Professores da UFRJ cometem duplo erro ao defenderem cotas como políticas de ações afirmativas!

Estão duplamente equivocados 43 professores da Universidade Federal do Rio de Rio Janeiro (UFRJ) ao subscreverem recentemente o texto "Carta Aberta sobre Cotas na UFRJ". Primeiro tais professores confundem políticas de cotas (espécie) com políticas de ações afirmativas (gênero). 2º o equívoco é agravado porque tanto as cotas quanto as ações afirmativas podem ser públicas ou privadas. No entanto, não chega a ser ‘surpresa' que professores, isto é, trabalhadores de instituições públicas e burguesas do ensino estejam (embora eles não assumam isso) defendendo políticas que objetivam reafirmar o capitalismo como "historicamente inexorável". Afinal, racismo e capitalismo são os dois lados de uma mesma moeda, conforme ensinou Stephen-Steve Bantu Biko (1946-1977).
Felizmente não são 100% dos professores e professoras das instituições públicas do ensino universitário que defende o capitalismo como "inexorável", pois, existem ‘agulhas no palheiro'. Por exemplo, dentre os subscritores do mencionado texto há um professor do Instituto de Economia da UFRJ o qual, assim como eu é negro. Ele que não assumia a luta antirracista agora revela ter abandonado o marxismo, porque como tal militamos na ala interna petista Movimento por uma Tendência Proletária (MTP). Isso explica porque ele assinou tal carta aberta, tendo passado a defender, ainda que sem uma correta fundamentação, a doutrina capitalista do jurisfilósofo estadunidense John Ralws intitulada políticas de ações afirmativas. Que passou a ser o ‘guarda chuva' das políticas de cotas (‘raciais' e sociais).
Nessa carta aberta os 43 professores da UFRJ afirmam "Se pretendemos avançar rumo a uma democracia real (sic), capaz de assegurar espaços de oportunidades iguais para todos, o acesso à universidade pública deve ser repensado". Concordo com eles. "Isto significa que é preciso levar em conta os diferentes perfis dos estudantes brasileiros, em vez de seguir camuflando a realidade com discursos sobre ‘mérito' (como se a própria noção não fosse problemática e como se fosse possível comparar méritos de pessoas de condição social e trajetórias totalmente díspares) ou sobre ‘miscigenação' (como se não houvesse uma história de exclusão dos ‘menos mestiços' bem atrás de todos nós)". Até aqui estou concordando com os 43 professores da UFRJ. A seguir a conclusão da carta aberta deles.
"Cotas sociais - e, fundamentalmente, aquelas que reconhecem a dívida histórica do Brasil em relação aos negros - abrem caminhos para que os pobres dêem prosseguimento aos seus estudos, prejudicado por um ensino básico predominantemente deficiente. Só assim os dirigentes e professores das universidades brasileiras poderão continuar fazendo seu trabalho de cabeça erguida. Só assim a comunidade universitária poderá avançar, junto com o país (...) em direção a um reconhecimento necessário dos crimes da escravidão (...) que, justamente por ainda não terem sido reconhecidos como tal, se perpetuam no ‘apartheid social (sic)' em que vivemos"; concluíram. A seguir o debate sobre "dívida histórica do Brasil com os negros, crimes da escravidão e ‘apartheid' social".
Assim como a quase totalidade dos movimentos negros (brasileiros ou não) tais professores da UFRJ não assumem que defendem como ‘historicamente inexorável' a sociedade de classes sociais, a estruturada na propriedade privada dos meios de produção, enfim a sociedade capitalista. Que vem a ser a ‘fábrica da mais perversa das opressões' que é a exploração de uma classe social (burguesia, classe dominante, ricos, elite, etc) sobre outra que, por sua vez também tem diversas denominações (proletariado, classe trabalhadora, povo trabalhador, etc). Nesta ignóbil opressão, conforme ensinou o maior herói negro mundial o Mártir Internacional da Consciência Negra, Stephen-Steve Bantu Biko, está incluso indissociavelmente o racismo sobre o segmento negro da população trabalhadora, notadamente a excluída.
Daí porque tais professores ‘coerentes' com a instituição pública e burguesa a que pertencem estejam com esse discurso de "dívida histórica do Brasil com os negros, crimes da escravidão e ‘apartheid' social". Sobre ‘dívida histórica do Brasil com os negros' no que se refere à Educação defendo que as Leis 10.639/2003 (História, culturas e lutas dos negros em África e países da diáspora como o Brasil) e 10.645/2008 (Idem em relação aos indígenas nos países das Américas como o nosso) sejam otimizadas. Isto é, que os cursos de capacitação dos professores dos ensinos fundamental e médio sejam ministrados por professores graduados pertencentes a todas as correntes do pensamento didático-pedagógico. Haja vista, as mais democráticas, abrangentes e eficazes políticas públicas são as universalistas as quais devem ser o objetivo estratégico e permanente de Escolas, Universidades, Bibliotecas e Creches públicas, gratuitas e de excelência na qualidade para todos e todas.
Já sobre ‘crimes da escravidão e apartheid social' propugno as reformas urbana e agrária, sendo esta através do imediato assentamento de 350 mil famílias de sem-terras acrescidas das titulações às remanescentes em quilombos. Por fim, pôr em prática de forma otimizada a aplicação da Lei 7.716/1989 (Lei Caó) através estruturação de um setor especializado nas delegacias das polícias Civil e Federal em cujos plantões diários haja no mínimo advogado, antropólogo e sociólogo. E internacionalmente, a libertação do jornalista o negro estadunidense e antirracista Mumia Abul Jamal, outra ajuda humanitária ao Haiti que não a ocupação militar do país pelas tropas da ONU comandadas pela brasileira e um tribunal autônomo para os julgamentos dos genocídios que ocorrem em países de diferentes regiões em África.


