Você sobreviveria?

Bang! A última coisa que você se lembra, ao abrir os olhos, caído em uma calçada, é de um forte barulho e de suas pernas fraquejarem, levando-o ao chão. Pelo relógio em seu pulso, você ficou algumas horas desacordado, caído no chão. Agora, ao se levantar, sente um silêncio opressivo. Nenhum barulho, nada! E nenhum movimento.

Olha ao seu redor e vê pessoas caídas, muitas pessoas e em todo lugar, nas ruas e avenidas há carros, caminhões e ônibus batidos uns nos outros, todos parados, num verdadeiro caos. Verifica as pessoas e constata que todas estão mortas, sem nenhuma pulsação. Olha nos veículos, alguns com os motores ainda ligados. Também neles, nenhum sinal de vida. Belisca você mesmo e - ai! - constata que não está sonhando, mas "vivinho da silva", com seus 30 anos de idade.

Todo ser vivo está morto, pessoas, cachorros, pássaros. Um desespero mental o aflige: só você vivo? E grita desesperado: - Socorro! Tem alguém vivo aí? O silêncio continua, ninguém responde. Você perambula pela avenida onde estava, por praças, hall de entrada de prédios comerciais e repartições públicas. Em todo lugar, pessoas caídas, mortas por algo misterioso, um vírus talvez, mas que por algum motivo não o matou, só o fez perder os sentidos por um tempo.

Você não procura encontrar mentalmente explicações científicas dessa estranha situação. Volta correndo para casa e encontra pai, mãe, irmãos e esposa caídos, todos mortos. Desliga o fogo no fogão onde sua mãe cozinhava alguma coisa antes de cair morta. Você chora seus mortos e, de repente, volta aquela sensação de solidão, você sozinho no mundo. Liga a TV e nada, nenhum canal funcionando, liga o rádio e só ouve estática, mas nenhuma rádio transmitindo. Aí você lembra do rádio amador que utiliza em suas horas de folga para se comunicar com pessoas pelo mundo, corre para o quartinho, liga o transmissor-receptor e faz uma chamada geral para ver se encontra alguém. Repete a chamada geral em várias freqüências e desolado constata de novo: nada, nenhum ser vivo responde, em nenhum lugar do planeta.

Horas se passam enquanto a pergunta martela em sua cabeça: E agora? Com o colapso geral das cidades, provavelmente das nações também, com nada funcionando porque não há pessoas vivas, nenhum serviço público como polícia, bombeiros, hospitais, nada, a luz elétrica logo parará de funcionar e com isso o abastecimento de água cessará. Sem as facilidades da vida moderna, sem poder usar a geladeira e o micro-ondas, sem água encanada e chuveiro elétrico, sem comunicações como a TV, telefone, internet, celular, sem combustivel para manter o carro funcionando, sem supermercados onde se abastecer periodicamente, enfim, sem nada onde se apoiar, como sobreviver? Constata, desolado, a inutilidade do trivial, do culto das inovações tecnológicas tão vivamente valorizadas por multidões que buscavam cada vez mais, ávidas, as novidades, como se fossem o único horizonte que existia para elas... E lembra até que deram um nome para um medo da era moderna, o Nomofobia, o medo de ficar sem celular...

E você constata que apesar dos vários diplomas universitários que possui, inclusive mestrado e doutorado, nenhum preparo você tem para a sobrevivência num planeta sem as facilidades que a vida moderna dava. Lembra-se apenas de alguns aprendizados quando jovem, de seu tempo como escoteiro. Depois de alguns dias, agora sua maior preocupação é: como sobreviver? Você enterrou no quintal seus parentes, mas a cidade cheira a morte, um cheiro suportável apenas quando você amarra um pano úmido tampando o nariz.

E assim, com o rosto coberto, você perambula pela cidade deserta de vida, entra em um supermercado e abastece seu carro com enlatados e comida. Em um posto você enche o tanque do seu carro e ao terminar enfia a mãe no bolso para pegar dinheiro e lembra que não há ninguém para receber, e fica olhando para aquelas notas agora sem nenhum significado prático na situação em que está vivendo, num planeta sem outros habitantes vivos. E resolve ir até a cidade vizinha para ver o que aconteceu por lá, se encontra algum ser vivo. A estrada está cheia de veículos parados, batidos uns nos outros e alguns tombados, quase obstruindo a passagem. Mas você, em verdadeiros zigue-zagues pela estrada, consegue chegar à cidade vizinha e constata que lá também a situação geral é de caos e mortandade geral.

Você retorna, com tristeza no coração, e devido ao forte cheiro de morte, decide sair da cidade. Com o que ainda tem de combustível no tanque de seu carro, abastece o porta malas com alimentos, uma mala com roupas e algumas ferramentas úteis e sai por uma estrada rural. Dirige por um tempo e chega a um sítio onde vê que todos morreram. Depois de uma limpeza geral e ter enterrado os seres mortos, pessoas e animais, decide ficar nesse sítio pois encontrou muita plantação útil como alimento e lenha para cozinhar, além de água potável de um riacho próximo. E os anos se passam, você ali sozinho, sobrevivendo como um eremita, vivendo a vida simples do campo. E certo dia aparecem no sítio 10 pessoas, 4 mulheres, 2 homens e 4 crianças que andavam como nômades pelas cidades, atrás de comida e viram a fumaça de uma queimada de mato que você tinha feito, resolvendo vir verificar. Sua alegria é indescritível por encontrar outros seres vivos. Em todas as cidades por onde eles passaram não encontraram nenhum ser vivo e ficaram surpresas de encontrar você. Ficam horas conversando sobre o que aconteceu ao mundo, hipóteses as mais variadas e como vocês sobreviveram ao que causou a morte do resto da população. Mas também eles não sabem o que aconteceu e do milagre de estarem vivos enquanto milhões pereceram.

E ali, naquele sítio no sertão perto de uma montanha, uma nova civilização estará começando, com muita esperança de se viver, iniciando com esses sobreviventes do que foi outra civilização, agora extinta.

E você, caro leitor, se fosse um dos sobreviventes, como seria a sua vida sem nenhum apoio das inúmeras conquistas que a atual civilização desenvolveu e que todas as pessoas acostumaram a utilizar em seu dia-a-dia? Muitas pessoas não conseguem se imaginar vivendo sem o uso dessas facilidades que a vida moderna lhes proporciona, em especial das novidades tecnológicas desenvolvidas nos últimos 30 anos. Faça um esforço mental de se imaginar na situação dessa historinha inventada. Como seria viver como nos primórdios da civilização humana, com um viver primitivo, com uma simplicidade de vida? Você sobreviveria?

*Antonio de Andrade - Escritor  e Jornalista, com formação em Psicologia.
Simplicidade voluntária é um assunto que poderá ler, pelos links:
.Entrevista com Antonio de Andrade sobre o tema "Felicidade pela simplicidade voluntária": www.editora-opcao.com.br/ada06.htm
.No livro "Para um novo amanhecer", de Antonio de Andrade, livro encontrado pelo link www.editora-opcao.com.br/amanh.htm


(Envolverde/O autor)

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