O general Olímpio Falconiére da Cunha tentou depor Jânio no governo do Estado de São Paulo no dia 11 de novembro e outras vezes depois disso. Nessa ocasião, outra pessoa que queria a deposição de Jânio era o senador Auro de Moura Andrade, que chegou a telefonar duas vezes a Nereu Ramos pedindo a intervenção em São Paulo.
Falconiére foi contido por vários oficiais superiores, coronéis e generais. Entre eles, houve uma palavra decisiva, a do general Stênio Caio de Albuquerque Lima. Auro e outros políticos paulistas, especialmente os que seguiam Adhemar de Barros, foram contidos pelo próprio Nereu, que achou muito perigoso o passo que queriam dar. Nereu e o general Henrique Teixeira Lott procuraram dar ao seu golpe de Estado toda a aparência de ação em defesa da legalidade - de "revolução preventiva", como disse a revista americana Time. A deposição de Jânio caracterizaria ainda mais a ilegalidade do pronunciamento militar. Todos os governadores estaduais, especialmente o general Cordeiro de Farias, de Pernambuco, que controlava, realmente, forte guarnição do Exército, poriam suas barbas de molho. Poder-se-ia até formar uma frente de governadores contra o golpe de 11 de novembro. Além disso, depor Jânio era reacender o espírito revolucionário de São Paulo, que vinha sendo estimulado, há muito tempo, pelas forças de oposição ao sistema político de Getúlio Vargas, que é aquele em que formavam Lott, João Goulart e Juscelino Kubitschek e Nereu Ramos. Jânio tinha grande prestígio no seio da classe trabalhadora paulista. Sua administração não merecia críticas tudo isso foi pesado por Nereu e Lott, que ficaram satisfeitos quando souberam que o general Stênio e outros haviam segurado a mão de Falconiére. O senador Auro ficou muito decepcionado, como também os ademaristas. Mais tarde reaproximou-se de Jânio, seguindo-o por toda parte. Naquela época, todos os telefones estavam censurados no Rio e em São Paulo, ou seja, os telefones dos políticos mais importantes (Auro foi censurado por um deles). No Rio, foi Lott quem ordenou a censura telefônica. Em São Paulo, num ato de legítima defesa, em tempo de guerra foi Jânio. Jânio não se esqueceu, quando Auro andava ao seu lado, das gravações que ouviu das conversas do senador que pediu a intervenção. Falconiére foi um general que não teve compensação com o golpe de 11 de novembro. Juscelino lhe prometeu o posto de ministro da Guerra. Falconiére chegou, nas manobras da região, em Mato Grosso, a convidar oficiais para o seu gabinete de ministro. O brigadeiro Eduardo Gomes, amigo desde a juventude do general Falconiére, dizia que este não cometeu uma traição no dia 11 de novembro. Falconiére, segundo Eduardo Gomes, tomou uma atitude, como general, de oposição ao grupo de coronéis. Os brios de Falconiére sentiram-se ofendidos com a destituição de Lott. Quem conhecia o brigadeiro Eduardo Gomes sabia que ele era como a ave do poema de Jorge Lima, "antropomorfo como um anjo e solitário como qualquer poeta", não via um propósito manhoso nessa avaliação que ele fazia dos motivos que levaram Falconiére a enganá-los. O brigadeiro acreditava nisso. Não foram motivos puramente táticos, de político esperto, que o levaram a reaproximar-se de Falconiére que, quando tenente, recebia de D. Geni Gomes os mesmos cuidados que o filho Eduardo. Falconiére, porém, aproximou-se demasiadamente dos elementos ademaristas ou, pelo menos, antijanistas, de São Paulo. Perdeu as esperanças de chegar a ministro da guerra, a não ser que o governo de Kubitschek, miraculosamente, se tornasse forte a ponto de afastar Lott e impedir que as forças do 24 de agosto tentassem chegar ao poder, desmanchando, assim, as duas concentrações militares que o alarmassem. Nesse sentido, teria trabalhado, mantendo os seus contatos com o general Nelson de Melo. Se Lott fosse derrubado por Kubitschek, ele seria o substituto indicado. Por isso, reaproximou-se de Eduardo Gomes, visando, em logo prazo, obter um apoio semelhante ao que gozava o brigadeiro Henrique Fleiuss, ministro da Aeronáutica e um dos sustentáculos de Kubitschek. Falconiére, no entanto, achava que Lott levaria a melhor. Estava jogando com - Paulista/PE de dois (ou três) bicos. Um dos seus objetivos era ficar bem com Lott. Tanto que não fugiu nem mugiu quando soube que este continuaria ministro da Guerra, com a posse de Kubitschek. Dizia a vários amigos que estava desgostoso, mas não passou disso. Quando Nelson de Melo fez a manobra para retirar Lott do Ministério, andou pelo Rio, falou um pouco grosso, mas recuou assim que viu que o Grupo de Novembro continuava forte. Em fins de abril e princípios de maio, houve muita inquietação no país. A esquadra, pela segunda vez naquele ano, havia deixado o Rio, indo até o Rio Grande do Sul. Dizia-se que ela se sublevaria no Sul do país. Talvez fosse o próprio general Lott quem mandasse espalhar essa versão porque, nessa ocasião, o ministro da Guerra entrou numa fase intensa de articulação para um novo golpe. Fez consultas aos generais que o haviam apoiado no dia 11 e os seus homens de confiança tiveram várias conferências com políticos e militares ligados ao Grupo de Novembro. Em São Paulo, houve também agitação de bastidores. Foi nessa ocasião que Falconiére fez sentir aos elementos que se opunham a Jânio que não haveria resistência militar no caso de ser tentada a deposição do governo paulista. Falconiére estava disposto a obter a sua compensação - a interventoria em São Paulo. Mas nem a esquerda se sublevou nem Lott deu o golpe. O ministro da Guerra, sentindo que haveria uma oposição armada séria ao seu novo pronunciamento militar, esperou e ganhou com isso. Em junho, a luta dos estudantes contra o aumento das passagens de bondes lhe permitiu intervir, passando por cima de Kubitschek, e ele reforçou a sua posição no seio do governo. No mês de agosto, à medida que Kubitschek enfraquecia, a crise financeira chegara ao auge e Lott se preparava para intervir. Preparou o Jornal do Exército, distribuiu boletins acusando o general Juarez Távora e o brigadeiro Eduardo Gomes de tramar o seu assassinato, deu mão forte à chamada Frente de Novembro, movimento golpista formado por "pelegos" sindicais, comunistas e militares, reforçou a sua aliança com o Sr. João Goulart e, finalmente, mandou oferecer a Adhemar de Barros o governo de São Paulo, em troca de seu apoio. Falconiére viu enfraquecer as suas esperanças de conseguir o governo de São Paulo ou o ministério da Guerra. Ficou à espera de melhorias para o seu lado. Não foi fácil deixar de tomar partido e ter amigos em três campos diferentes. Falconiére precisava se definir.
(*) é professor universitário,jornalista e escritor