REGULAGEM PERFEITA Vs. EQUILÍBRIO APARENTE

Não é de hoje que os cristãos reproduzem em seus artigos e boletins, assuntos relacionados à ciência, em particular ao cosmo e sua criação.
Primeiro erro: tratam o universo e a natureza da Terra como um conjunto perfeito e em eterno equilíbrio. E sustentam isso com unhas e dentes nos seus artigos, usando uma linguagem científica e tecnicista, para persuadir aqueles fiéis com pouco estudo. Mas mal sabem eles do engano que estão cometendo em pregar tal idéia. Não poderíamos esperar outra coisa desses adeptos da ignorância humana.
Na verdade, meus humildes metafísicos, este equilíbrio do universo, o qual vocês tratam como uma “regulagem perfeita”, é um equilíbrio aparente. Imaginem homens puxando uma corda. Chega um momento que aparententemente se atinge um equilíbrio de forças, mas estas mesmas forças continuam existindo, e um pequeno deslize é suficiente para desbaratar todo o equilíbrio.
A metafísica que vocês seguem já foi desmascarada desde o séc. XIX por grandes cientistas, sejam eles naturais ou sociais. Em lugar dela, surgiu como uma luz a dialética, que desiludiu o homem de suas incompreensões da vida. Uma luz mais intensa surgiu depois com o materialismo dialético, que quebrou de vez toda a metafísica e todo o idealismo do homem.
Por isso vocês não entendem que o equilíbrio está dentro do desequilíbrio, que a “regulagem perfeita” reside dentro da “regulagem imperfeita”. Para não ficarmos muito no campo imaginativo, vamos dar exemplos do dia-a-dia:
Se você está muito tempo trabalhando, e passou de sua hora de comer, seu cérebro começa a apresentar falhas, pouco raciocínio. Não seria isso uma desregulagem, diferente lá no início, quando você iniciou seu trabalho com toda energia? Se você vai a uma loja, todo ancioso para comprar aquela bicicleta para pedalar e praticar seu esporte. Ela está ali, novinha em folha, toda ajustada, não é? Mas se você usá-la durante um bom tempo, sem prestar os devidos cuidados, o que pode ocorrer? Os raios da roda ficam frouxos, assim como o eixo da roda, o guidom. O que você tem que fazer para continuar pedalando e não ocorrer nenhum risco de acidente? Regular sua bicicleta, eu sugeriria.
Você tem um filho rebelde que foi criado com tanto carinho em sua infância, mas agora você não entende porque ele comete tantos pecados. De alguma forma você busca corrigí-lo, que não deixa de ser uma forma de regulá-lo, pois seu filho tem agido de forma muito dissimulada e “desregulada” ultimamente.
Você tem passado as piores dificuldades na sua vida. Pouco dinheiro, brigas conjugais, contas para pagar, desespero, comida para comprar, remédio pro filho doente. Sua vida parece estar bem “desregulada”. Mas aí, você escolhe um caminho. O caminho da salvação. Você conhece uma pessoa, cuja aparição não foi por acaso. Algo o colocou na sua frente e disse: vá em tal lugar, você precisa é de paz no seu espírito, e para conseguir isso você precisa ir a tal igreja. Você começa a freqüentar este espaço, e depois, surpreendentemente, você volta a estabilidade, e sua vida retorna a “regularidade”.
Perceba quantas coisas do dia-a-dia ocorrem, e que precisam sempre ser ajustadas. Talvez essa filosofia se empregue em todos os âmbitos, não?
Friedrich Engels, em seu livro “A Dialética da Natureza”, explica fundamentalmente todo o problema relacionado às incompreensões dos cientistas do final do séc. XIX. A maioria deles esclarecia suas teses de forma mecanicista, considerando os fenômenos abordados como meros movimentos. E se consideravam as mudanças, eram apenas mudanças de lugar (espaço), ou de quantidade (aumento e diminuição). Por outro lado, uma minoria de cientistas mais avançados, comprovavam pela dialética, que não haviam só mudanças de quantidade, mas também de qualidade.
Citarei a seguir, alguns trechos importantes do livro que nos ajudarão a clarear o tema deste texto.
