A luta anti-racista e as legislações penais aos crimes étnico-raciais e delitos de intolerância

No aprofundamento do debate sobre a forma correta, conseqüente e eficaz de combate ao racismo e aos delitos de intolerância com as religiões de matriz negro-africanas, o título acima busca contemplar as três formas de combate. Haja vista que racismo é a opressão praticada como ideologia de dominação por uma classe social e ou/ povo sobre outra, tendo como base a diferenciação étnico-racial. Daí existir no país duas Leis federais concernentes ao inciso XLII da Constituição que tipifica o crime de racismo como inafiançável e imprescritível, prevendo pena de reclusão. A primeira é a chamada Lei Caó (7716/1989) e a segunda é a Lei 9459/1997 do então deputado federal (atual senador) Paulo Paim (PT-RS) que inseriu o parágrafo 3º no artigo 140 do Código Penal.
A Lei 9459/1997 agravou a pena (detenção) do artigo 140 do Código Penal (Decreto Lei 2848/1940) ao tipificar como injúria à pessoa, se ocorrer ofensa à dignidade ou ao decoro através da utilização de elementos referentes à ‘raça’, cor, etnia, religião ou origem. Assim, pela Lei federal 9459/1997 a pena é agravada (reclusão), passando a ser de um a três anos mais multa.  Isso, porque o artigo 140 do Código Penal permitia aos réus acusados de prática de racismo escapar do rigor da Lei Caó (pena de reclusão) sob a alegação de terem cometido delito de menor gravidade (injúria) porque está escrito “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção de um (01) a seis (06) meses, ou multa”. E o parágrafo 1º diz “O juiz pode deixar de aplicar pena:” A seguir.
No 1º caso, quando a pessoa ofendida, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria. E no 2º se ocorrer retorsão imediata, que consista em outra injúria; apesar do parágrafo 2º dizer “Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes: Pena – detenção de três (03) meses a um (01) ano e multa, além da pena correspondente à violência”. Na prática, a pena (detenção) de um (01) a seis (06) meses acabava convertida apenas em multa. Por isso, o parlamentar petista introduziu o parágrafo 3º (Lei 9459/1997) definindo ”Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à ‘raça’, cor, etnia, religião ou origem: Pena – reclusão de um (01) a três (03) anos, além de multa”.
Originário do movimento sindical, o parlamentar petista nunca foi militante anti-racista em algum movimento negro, por isso ele cometeu dois equívocos. O 1º foi imiscuir a questão do credo religioso de uma pessoa no combate ao racismo. Isso é uma questão de foro íntimo. Isto é, tipificar como injuria ou ofensa étnico-racial baseado nisso acaba sendo ‘vago’, ‘abstrato’, ‘subjetivo’. Ou seja, ninguém pode ser compulsoriamente obrigado a ter a sua própria, assim como saber a crença religiosa de outra pessoa. Por exemplo: Retratar Maomé é ‘ofensa’ aos maometanos? Oferecer carne suína é ‘ofensa’ ao povo judeu? O 2º erro do parlamentar petista é o fato dele ter permitido que a prática cotidiana do crime de racismo pudesse ter continuado a ser classificada como ‘injúria’.
Para nós do Movimento Negro Socialista (MNS) o correto é a caracterização de injúria, ofensa quiçá difamação (agressão verbal) baseada na utilização de elementos referentes aos valores étnico-raciais, de cor ou de origem seja tipificado como prevê a Lei federal 7716/1989, crime inafiançável e imprescritível. É por isso que estamos empenhados em redigir um anteprojeto cuja obra seja coletiva dos militantes negros e das militantes negras juntas com as militantes e os militantes anti-racistas do MNS com essa finalidade. Haja vista, por fim, que a reivindicação do MNS atinente à Lei federal 7716/1989 é a de que as delegacias de Polícia Civil e Federal sejam obrigadas a contar com um setor especializado em crime de racismo, cujos plantões diários tenham sempre no mínimo advogado, antropólogo e sociólogo. 

*jornalista – é militante e membro da coordenação nacional do MNS.
    
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