Em um regime presidencialista, o Presidente dispõe de uma soma enorme de poderes, mas lhe falta um, essencial: não pode dissolver o Congresso e convocar novas eleições. Ao tomar posse, Jânio Quadros encontrou um Congresso eleito em 1958, que não representava a nova realidade política, mas cujo mandato só se venceria dali a dois anos.
Nesse longo período, era mister recompor suas bases parlamentares, cozinhando os projetos a fogo brando até que novas eleições lhe dessem maioria efetiva, com a qual pudesse realizar seus propósitos. Seriam dois anos cuidando de problemas menores ou de consenso, sobrando os três últimos anos para atacar questões mais graves e polêmicas, já com a Câmara totalmente renovada e com o Senado parcialmente modificado. Não quis esperar, intrigou-se com a oposição e, pior ainda, conseguiu indispor-se até com alguns de seus próprios correligionários, acrescentando novos adversários ao governo, como se ainda estivesse precisando de mais inimigos. Jânio esteve no poder por exatos 206 dias. Nunca se conseguiu precisar as causas de sua renúncia. É um quebra-cabeças no qual sempre ficam faltando peças. Qualquer explicação que se dê é insatisfatória. Mas a falta de base parlamentar - ele mesmo o reconheceu trinta anos depois - foi um motivo forte para obstar-lhe os passos, impedindo-o de governar. Na formação de seu ministério, Jânio Quadros procurou contemplar os partidos que o apoiaram, mas não teve dúvidas em buscar nomes em outros setores de liderança. Alguns já haviam colaborado com ele no governo do Estado de São Paulo. Um outro, Clemente Mariani, tinha sua filha casada com o filho de Carlos Lacerda. Alguns tinham entre si divergências irreconciliáveis. O resultado final foi um verdadeiro balaio de gatos. Um banho de marketing Após uma campanha eleitoral que trazia como tema principal a renovação de costumes, o Presidente recém empossado sentiu-se na necessidade de mostrar a que veio e, já no segundo dia de governo, instaurou cinco comissões para fazer sindicância no IBGE, na COFAP (órgão controlador de preços) e em três outras instituições. Nas semanas que se seguiram, foram criadas outras 28 comissões de sindicância, uma autentica banda de música, que tocou bonito mas sem chegar a um resultado mais concreto. Em atos seguintes, mandou recolher revistas para adultos, proibiu corridas de cavalos em dias úteis, o funcionamento de rinhas para "brigas de galos", o uso de maiôs cavados em concursos, os espetáculos de hipnotismo, o uso de lança-perfumes no Carnaval, a propaganda em salas de cinema, regulamentou a participação de menores em programas de rádio e televisão, extinguiu funções de adidos militares em representações diplomáticas, etc. Jânio Quadros tinha uma aversão profunda pela classe política e, embora em desvantagem no Congresso, sobretudo na Câmara Federal, nada fez para melhorar sua base de apoio. Ao contrário, ao invés de negociar com parlamentares, trazendo-os para o seu redil, como fazia JK, preferiu tratar de assuntos administrativos diretamente com os governadores de Estado, criando um governo itinerante, à semelhança do que já tivera quando prefeito da capital paulista e, depois, como governador do Estado de São Paulo. Independente dos interesses pessoais de deputados e senadores, por vezes compreensíveis, por outras censuráveis, renasce, cristalina, a afirmativa de que em uma democracia, não é possível governar sem contar com o apoio das forças políticas; o isolamento do Congresso, traz, pois, como contra-partida, o isolamento do presidente da República. São poderes harmônicos, que não conseguem sobreviver um sem o outro. Em 19 de agosto, Che Guevara é recebido por Jânio Quadros em Brasília, o qual aproveita a ocasião para atender um pedido do núncio apostólico, monsenhor Lombardi, para interferir na libertação de 20 padres espanhóis, presos em Cuba. No caso dos padres, Guevara concorda com a libertação, avisando, entretanto que, dentro das regras cubanas, eles serão em seguida expulsos para a Espanha. Jânio manifesta sua opinião de que a expulsão é um assunto interno de Cuba, que só a ela cabe resolver. O Brasil defende a libertação e com esse ato considera o pedido satisfeito. Jânio Quadros (1953) elegendo-se prefeito da Capital Paulista e, no cargo, há um momento em que ameaça renunciar. Quando Governador (1955) de São Paulo, contrariado com as críticas e com a oposição que vinha sofrendo na Assembléia Legislativa, no cúmulo de sua irritação, chamou o seu secretário particular, Afrânio de Oliveira, e lhe entregou uma mensagem para ser divulgada à noite, pelos jornais, noticiando sua renúncia. De posse da mensagem, Afrânio de Oliveira reteve-a em seu poder, não dando ciência a ninguém. No dia seguinte, estranhando a falta de repercussão da notícia, indaga o Governador do seu Auxiliar onde se encontrava a mensagem: - "Comigo, no bolso." - "Rasgue-a" - disse Jânio. Estava superada a crise da "renúncia". A renúncia de Jânio Quadros foi premeditada, ligando um fato a outro, as circunstâncias permitem acreditar que tinha o objetivo de controlar todo o governo e livrar-se de Carlos Lacerda e da influência do Congresso. A revista "Mundo Ilustrado" em seu número de 12 de agosto, treze dias antes da renúncia, publicava a reportagem: "Renúncia, arma secreta de Jânio". Prova cabal de que a renúncia não foi um gesto individual de um Presidente destemperado: a carta em que a decisão seria tornada pública estava desde 20 de agosto em poder de Horta. Ele mostrou a um grupo de conspiradores que se reuniu na casa de um industrial em Bertioga (SP). Entre os participantes do encontro estava o Presidente do Senado, Auro de Moura Andrade (PSD-SP), e o ministro da Guerra, Odílio Denys. Em 1960, em entrevista exclusiva, após o episódio da renúncia, quando era candidato a candidato à Presidência da República, pela UDN, Jânio disse: - "Quando renunciei, tinha o firme propósito de voltar à vida privada, isto é, à advocacia, ao magistério e à família" (renunciou por duas vezes em 1960). Em 25 de agosto de 1961, o estilo da carta renúncia. Diz o texto: "Retorno agora ao meu trabalho de advogado e de professor." O que planejava Jânio Quadros? Jânio Quadros não queria sob nenhuma hipótese fechar o Congresso Nacional, pois, poderia fazê-lo com um cabo e três soldados. Ele pretendia o respaldo político e parlamentar mais amplo para suas reformas; Jânio Quadros nunca perdeu a chance de amaldiçoar os partidos políticos e o Congresso. Jânio sempre demonstrou desprezo pelos partidos e pelo Poder Legislativo. Ao longo de sua carreira trocou de legenda sucessivamente. Renunciando a todos os cargos do Legislativo e Executivo, no mesmo estilo de carta de renúncia que imprimiu sua marca pessoal. Jânio Quadros tinha o estigma da renúncia e foi um ato teatral. Oscar Pedroso Horta (Ministro da Justiça) traiu Jânio Quadros, quando não rasgou ou pelo menos não retardou a entrega do documento da renúncia. A renúncia de Jânio Quadros foi uma espécie de chantagem com o Congresso, com os militares e com as forças políticas com quem ele estava em choque.
(*)é professor universitário, jornalista e escritor