Capítulo: “NATUREZA GERAL DA DIALÉTICA COMO CIÊNCIA”
“As leis da dialética são, por conseguinte, extraídas da história da natureza, assim como da história da sociedade humana.Não são elas outras senão as leis mais gerais de ambas essas fases do desenvolvimento histórico, bem como do pensamento humano. Reduzem-se elas, principalmente em três:
1-    A lei da transformação da quantidade em qualidade, e vice-versa.
2-    A lei da interpenetração dos contrários
3-    A lei da negação da negação
Em “Apontamentos: Dialética e Ciência”, Engels mostra diversas abordagens científicas, seja da astronomia, física, química, biologia, geologia, história, matemática. Sob o ponto de vista materialista dialético, ele reafirma e critica os pontos de vistas de autores da sua época. Um deles é o questionamento sobre “Movimento e equilíbrio”, em que Engels esclarece no século retrasado o que nossos “cristãos intelectuais” ainda têm dúvidas (no séc. XXI):
“O equilíbrio é inseparável do movimento. No movimento dos corpos celestes, há movimento em equilíbrio e equilíbrio em movimento (relativo). Mas todo movimento relativo especial, isto é, neste caso todo o movimento independente de corpos individuais, em um dos corpos celestes em movimento, é um ténder para o estabelecimento do repouso relativo do equilíbrio. A possibilidade de um corpo ficar em repouso relativo, a possibilidade de estados temporários equilíbrio, é condição essencial de diferenciação da matéria e, consequentemente, da vida. No Sol, não há equilíbrio das diversas substâncias, mas somente da massa em seu conjunto, ou seja, um equilíbrio muito restrito, determinado por consideráveis diferenças de densidades; na  sua superfície, há um eterno movimento e inquietude, dissociação. Na Lua, parece prevalecer exclusivamente o equilíbrio, sem movimento relativo algum: morte (Lua=negatividade). Na Terra, o movimento diferenciou-se, tendo estabelecido o intercâmbio entre movimento e equilíbrio: o movimento individual tende para o equilíbrio, e o movimento em seu conjunto, destrói mais uma vez o equilíbrio individual. A Rocha chegou ao repouso, mas a erosão, a ação das marés, dos rios e dos deslocamentos glaciais, destroem continuamente o equilíbrio. A evaporação e a chuva, o vento e o calor, os fenômenos elétricos e magnéticos, agem também da mesma forma. Por último, no organismo vivente, assistimos a um incessante movimento de todas as suas menores partículas, assim como de seus órgãos principais, donde resulta um continuado equilíbrio do organismo na sua totalidade, durante o período normal de vida e que, no entanto, sempre permanece em movimento, a vivente unidade de movimento e equilíbrio (1).
E sabiamente, o inestimável contribuidor da humanidade, Engels, conclui seu apontamento: “TODO EQUILÍBRIO É APENAS TEMPORÁRIO E RELATIVO”. Da mesma forma podemos concluir também: todo equilíbrio é aparente, pois não pode existir onde não existe movimento.
Se admite-se que há uma regulagem de alguma coisa, é porque essa coisa já se encontrou desregulada, ou então estará sujeita, no futuro, a tal desregulagem. Isso ocorre em qualquer coisa, na natureza, com os homens, no Universo. Enfim, em tudo que se possa imaginar, tanto nas coisas materiais, como nas coisas imateriais.
Não quero dizer que, no Universo, um dia acontecerá um catástrofe generalizada. É que se os cristãos intelectuais admitem que existe uma “regulagem perfeita”, é porque, antes de tudo, há um equilíbrio supostamente eterno, como disse antes. Mas o que provoca tal equilíbrio no Universo? É justamente toda essa rede interligada entre os planetas com o sol, os planetas com as luas, de um planeta para com o outro, o sol com as luas. Temos que considerar também as órbitas dos planetas, seus movimentos de translação, rotação, os ângulos de inclinação dos planetas, seus campos magnéticos, suas dimensões físicas, estruturas e composições internas. Ou seja, uma complexa unidade aparentemente uniforme, mas que demora muito tempo até apresentar alguma mudança em alguma parte ou partes deste quebra-cabeça.
