O fato que motiva a exacerbação da extrema direita contra o comunicador, escritor e blogueiro Celso Lungaretti, deflagrada pela tentativa de censura lançada por um representante da grande mídia e de seus aliados no meio jurídico, é de extrema gravidade.
O contexto deste caso pode ser visto aqui.
Em muitos assuntos humanitários, às vezes as pessoas se furtam de agir, mesmo que possuam boa vontade, fazendo um balanço entre os danos e os benefícios. Todos conhecemos os versos do célebre poema de Brecht, mas neste caso ele são ainda mais aplicáveis que em outras situações.
Com efeito, talvez seja verdade que não seremos perseguidos por nossa raça, religião ou nacionalidade. Talvez possamos pensar que não estamos entre as que hoje são comunidades castigadas. Mas, todos nós opinamos, todos nós escrevemos. Se for castigada a opinião, sem dúvida estaremos entre as vítimas.
Na rede há dúzias de milhões de blogs, e talvez haja vários milhares de blogus brasileiros. Há blogs de todos os níveis e perfis, mas a maioria deles são blogs progressistas, que transmitem mensagens pela democracia, contra o autoritarismo, contra o fascismo. Isso se entende facilmente: como dizia o grande marxista Hilferding, “as elites podem comprar tudo, menos a inteligência e a sensibilidade; e raramente conseguem comprar os que as possuem, pois eles não se vendem”.
Então, todos nós somos alvos vulneráveis, todos nós somos Celsos Lungarettis, mesmo se divergirmos de sua ideologia, de seus procedimentos, de suas opções políticas específicas. Todos os que estamos contra a barbárie classista e racista, contra o genocídio social, contra a empáfia grosseira dos “coronéis” da mídia, contra a permanente faxina demográfica que se pratica no Brasil (seja com armas da polícia, com armas dos jagunços, com armas jurídicas, ou com armas verbais dos ideólogos), corremos perigo.
Está ainda sobre a mesa uma proposta de uma obscura figura do senado, que propõe uma censura na Internet tão completa que estimulará islâmicos e chineses a pedir bolsas brasileiras para se especializar em repressão (e talvez obter mestrado e doutorado). É o mesmo que foi indiciado, porém não julgado (e, sem dúvida, não punido) por corrupção, o mesmo que propôs a supressão do direito de asilo, o substituindo por uma proteção fajuta que seria decidida pelo senado (uma iniciativa tão descabida que nem os maiores capangas da oposição a levaram em conta).
Mas, já houve amostras mais concretas do perigo que corremos:
- Há alguns anos, um juiz decidiu punir ao prestigioso escritor Ricardo Morais, porque em seu livro A Toca dos Leões, denunciava um senhor feudal do Centro Oeste brasileiro que propunha a esterilização das mulheres nordestinas. Em vez de investigar a denuncia, a “justiça” puniu o denunciante.
- Em 2006, o professor Emir Sader denunciou como racista um senador que tinha manifestado sonoramente sua abominação “por aquela raça do PT”, sugerindo também que o país deveria “livrar-se dela”. Um juiz, que foi criticado até por outros magistrados, produziu uma sentença truculenta: um ano de prisão e demissão definitiva de seu posto de professor, porque “corrompia” a juventude.
Os que somos originários de culturas e países onde prima a barbárie, temos grave dificuldade para reconhecer a dor de sermos dominados por um sistema jurídico iníquo, venal, subserviente, e alheio a qualquer forma de racionalidade e humanidade.
Mas, temos de reconhecer que, se continuamos nos submetendo ao arbítrio dos que se atribuem o monopólio de justiça, da fé e das ideologias, seremos um povo perdido, e não poderemos ajudar aos que mais nos precisam.
Temos alguns motivos recentes para sentir alguma esperança. Embora continuem controlando a mídia, a economia, as armas e o dinheiro, os setores mais bárbaros do país estão sofrendo a crescente repulsa da expressão popular.
Propostas de ação
Proponho a defensores da imprensa e da internet livre, ativistas dos Direitos Humanos, membros de ONGs humanitárias internacionais, políticos e magistrados progressistas, DENUNCIAR aos organismos internacionais, e às numerosas organizações não governamentais que defendem o direito de opinião e pensamento, a seguinte situação:
- o contexto pormenorizado dos fatos.
- a existência de legislação brasileira e internacional contra o preconceito, e o desprezo pelas aplicações destas leis em nosso país.
- as medidas que uma grande parte do Judiciário está adotando para estrangular a liberdade de expressão no Brasil.
- pedir a organismos internacionais a aplicação de formas possíveis de boicote, contra magistrados que estão ao serviço da censura. [Por exemplo, excluí-los de organizações internacionais de magistrados, boicotar suas publicações, se as tiverem, separá-los de associações às que pertençam, denunciar a seus comunidades para eventuais boicotes no caso de visita, etc.]
Estas medidas têm sido aplicadas com relativo sucesso nos meios científicos e podem funcionar em muitos outros.
Por último, fazer conhecer este caso de retaliação judicial contra o direito de denúncia, junto com os outros que se conhecem, à COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, e aos organismos das NAÇÕES UNIDAS EM DEFESA DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
Deve-se lembrar que a Lei 7716 proíbe a discriminação por raça, cor, etnia, religião e nacionalidade. Além disso, o artigo 20, §2, aumenta a pena quando se trata de discriminação o preconceito difundido pela mídia, como foram, as manifestações do elemento em apreço contra os varredores municipais. Finalmente, é necessário ter em conta que a maior parte da legislação internacional considera discriminação ou preconceito por nível econômico, extração social e tipo de atividade como equivalente a racismo.
Tendo em conta que a legislação sobre Direitos Humanos do Direito Humanitário Internacional é equivalente a preceitos Constitucionais, o escárnio público de pessoas em função de ter um trabalho humilde ou não qualificado, equivale a preconceito racial, nacional, religioso, ou étnico.
Portanto, devemos exigir a imediata suspeição do juiz do caso Lungaretti, e a aplicação da Lei 7716 contra o apresentador.
Por sinal, isto nos faz refletir como somos totalmente inconscientes de nossos direitos. Aquele acúmulo de obscenidades contra os varredores municipais produziu uma enorme onda de indignação, mas nenhum de nós tomou uma medida concreta, como a de denunciar seu autor por discriminação e preconceito contra condição social.
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Estou convocando aos amigos a unir forças e ofereço a ajuda de meus colegas de organização. Sugiro que esta manifestação (que pode ser livremente copiada, e melhorada pelos leitores), seja retransmitida dentro das redes sociais a todos os contatos. Por minha vez, me comprometo a enviar cópias da mesma em inglês e espanhol a organismos internacionais. Agradecerei a quem puder traduzir em outras línguas.
* Carlos Lungarzo é membro da Anistia Internacional