela manhã, Santoro se desloca a pé da sua casa ao trabalho na cidade de Udine, quando um homem jovem, que estava namorando na rua com uma menina ruiva, se afasta de sua parceira, se coloca por trás da vítima, e lhe dispara dois tiros de pistola. Depois, sobe num carro branco dirigido por outros dois homens jovens, e foge em alta velo­cidade.

Na sentença se afirma que houve duas testemunhas que teriam visto o seguinte: o homem que atirou em Santoro fugia na direção de um carro branco que podia ser SIMCA 1301, ou então FIAT 124. Destas duas supostas testemunhas não se fornece nenhum nome. Não é claro se, algumas supostas testemunhas das quais se fornece depois o nome, é alguma destas. (O carro foi encontrado abandonado algumas horas depois e era um SIMCA 1301, aparentemente arrombado e com o motor de partida acionado com um grampo de cabelo).

No 04/10/78, a Divisão de Investigações de Milano (órgão policial conhecido pelo acrônimo DIGOS) afirma ter uma denúncia confidencial, que aponta como o casal executor PIETRO MUTTI e ENRICA MIGLIORATI, ambos considerados membros dos PAC.

Esta afirmação coincide com outra, produzida em 10/79 pela delegacia de Carabineiros (polícia militar) de Udine, que diz que ambos foram os autores do homicídio. Na sentença de 1988 não se incluem os códigos onde podem encontrar-se as provas (boletim de ocorrência, depoimentos). Os carabineiros informam o seguinte, segundo a sentença:

Uma mulher chamada Rosana Trentin (da qual não se fornece nenhum dado de identidade, domicílio, profissão, ou aspecto físico) teria observado um homem que ela disse que acreditava ser Mutti no cenário do homicídio. Algum tempo depois (não se diz quantas horas ou dias), ele começou a duvidar e disse que “não se sentia capaz de fazer nenhum reconhe­cimento”. Portanto, os investigadores decidem que não precisam mostrar-lhe fotos para fazer reconhecimento (p. 226, lin. 14-24).

O relatório da sentença comenta que, após a detenção de Pietro Mutti em janeiro de 1982, houve uma reviravolta no caso. No 08/02/79, Pietro é interrogado novamente em Milão, onde declara que ele era o moto­rista do carro no qual fugiram os homicidas, e que a arma utilizada era uma Glisenti 10,20.

De acordo com o relatório, Mutti acrescenta que Battisti foi quem sugeriu este homicídio e que na operação atuaram 6 pessoas. Acrescenta que Cesare viajou a Udine pouco antes do homicídio, levando um saco com duas Glisenti e um revólver 22, e que foi ele quem disparou.

O relato de Pietro sobre a execução em si mesma menciona 3 tiros (p. 230), enquanto no começo da seção da sentença dedicado a Santoro, se fala de dois tiros, como se esses fossem todosos disparos efetuados.  (p. 224). Com efeito, nessa primeira descrição se afirma “spara alle spalle due colpi de pistola” (“dispara pelas costas dois tiros de pistola”, linha 12).

Agora, a versão de Mutti é diferente. No momento em que Santoro passava pelo lugar, Battisti teria deixado de namorar Enrica e come­çado a correr em direção a Santoro, que foi derrubado com um tiro nas costas.

Estando no chão, o matador haveria dado outros dois tiros pelas costas (sendo, no total, três). Além disso, enquanto o relatório diz, na página mencionada, que o atirador teria subido ao carro, Mutti afirma que ambos(o atirador e a cúmplice) subiram juntos. Ele também descreve os disfar­ces: Battisti haveria usado barba e bigodes castanhos e Enrica uma peruca ruiva.

O relator enfatiza que em todos os interrogatórios, Pietro disse sempre as mesmas coisas, com algumas leves variações produzidas pelo esforço que exige da sua memória.

