O fato é que Biko tendo nascido em um país de ampla maioria de povo trabalhador negro, mas explorado e oprimido, desde criança revelou o chamado espírito rebelde, com causa. Tanto que, ainda menino foi expulso da escola, sendo enviado como interno a um colégio católico na província (cidade) de Natal onde estudou até concluir o ensino médio. Em seguida, devido à Apartheid, Biko matriculou-se na seção para estudantes negros da Faculdade de Medicina da Universidade de Natal, engajando-se logo em atividades políticas.
O 1º engajamento de Biko foi filiando-se à União Nacional dos Estudantes Sul-africanos cuja sigla em inglês é NUSAS. Nela ele ficou pouco tempo, por considerá-lo um movimento dominado por estudantes mukalas (brancos), apesar de liberais. Então em 1969 Biko liderou a fundação da South African Students Organization (SASO) a organização dos estudantes sul-africanos, que passou a prestar serviços médicos e de justiça gratuitos às comunidades negras, impulsionando a criação de pequenas empresas. Na revista da SASO, sob pseudônimo Frank Talk (conversa franca) Biko dirigiu a coluna jornalística “Escrevo o que eu quero”. Em 1972, junto com outras lideranças e movimentos Biko participou da fundação da Convenção de Povos Negros, reunindo mais de 70 associações.
Uma delas foi o massivo movimento estudantil que esteve no foco dos episódios mais sangrentos ocorridos durante a segregacionista e racista Lei Apartheid, isto é, os protestos protagonizados por crianças e adolescentes negros, exigindo o ensino em suas línguas nativas e, não no idioma oficial da Apartheid, o africâner. Tais levantes ficaram mundialmente conhecidos, principalmente os que ocorreram em Soweto. Segundo dados extra-oficiais, mais de 300 menores foram mortos, dentre os quais Hector Pieterson, de 13 anos, cuja foto todo ensangüentado nos braços de um de seus irmãos, deu a volta ao mundo, tornando-se símbolo da luta contra a Apartheid. Esse ascenso da massa negra do povo trabalhador sul-africano contestou o segregacionismo e o racismo da Apartheid.
Em 1973, o explorador e também opressivo regime imposto pela Apartheid intensificou a repressão aos opositores, tendo o governo passado a submetê-los ao ‘banimento’, que foi a estratégia de tentar calar-lhes. Naquele ano, Stephen-Steve Bantu Biko foi proibido de sair de King William´s Town, assim como foi proibido também de falar e ou redigir textos sobre idéias políticas. Para se ter uma noção da dureza do ‘banimento’, Biko não podia se encontrar com mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Porém, intrepidamente Biko desafiou a proibição mais de uma vez, participando de reuniões políticas, inclusive proferindo pronunciamentos. Por isto, Biko foi preso e interrogado em numerosas ocasiões; a última delas em agosto de 1977. Naquele ano o regime segregacionista e racista endureceu de vez.
Impiedosa e obscurantista, a Apartheid assassinou Biko em não-esclarecido interrogatório-tortura!
Ainda durante o mês de agosto de 1977, já casado e pai de dois meninos, Biko quando voltava de um comício foi preso pela repressão policial na cidade de Port Elizabeth. Dali em diante o obscurantismo tomou conta de vez, abatendo-se impiedosamente sobre quem viria tornar-se o Maior Herói Negro Mundial, o Mártir Internacional da Consciência Negra: Stephen-Steve Bantu Biko! Atenção ao que foi dito 20 anos mais tarde, ou seja, em 1997 a uma suposta Comissão da Verdade (sic) e Reconciliação, que foi o seguinte “Biko sofreu uma lesão na cabeça durante um interrogatório (tortura). Depois disto ele passou a agir de forma estranha, não cooperando mais. Os médicos que o examinaram (acorrentado, nu e deitado em uma esteira) ignoraram os claros sinais de danos neurológicos”.
O martírio sofrido por Biko prosseguiu, tendo no dia 11 de setembro de 1977 entrado em estado de semiconsciência, haja vista que desta vez o médico da polícia acabou recomendando que Biko fosse encaminhado a um hospital. Quase que inacreditavelmente a recomendação médica não foi atendida. Ao contrário, a polícia na prática o transladou 1.200 quilômetros em uma viagem de 12 horas até a capital sul-africana Pretória. Totalmente despido e deitado na parte traseira de um jipe-caminhonete da marca Land Rover. Muitas horas depois ao chegar à Pretória já no dia 12 de setembro, ainda nu e solitário em uma cela, Biko veio falecer, por evidente dano cerebral. Seu assassinato foi condenado internacionalmente, elevando-o a ser o Maior Herói Negro Mundial, o Mártir da Consciência Negra.
Novamente quase que inacreditavelmente o governo sul-africano respondeu repressivamente a várias organizações, inclusive sobre indivíduos como o jornalista e amigo de Biko, Donald Woods, que se tornou o idealizador do filme inspirado na vida de Biko “Cry Freedom” (Grito de Liberdade) do diretor britânico Richard Attemborough. É importante salientar que o intrépido jornalista Woods arriscou a vida ante a Apartheid, mesmo tendo se disfarçado de sacerdote. Porém, felizmente o jornalista conseguiu fugir para Londres de onde passou a se dedicar a chamar a atenção mundial sobre o Caso Biko e a combater aquela Lei segregacionista e racista que sustentava o explorador e opressivo regime sul-africano. O que veio a servir de exemplo e inspiração para organizações anti-racistas como o brasileiro MNS.
Pressionado, o governo sul-africano inicialmente alegou que Biko tinha morrido em decorrência de uma greve de fome por ele praticada, porém, um corajoso juiz sentenciou que a morte de Biko, na verdade tinha sido causada pelos severos danos cerebrais sofridos em um confronto com a polícia. Conforme anteriormente foi dito, somente em 1997 quando o anistiado e conciliador Nelson Mandela tinha assumido a presidência sul-africana é que vários policiais decidiram abrir a boca, requerendo anistia à propalada Comissão da Verdade e Reconciliação. Tal comissão por sua vez, ainda que a contragosto acabou, reconhecendo que a morte (assassinato) sob detenção de Biko se constituiu “Em uma flagrante violação dos direitos humanos”, negando anistia aos policiais envolvidos.
Registre-se que a partir de 1987 passaram ser mundialmente conhecidas duas gravações em disco da música “Biko”. Uma do cantor britânico Peter Gabriel, e a outra da cantora estadunidense Joan Baez. Da mesma forma, é também importante registrar que além da célebre frase “Racismo e capitalismo são os dois lados de uma mesma moeda” que é o slogan do MNS, destaque-se a lucidez revelada nesta lapidar afirmação do Maior Herói Negro Mundial o Mártir Internacional da Consciência Negra, Stephen-Steve Bantu Biko “Se somos livres no coração, não haverá correntes feitas pelo homem com força suficiente para sujeitar-nos. Mas, se a mente do oprimido é manipulada (...) até o ponto dele se considerar inferior, não será capaz de fazer nada para enfrentar o seu opressor”.
*jornalista – é militante do MNS onde integra sua coordenação nacional, tendo sido um dos fundadores do carioca Instituto de Pesquisas das Culturas (IPCN), do nacional Movimento Negro Unificado (MNU) e do Movimento Macaense das Culturas Negras (MOMACUNE).