Quer dizer então que o universo segue um plano, ou foi criado por um planejamento anterior, pré-estabelecido, que justifica essa tal “regulagem perfeita”? Ou então que o universo segue um objetivo ou projeto? Como assim? Como que o universo vai projetar algo, ou então como ele vai objetivar algo? Que eu saiba isso só é possível pelo homem. O homem tem seus objetivos de vida. O homem constrói seus projetos de vida, não é mesmo? Mas talvez vocês querem dizer que existe um ser supremo pensante (coincidentemente o homem pensa), que projetou essa magnífica arquitetura, com o mais alto grau de perfeição.
Mas vocês não querem admitir que em nenhum momento, nesta mega construção, ocorreu ao menos um erro, uma falha deste super ser perfeito? Palavras bonitas são a razão disso tudo. É como disseram os Judeus à Moisés: “diga-nos coisas agradáveis e nós o escutaremos”.
Falar sobre um equilíbrio perfeito não considerando a idade do Universo que ele realmente tem, ficamos susceptível a falsas especulações. Pois se levamos em consideração que esse grandioso Universo levou mais de 10 bilhões de anos para ser o que é hoje, é porque o período que a humanidade está passando, dentro deste suposto equilíbrio, é um período muito curto comparado à toda vida do Universo. Portanto, há uma ingenuidade muito absurda no raciocínio destes metafísicos. Como poderíamos comprovar que, na verdade, há um equilíbrio aparente, e que essa “regulagem perfeita” um dia se quebrará? Podemos saber com exatidão? Claro que não. Nem o homem, nem os búzios, nem tarot, nem bola de cristal, e nem nenhum Deus.
Temos de considerar que estamos lidando com fenômenos que levam milhões de anos se construindo, até apresentarem um novo caráter. A fase que o ser humano está passando, é uma fase que ainda não proporcionou uma constatação de acontecimentos que acarretem em algum abalo no Universo. Quando os físicos e matemáticos afirmam que pequenas mudanças nas leis do Universo poderiam ter um resultado em que a própria vida humana não existiria, eles estão se referindo à mudanças a longuíssimo prazo. Mudanças que levam centenas de milhares de anos, no mínimo.
O que seria de nosso Planeta, por exemplo, se o Sol tivesse um diâmetro maior ou menor? E se a Terra tivesse um outro ângulo em relação à eclíptica diferente de 23,5º?
E se a nossa lua não existisse? Como ficaria a força da gravidade da Terra em relação ao Sol, e vice-e-versa? O que seria da vida em nosso planeta se não fossem os elementos químicos Nitrogênio, Carbono, Oxigênio e Hidrogênio?
Em Gênesis se fala que no início “havia trevas sobre a face do abismo”. Que isso significa? Que os escribas da bíblia eram filósofos intelectuais da época que já especulavam coisas, assim como os gregos muito antes deles. Mais foi muito depois que descobriram que o período das “trevas” foi um período em que a atmosfera terrestre estava se formando, e por isso havia muitos relâmpagos. Gases como metano, e elementos como água, hidrogênio e amônia, compunham a atmosfera e em contato com os raios, formavam compostos químicos complexos como a glicina e alanina, que são aminoácidos. Obviamente ainda não era vida, mas as combinações entre eles, com o tempo, dependendo do meio, e de vários outro fatores naturais, possibiltaram um salto de qualidade em suas estruturas, formando estruturas ainda mais complexas: os coacervados. Mas ainda não eram vidas, e só mais a frente os coacervados podiam trocar substâncias com o meio externo, sendo que em seu interior houve possibilidade de ocorrerem inúmeras reações químicas. Subseqüentemente, sujeitos ao processo de seleção natural, esses coarcervados cresceram em complexidade, levando a primeira estrutura primitiva de vida.
Mas é assim mesmo. Não é de hoje que há esse duelo entre ciência e religião. Há quem queira fundir as duas. E há também aqueles mais espertos, que ao acompanharem as descobertas científicas do homem, fazem chantagens e especulações a fim de conquistar seus últimos fiéis.


(1) Em nota, o geneticista e biólogo Britânico J.B.S. Haldane, o qual comentou todo o livro, confirma a veracidade do apontamento de Engels. Haldane nos dá um exemplo bem interessante. Ele escreve: “ficou provado que, durante a vida orgânica, os ossos, que nos parecem ser sólidos, fazem um constante intercâmbio de átomos de fósforo com o sangue”.

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