Oito dias depois, Mutti repete (segundo o relator) a mesma declaração em Udine, colocando ênfase em que o projeto, desde o início, decidia a morte de Santoro, o que descartava homicídio por engano ou excesso.

Na página 232, Mutti é corrigido por um dos advogados defensores quando retifica um detalhe em sua delação, incorrendo numa aparente contradição. O relatório não explicita o contexto desta discussão nem identifica o advogado defensor. O juiz desculpa Mutti, ao qual atribui abundância de informações úteis para a justiça, e explica que essa quantidade tão vasta de dados, deve produzir algum erro de memória. Enfatiza que aquele detalhe não tem a mínima relevância, e rejeita a objeção do advogado.

Na página 238, menciona-se a testemunha “Ronco”. No dia 5 de junho, ele tinha andado a pé com Santoro pelo mesmo per­curso onde ele seria morto no dia seguinte. Ronco teria mostrado a Santoro que, no local do crime, havia um casal abraçado que os ob­servava. O relatório menciona um documento (cart. 10, vol. 8, fasc. 1, p. 76), mas a localização do mesmo não foi informada por nenhuma autoridade a uma pessoa que foi enviada a Milão para identificar o documento.

Os magistrados proclamam “notáveis” coincidências entre as descri­ções de Mutti, as fotografias tomadas, e as “numerosas e concor­dantes”observações oculares. Ninguém informa, porém, onde po­dem ser olhadas essas fotos, nem sequer o que elas registram. Não está clara tampouco, a definição de observações oculares “numero­sas e concordantes”.

As testemunhas citadas são 10 (pp. 243 e 244).

A testemunha Menegonachou que moça devia ter de 18 a 20 anos, corpo normal, estatura de 165 cm, cabelos curtos e aver­melhados. Sobre o rapaz não parece ter falado nada.

A testemunha Pagano disse que a mulher teria uma estatura entre 160 e 165 cm, era esguia, com cabelo ruivo vivo, curto e on­dulado; o homem seria algo mais alto, esguio, com uns 25 anos de idade, cabelos escuros, rosto regular, pele clara.

A testemunha Suriano disse que a mulher era ruiva com ca­belos médios, entre 160 e 165 cm, e o homem devia ser 5 ou 6 cm mais alto.

Para a testemunha Zampieri, a moça era baixa e o homem um pouco mais alto (como 165 cm), robusto, com barba escura e abundante.

A testemunha Linassi disse, então, que a moça era jovem, ruiva, corpo regular, baixa, enquanto o rapaz era também jovem, mais alto, corpo regular, barba média, cabelos escuros.

Na página 247, se mencionam outras duas testemunhas, com tanta “precisão” e “univocidade” como nos casos anteriores: são ninguém menos que Ardizzone e Del Tosto. No entanto, estes dois (dos quais não se dizem os primeiros nomes, nem seu sexo, nem qualquer outro dado), não descrevem nenhum homem. Apenas confirmam a presença de uma mulher no local do crime. Há outras testemunhas, Galateo, Nigra e Melchior, que só se referem a Enrica Migliorati, e não forne­cem nenhum dado sobre o homem que estava com ela.

Algo antes, porém (p. 244), o relator da sentença faz uma dedução:

  1. Os magistrados sabiam por alguns dos PAC já interrogados, que uma vez, durante uma reunião do grupo, Battisti e Migliorati se tinham beijado em presença de outros colegas.
  2. Então, os juízes deduziram que ambos eram namorados, porque, segundo pareceria ser a mentalidade dos juízes, só namorados podem ser beijar! (O que opinará Berlusconi de tanta moralidade sexual???)
  3. Ora, no local do crime de Santoro, o matador estava com Enrica.
  4. Enrica se beijou com o matador
  5. Logo, este devia ser o namorado, ou seja, Battisti. (Porque, como antes, mesmo uma terrorista não seria tão sem vergonha de beijar-se com outro cara.)

No raciocínio dos magistrados esta divisão em passos está implícita.

