Cruzamento de Política e Direitos Humanos

(Sobre a Interpretação de um Comentário da Candidata Dilma)

A doutrina e a prática dos Direitos Humanos não se confundem com a teoria e a prática política e, ainda menos, com uma prática política partidária focada na obtenção ou preservação do poder. Por isso, é suspeito quando ativistas dos DH se embrenham em defensas ou ataques tendenciosos de partidos ou governos.
Entretanto, seria um reducionismo exagerado pensar que os DH devem ser tratados de maneira puramente abstrata e que deve evitar-se toda contaminação com a política. Quase todo ativista sério dos DH arrisca sua segurança pessoal e sua vida com bastante freqüência. Seria uma “frescura” (peço perdão pelo vulgarismo, mas não consigo pensar em outra palavra) recusar-se a discutir assuntos de cruzamento entre política e Direitos Humanos, por medo a ser considerado conivente com alguma forma de establishment. É por isso que, contrariando minha tendência habitual, quero referir-me a um problema político. Isso não tira minha condição de membro de AI, mas reitero que não falo em nome da minha organização.
Durante um evento acontecido o sábado 10 de abril, a candidata Dilma Rousseff, de acordo com as transcrições da imprensa, teria dito o seguinte:
"Eu não fujo quando a situação fica difícil. Eu não tenho medo da luta. Posso apanhar, sofrer, ser maltratada, mas estou sempre firme com minhas convicções. Em cada época da minha vida, fiz o que fiz por acreditar no que fazia. Só segui o que a minha alma e o meu coração mandavam. Nunca me submeti. Nunca abandonei o barco"
Eu não sei se a frase da candidata foi tirada de contexto, nem gosto deduzir resultados de premissas que não estão explícitas. Celebro a imaginação de poetas, artistas e teólogos, mas acredito que, nos fatos concretos da vida real, devemos nos guiar por critérios objetivos.
Para mim, e para qualquer pessoa isenta, honesta e racional (que, acreditem ou não, são a maioria do planeta, embora às vezes nossas mentes sejam poluídas pela mídia), o que a candidata disse foi muito claro: que ela é fiel a suas idéias, que se arrisca por elas, e que não se acovarda quando a situação é difícil (frase embutida na metáfora de “abandonar o barco”).
Mesmo sendo o que Lênin chamava “massa sem partido”, sou uma pessoa comprometida com a realidade, e não tenho nenhuma dúvida de que, pelo menos no passado, a afirmação da candidata é correta. Creio que ela defendeu suas idéias com enorme coragem, e que incluso por causa disso deveu sofrer injúrias de um membro da gague neofascista do Parlamento.
Somos da mesma geração e eu e meus amigos nos confrontávamos com os militares argentinos em 1970, na época em que os irmãos brasileiros se confrontavam com os deles. Isto, então, não seria em princípio nenhuma inverdade. O que Dilma fará no futuro, dentro ou fora do poder, não sabemos e, para os fins desta discussão, não interessa.
Em meu caso particular, tanto por ser ativista de DH como uma pessoa que esteve muitas vezes exilado, considero imprescindível fazer algumas observações.
Abandonei a Argentina duas vezes, durante outras tantas ditaduras, trabalhei junto à Unidade Popular no Chile, e saí daí em 1973, quando vi que a alternativa era morrer sem prestar nenhuma utilidade a meus colegas revolucionários. As bases da Unidade Popular e seus simpatizantes não receberam armas para resistir o golpe, porque o governo socialista queria nos proteger (apesar de que muitos de nós reclamamos por isso). Por tanto, ter insistido na luta era apenas o suicídio, no caso dos militantes desconhecidos como eu, cuja morte não teria servido de estímulo para outros, como acontece com os líderes.
Não há nenhum indício de que o comentário de Dilma Rousseff seja uma acusação contra os exilados de qualquer índole.
Talvez alguns achem que meu português não é suficientemente bom, mas também li a notícia em espanhol.
Venho de um país famoso pela crueldade de suas elites desde há dois séculos, e conheço quase toda América Latina e parte da Europa. Sei que o pensamento e a linguagem suja são as maneiras mais fáceis de manipular a opinião pública de todos os políticos comerciais: uns falam de Deus, outros falam de liberdade, todos falam de democracia, mas muitas vezes esses slogans são apenas de um jogo triste e doentio para caluniar os adversários.
