Com uma única exceção: o caso de Cuba, por demais grave, no entender de ambos, para ser objeto de conversações laterais.
Antes no Rio, já tinha o Sr. Stevenson, mantido entendimentos com o Chanceler Afonso Arinos, em sua mansão da Rua D. Mariana, em Botafogo, e com o Ministro da Fazenda, Clemente Mariani, em sua residência, na lagoa. Declarou Stevenson:
- "Discuti com o Chanceler Arinos os assuntos relacionados com a próxima Conferência de Montevidéu. O seu temário focalizará aspectos de vital importância entre os quais os da cooperação¬ econômica ativa, a que damos o nome de Aliança para o Progresso. Cinco itens se destacam como os mais relevantes: 1) planejamento para o desenvolvimento econômico e social; 2) integração econômica latino americana; 3) problemas do mercado de produtos de base; 4) Revisão anual dos entendimentos; 5) divulgação e relações públicas."
As conversações com Clemente Mariani foram mais rápi¬das: o Sr. Stevenson logo se retirou, depois de ter credencia¬do um dos membros de sua comitiva, o Sr. Lincoln Gordon, para aprofundar os entendimentos.
O Sr. Gordon era assessor de assuntos econômicos do Presidente Kennedy e seria o próximo chefe da missão diplomática dos Estados Unidos do Brasil, como sucessor do Embaixador John Moors Cabot, que ia servir noutro posto. Professor de Econômica numa das grandes universidades de seu país, o Sr. Gordon era u¬ma das principais figuras do atual "brain trust" da Casa Branca. Seu encontro com o titular da fazenda foi longo e reservado. Revelou o Sr. Stevenson:
- "A Aliança Para o Progresso tem objetivos do mais alto alcance. Um deste é criar possibilidades para que sob instituições livres, sejam transformadas as condições econômicas e sociais da América Latina de modo revolucionário. Esta é a verdadeira revolução da segunda metade do século XX: a que dará igual oportunidade a todos os povos e a todas as regiões, a fim de que usufruam plenamente os benefícios do desenvolvimento econômico e social. Mas teremos também que proteger a nossa liberdade contra os sutis ataques do comunismo que mascara sua penetração por trás de causas e objetivos com os quais estamos de acordo, para depois traírem os propósitos que fingem adotar. Nós, nas Américas, não gostamos de ditadura e tirania sobre a mente ou o corpo do homem. Governos policialescos, prisões sem forma de processo supressão da liberdade de palavra e de imprensa de reunião ou de culto a sociedade fechada em que só é verdade o que o Estado diz e toda a cruel disciplina do comunismo são os inimigos da liberdade e da dignidade individual assim como da independência nacional em que acreditamos. Se um homem perde a sua liberdade pouca diferença faz que ele seja próspero. Nossa meta deve ser liberdade com prosperidade - não a alternativa comunista de liberdade ou prosperidade."
Tendo recebido uma grande homenagem no Rio - o banquete oferecido pelo Itamarati - , no domingo o Sr. Stevenson seguia para São Paulo e, no Aeroporto de Cumbica, onde era esperado pelo governador Carvalho Pinto, foi diretamente para o Horto Florestal. O Presidente da República, já o aguardava. Pouco antes, Jânio Quadros passara longo tempo numa das alamedas solitárias e silenciosas, em profunda concentração. Havia ordem expressa para que ninguém se aproximasse. Estava, decerto, me¬ditando patrioticamente sobre os problemas nacionais e inspirando-se para a conversa, a portas fechadas, com o enviado de Ken¬nedy. Dessa reunião sigilosa, além de Jânio e Stevenson, partciparam apenas Lincoln Gordon, o Embaixador Ellis E. Briggs, Charles Cook, William Bradford e Francis Carpenter, assessores do embaixador especial. Ao fim de duas horas e meia de debate Jânio e Stevenson reapareceram sorridentes.
Declarou, então, o Presidente JQ:
- "O Sr. Stevenson, cujos pontos de vista estão invariavelmente volta¬dos para os problemas sociais das Américas e do mundo, apresentou ao governo brasileiro algumas das suas i¬déias e dos pontos de vista do Presidente Kennedy. Acredito firmemente em relações cada vez mais próximas e íntimas entre o Brasil e os Estados Unidos, a bem da justiça, da paz e do progresso. O Sr. Stevenson vai dei¬xar o Brasil cercado da estima, admiração e confiança, do nosso governo e da nossa gente."
O Sr. Stevenson também fez declarações sobre o encontro do Horto Florestal, dizendo que tivera satisfação em falar com o Presidente do Brasil e apresentar-lhe os cumprimentos de Ken¬nedy.
- "Sinto-me reconfortado pela concordância entre os nossos pontos de vista e a principal preocupação de Jâ-nio Quadros, de ver melhoradas as condições de vida neste país e nas Amé¬ricas. Acreditamos que, a longo pra¬zo, é esta a melhor defesa contra os extremismos, quer da esquerda quer da direita. Levo comigo, para os Esta¬dos Unidos, as mais gratas manifestações de solidariedade e a esperança de maior cooperação entre o meu país e o Brasil, os quais, como as duas maiores democracias deste hemisfério devem partilhar as responsabilidades e o cumprimento das obrigações voluntariamente assumidos."
Agradeceu o Sr. Stevenson, em declaração pública, a gentileza de Jânio Quadros, ao lhe dispensar "uma parte de seu valioso tempo". Frisou, ainda, a identidade de interesse entre o Brasil e os Estados Unidos, que sempre cooperaram, lealmente mantendo um sistema criado através de um século de esforços.
- "Confio em que lutaremos juntos por melhores condições de vida assim co¬mo pela liberdade e segurança nacio¬nais. As grandes responsabilidades são ao mesmo tempo as bênçãos e os ônus que recaem sobre as grandes na¬ções. O Brasil está destinado a exercer uma influência cada vez maior no mundo dos negócios como é justo que aconteça. Não apenas pelo tamanho gigantesco deste país mas em razão de sua vitalidade, energia e vigor espiritual. Visitar o presidente Quadros foi para mim um grande prazer e um grande privilégio. Deixo o Brasil cheio de admiração pela coragem e vigor de seus líderes na luta contra a pobreza, a fome, a doença e todos os outros problemas deste imenso país, assim como para estabilizar sua eco¬nomia e consolidar a estrutura demo¬crática do Brasil, base para uma genuína grandeza e independência. Tudo isso merece o nosso respeito. Nós, nos Estados Unidos quere¬mos estar ao vosso lado nessa luta ajudando cada um a ajudar a si mesmo. Em conclusão: quero outra vez exprimir a gratidão do Presidente Kennedy e do meu governo pelas calorosas boas vindas que eu e meus companheiros recebemos. Somos especialmente gratos ao Chanceler Arinos e ao Ministro e a seus colaboradores e, acima de tudo, ao presidente desta grande República, um novo e poderoso líder dos povos livres do mundo: Sr. Jânio Quadros. Meu único desgosto é o de dispor de tão pouco tempo para aqui renovar tantas e tão preciosas amizades. Mas eu e todos os meus companheiros esperamos em breve ao Brasil!"
O Sr. Stevenson não escondeu sua grande surpresa por ver Jânio Quadros tão bem informado e atualizado a respeito dos problemas continentais.
(*) é professor universitário, jornalista e escritor