Então, as únicas supostas testemunhas que fizeram alguma referência ao homem que participou no crime foram: PAGANO, SURIANO, ZAMPIERI, LINASSI. Nenhum deles afirma tê-lo visto atirando. O máximo detalhe que se conhece é que estava com a menina, perto do local do crime, num horário que, segundo se sugere, devia ser próximo do horário do homicídio, mas não há dados numéricos, nem mesmo aproximados.

Cabelo

Barba

Corpo

Altura

Idade

Pele

Rosto

PAGANO

Escuros

---

esguio

Algo mais alto que a moça

ca 25

branca

regular

SURIANO

----

----

---

5 ou 6 cm. mais alto que a moça

---

---

----

ZAMPIERI

---

Escura e abundante

robusto

Algo mais alto que a moça (ca 1,65)

---

---

---

LINASSI

Escuros

Média

regular

mais alto

jovem

----

-----

A única coincidência entre os quatro é que o rapaz era mais alto que a moça, mas só Zampieri oferece um dado quantitativo.

Pagano e Linassi coincidem aproximadamente na cor do cabelo (escuro) e na idade.

Pagano, Zampieri e Linassi têm versões diferentes do corpo.

Zampieri e Linassi têm versões opostas do tamanho da barba (abundante e média)

Finalmente, lembre (veja acima) que Mutti tinha dito que a barba e o bigode eram castanhos.

Homicídios de Torregiani e Sabbadin

Os relatos da morte de Torregiani e de Sab¬badin estão relatados no mesmo capítulo da sentença (páginas 434 a 486).

Em Milão, às 15 horas do dia 16 de fevereiro de 1979, Pier¬luigi Torregiani se dirige a pé a sua loja, acompanhado de dois filhos. Pela mesma calçada andam, um pouco na sua frente, dois rapazes que, num dado momento, giram em sua direção e abrem fogo. Os primeiros projéteis são detidos pelo colete antibala de Pierluigi. Ele tira sua arma e responde os disparos. É ferido em várias partes do corpo, e acaba morrendo no transporte ao hospital. O relatório diz que “um projétil alveja o filho e o fere gravemente”, mas não explica a procedência da bala.

No mesmo dia da morte de Torregiani, às 16:50, dois jovens com barba e bigode entram no açougue de Lino Sabbadin, localizado na pequena vila Caltana di Santa Maria di Sala, no Veneto. Um deles confirma a identidade do açogueiro, e em seguida tira uma arma e faz dois disparos contra Lino, que cai atrás do balcão e é arrematado com outros dois tiros (p. 435). Logo, os executores fogem num carro guiado por um terceiro.

Na página 457 da sentença e em outros trechos, descreve-se, através da Mutti, a presença “relevante” de Cesare no planeja¬mento dos crimes.

Na página 446, menciona-se que Sante Fatone e Pietro Mutti, antes dos dois atentados quase simultâneos, teriam ouvido de Battisti que ele próprio, junto com Diego Giacomini, um venezi¬ano de 22 anos, e Paola Filippi, uma paduana de 26 anos, executaria pessoalmente Sabbadin. Ambos “arrependidos” coincidem também em que, após o crime, souberam que os três foram efetivamente os autores. Mutti informou ainda, que o sardo Sebastiano Masala e o próprio Battisti lhe teriam dito que o autor dos disparos contra o açogueiro era Giacomini.

O relatório acrescenta que no açougue havia vários clientes, que não puderam reconhecer os homicidas por causa de seus disfar­ces. Veja este raciocínio (§2 da p. 448):

As declarações mencionadas encontram verificação objetiva no relatório judiciário, nos depoimentos das testemunhas de aqueles que assistiram o homicídio e nos resultados das perícias [incluindo a modali­dadedo crime]. [Tantos os grifos quanto a interpolação são meus.]