*jornalista - é militante do Movimento Negro Socialista (MNS) onde integra a coordenação nacional e da seção brasileira da Corrente Marxista Internacional (CMI) a Esquerda Marxista (EM) corrente intra-PT no qual é membro do DM-Macaé.


Carta aberta sobre as cotas na UFRJ

Ao contrário do que pretendem afirmar alguns setores da imprensa, o debate em torno de políticas afirmativas e de sua implementação no ensino universitário brasileiro não pertence à UFRJ, à USP ou a qualquer setor, "racialista" ou não, da sociedade. Soma-se quase uma década de reflexões, envolvendo intelectuais, dirigentes de instituições de ensino, movimentos sociais e movimento estudantil, parlamentares e juristas.
Atualmente, cerca de 130 universidades públicas brasileiras já adotaram políticas afirmativas - entre as quais, a das cotas raciais - como critério de acesso à formação universitária. Entre estas instituições figuram a UFMG, a UFRGS, a Unicamp, a UnB e a USP, que estão entre as mais importantes universidades brasileiras.
Em editorial da última terça-feira, 17 de agosto, intitulado "UFRJ rejeita insensatas cotas raciais", o jornal O Globo assume, de forma facciosa, uma posição contrária a essas políticas afirmativas. O texto desmerece as ações encaminhadas por mais de cem universidades públicas e tenta sugestionar o debate em curso na UFRJ. Distorcendo os fatos, o editorial fala em "inconstitucionalidade" da aplicação do sistema de cotas, quando, na verdade, o que está em pauta no Supremo Tribunal Federal não é a constitucionalidade das cotas, mas os critérios utilizados na UnB para a aplicação de suas políticas afirmativas.
Na última década, enquanto a discussão crescia em todo o país, a UFRJ deu poucos passos, ou quase nenhum, para fazer avançar o debate sobre as políticas públicas. O acesso dos estudantes à UFRJ continua limitado ao vestibular, com uma mera pré-seleção por meio do ENEM, o que significa um processo ainda excludente de seleção para a entrada na universidade pública. Apesar disso, do mês de março para cá, o debate sobre as cotas foi relançado na UFRJ e, hoje, várias decisões podem ser tomadas com melhor conhecimento do problema e das posições dos diferentes setores da sociedade em relação ao assunto.
Se pretendemos avançar rumo a uma democracia real, capaz de assegurar espaços de oportunidades iguais para todos, o acesso à universidade pública deve ser repensado. Isto significa que é preciso levar em conta os diferentes perfis dos estudantes brasileiros, em vez de seguir camuflando a realidade com discursos sobre "mérito" (como se a própria noção não fosse problemática e como se fosse possível comparar méritos de pessoas de condição social e trajetórias totalmente díspares) ou sobre "miscigenação" (como se não houvesse uma história de exclusão dos "menos mestiços" bem atrás de todos nós).
Cotas sociais - e, fundamentalmente, aquelas que reconhecem a dívida histórica do Brasil em relação aos negros - abrem caminhos para que pobres dêem prosseguimento aos seus estudos, prejudicado por um ensino básico predominantemente deficiente. Só assim os dirigentes e professores das universidades brasileiras poderão continuar fazendo seu trabalho de cabeça erguida. Só assim a comunidade universitária poderá avançar, junto com o país e na contra-mão da imprensa retrógrada, representada por O Globo, em direção a um reconhecimento necessário dos crimes da escravidão, crimes que, justamente, por ainda não terem sido reconhecidos como crimes que são, se perpetuam no apartheid social em que vivemos.