Bom, quero dizer que, apesar de toda minha experiência como espectador de políticos infames em muitos países, fiquei surpreso pelo cinismo da reação contra a mensagem da candidata. Mesmo uma mente muito tortuosa, deve esforçar-se para encontrar na frase de Dilma Rousseff uma atitude de desprezo em relação com os exilados. Não há nada no texto que deixe pensar nisso. Ela fala de si mesma, e depois diz que ela não é das abandonam o barco, o que significa: abandonar a causa. É uma amostra de extrema ignorância pensar que uma pessoa que abandona seu país está abandonando sua causa, já que as causas humanitárias e socialistas são universais.
A história é riquíssima em exemplos de pessoas que abandonaram seu país para continuar lutando por suas causas desde o exterior, onde poderiam fazê-lo com mais eficiência. Aliás, os exilados famosos que deveram fugir por perseguições, fossem ou não militantes políticos, formam uma lista enorme: Einstein, Freud, Picasso, Marti, Arbenz, Guevara, Rushdie, e outros milhares. Até Bolívar foi exilado em alguma época, embora este nome possa ser irritativo ao neofascismo brasileiro por causa de ser o ídolo de Chávez. (Informo a esses políticos que Bolívar é anterior a Chávez, e eles nunca se conheceram pessoalmente.)
Então, encontrar nas palavras da candidata críticas aos exilados seria um exercício de fantasia (ou de delírio) se no fosse uma forma baixíssima (inclusive para o teor das diatribes eleitoreiras) de utilizar a imagem dos que fomos exilados, para usá-la com fins demagógicos.
Devo dizer que, como várias vezes exilado, sinto nojo e desprezo por pessoas que pretendem usar nossos sofrimentos de ex-perseguidos para usá-los como “bomba suja” contra outros candidatos, pela simples razão de que são incapazes de elaborar argumentos limpos.
Quero incluir uma nota pessoal: quando me exilei da Argentina, em 1976, sabia que minhas opções não eram ir preso, nem ser exonerado de meu emprego. Se fosse isso penas teria ficado. A única alternativo ao exílio era morrer, junto com minha mulher grávida, em meio de horríveis torturas, como aconteceu com mais de 30.000 pessoas. (Isso de acordo com os dados mais antigos, mas os documentos recém desclassificados em outros países mostram que devem passar de 40 mil.)
A outra opção era sair e seguir lutando. Chegado ao Brasil, me ofereci como voluntário ao ACNUR e ajudei a proteger algumas dúzias de pessoas igualmente perseguidas.
Um dado importante: esta atividade minha não deve ter sido tão inútil, porque irritou os setores fascistas da UNICAMP, e isto me obrigou a assinar minha demissão em 15 de junho de 1979. Na época, o lugar onde eu estava (um centro de pesquisa de lógica matemática), tinha entre seus professores dois informantes do embaixador argentino e outro do governo chileno, que eram os xodós de nosso chefe. (Os três estão mortos, mas não quero conflitos jurídicos com suas famílias, de modo que só darei as iniciais: EdO, AAR e RCK)
Por sinal, o chefe que me fez assinar minha demissão, era amigo da juventude da figura mais famosa da “social-democracia” brasileira. Coincidência?
Finalmente, quero dizer que, apesar de que a frase de Dilma não tem a mínima remota referência aos exilados, eu, como exilado durante décadas, posso acrescentar:
Houve, sim, reais exilados de todas as nacionalidades, que não deixaram se país porque essa fosse sua única alternativa, mas porque era mais confortável. Houve pessoas que se exilaram, não porque eram opositores, mas porque eram apenas suspeitos e podiam perder o emprego. Houve exilados que colaboraram com as embaixadas das mesmas ditaduras das quais tinham fugido. Houve exilados que puderam voltar ao país, porque se comprometeram a trabalhar para essas mesmas ditaduras.
Não estou falando de infiltrados, mas de verdadeiros exilados, que fugiram de seu país diante do caráter monstruoso e ilimitado da repressão. Entretanto, quando perceberam que essa repressão não os teria incluído, se ofereceram a colaborar com os algozes para tornar seu regresso possível.
Estes exilados foram uma minoria, mas não tão pequena. No caso da Argentina, passou de 20%. No caso brasileiro, realmente desconheço.
Em fim: os que pretendem ferir sujamente a seus adversários políticos talvez pensem que “quem sai na chuva deve se molhar”. No entanto, de maneira nenhuma esses políticos intrigantes têm o direito de utilizar os sentimentos autênticos de outras pessoas que não estão na contenda eleitoral. Distorcer um discurso para criar ressentimentos nos exilados de numerosos países que habitam hoje no Brasil (muitos dos quais estão naturalizados e podem votar) é algo tão miserável como usar o ódio racial, de gênero, religioso, etc.
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