Anteriormente, disseram que os fregueses não puderam re­conhecer ninguém. O que foi, então, o que constava nos “depoimentos das testemunhas”? No final desse parágrafo, se menciona a esposa de Sab­badin, que, em numerosos outros documentos (reportagens de jor­nais, declarações citadas em livros, depoimentos citados por inimi­gos de Battisti) confirma ter visto os dois atacantes, mas tam­bém confessa que teria medo de identificá-los. Seja que o medo da esposa fosse real, seja que realmente não conseguisse identificar as pessoas, o fato concreto é que ela nunca fez reconhecimento foto­gráfico ou pessoal dos suspeitos.

Uma “prova” adicional está na página 449 do relatório: é a inflexão “levemente meridional” da pessoa que reivindicou por te­lefone o crime de Sabbadin. Os magistrados a atribuem a Battisti, mas entre os PAC havia pessoas de diversos lugares, incluídos vários meridionais. Aliás, Battisti era de Latina, um lugar do mezzo, não considerado como meridional.

O filho de Sabbadin, Adriano, diz ter visto quando se pai foi executado, mas nunca confessou o ter reconhecido nenhum dos atacantes.

O Homicídio de Campagna

No dia 19 de abril de 1979, às 14 horas, o motorista policial Andrea Campagna, após visitar sua noiva, ia procurar seu carro junto com seu sogro, Lorenzo Manfredi, ao qual daria uma carona. De maneira súbita, um jovem desconhecido, debruçado detrás de um veículo estacionado, lhe dispara rapidamente 5 tiros de pistola (pp. 507 e 508). Em seguida, sobe a um FIAT guiado por outro homem e foge. Campagna morre durante o transporte ao hospital. O relatório indica que o carro utilizado para fugir, que fora roubado 3 dias antes do crime, foi encontrado 5 dias depois. Pela primeira vez, o tribunal brinda um dado completo: a placa do FIAT.

Em fevereiro de 1982, Mutti declara novamente contra Bat­tisti, dizendo que este sabia que a morte de Campagna era imputá­vel aos PAC, e que seu objetivo era fazer justiça pelas torturas apli­cadas aos detidos em fevereiro de 1979 (p. 512). Mutti afirma ainda que Battisti se atribuiu a sim mesmo e a Giuseppe Memeo a prepa­ração do homicídio. Acrescenta ainda que Cesare lhe confessou que ele tinha atirado em Campagna.

Na página 513, Mutti conta que se encontrou com Memeo, e que este lhe descreveu o homicídio de Campagna, incluindo deta­lhes do carro usado para a fuga e da arma e os projéteis utilizados, que coincidiam com os narrados por Battisti. O relatório menciona na página 516, que Memeo se declara participante no homicídio, admitindo ser o motorista, mas não menciona o nome do atirador, ao qual chama apenas “companheiro”.

No interrogatório de junho de 1984, Fatone confirma todas as acusações de Mutti, e também se torna “portavoz” de Memeo, a quem atribui a confissão de que os autores materiais do crime eram ele próprio e Battisti. Em dezembro do mesmo ano, Fatone repete a história e acrescenta um detalhe que o relator parece considerar muito importante: uma vez, Sante Fatone teria encontrado na casa de um amigo uma jaqueta que lhe disseram ser de Battisti. Era do mesmo estilo que a utilizada pelo matador de Campagna.

Aparecem duas testemunhas “identificadas” como Brunie Manfredi, que teriam visto o matador em ação e o descrevem como um homem loiro de uns 25 anos (p. 515). Na página 522, o relator, ao fazer uma recapitulação dos fatos, enfatiza a culpa de Battisti e mostra seu senso de humor:

“I capelli, se non biondi, erano però di color castano claro”

(Os cabelos [de Battisti], se não eram loiros, eram, porém, castanhos claros).

Uma prova tão irrefutável e precisa não poderia ser questionada. É natural compreender que o Supremo Tribunal Federal do Brasil se sentisse impressionado pelo impacto das evidências.


 

 

 

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