Rio de Janeiro, 19 de agosto de 2010

Assinam os professores da UFRJ:

Alexandre Brasil - NUTES
Amaury Fernandes - Escola de Comunicação
André Martins Vilar de Carvalho - Filosofia/IFCS e Faculdade de Medicina
Anita Leandro - Escola de Comunicação
Antonio Carlos de Souza Lima - Museu Nacional
Beatriz Heredia - IFCS
Clovis Montenegro de Lima - FACC/UFRJ-IBICT
Eduardo Viveiros de Castro - Museu Nacional
Denilson Lopes - Escola de Comunicação
Elina Pessanha - IFCS
Fernando Alvares Salis - Escola de Comunicação
Fernando Rabossi - IFCS
Fernando Santoro - IFCS
Flávio Gomes - IFCS
Giuseppe Mario Cocco - Professor Titular, Escola de Serviço Social
Heloisa Buarque de Hollanda - Professora Titular, Escola de Comunicação/FCC
Henrique Antoun - Escola de Comunicação
Ivana Bentes - Diretora, Escola de Comunicação
Katia Augusta Maciel - Escola de Comunicação
Leilah Landim - Professora - Escola de Serviço Social
Leonarda Musumeci - Instituto de Economia
Lilia Irmeli Arany Prado - Observatório de Valongo
Liv Sovik - Escola de Comunicação
Liz-Rejane Issberner - FACC/UFRJ-IBICT
Marcelo Paixão - Instituto de Economia
Marcio Goldman - Museu Nacional
Marildo Menegat - Escola de Serviço Social
Marlise Vinagre - Escola de Serviço Social
Nelson Maculan - Professor titular da COPPE e ex-reitor da UFRJ
Olívia Cunha - Museu Nacional
Otávio Velho - Professor Emérito, Museu Nacional
Paula Cerqueira - Professora Instituto de Psiquiatria
Paulo G. Domenech Oneto - Escola de Comunicação
Renzo Taddei - Escola de Comunicação
Roberto Cabral de Melo Machado - IFCS
Samuel Araujo - Escola de Música
Sarita Albagli - Professora PPG-FACC-UFRJ/IBICT
Silvia Lorenz Martins - Observatorio do Valongo
Suzy dos Santos - Escola de Comunicação
Tatiana Roque - Instituto de Matemática
Virgínia Kastrup - Instituto de Psicologia
Silviano Santiago, Professor emérito, UFF.

 

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