Menino, nos longínquos anos 50 eu ficava deslumbrado com a imponência
do Mappin, a maior e mais vistosa loja de departamentos paulistana.
Erguidos face a face, o Mappin e o Teatro Municipal, tão enormes quanto
majestosos, faziam da Praça Ramos de Azevedo o cartão postal de São
Paulo.
Seu relógio era uma espécie de Big Ben para os que passavam e para os que esperavam ônibus.
Parecia destinado a durar para sempre. Eu ainda ignorava que tudo que é solido desmancha no ar.
Depois, lá pelos 15 anos, tentei carreira de vendedor. Ia oferecer os carrinhos de chá e mesas de jogo que meu avô fabricava.
Trajando meu primeiro terno, circulei muito, a pé e de ônibus, sem conseguir mais do que 2 ou 3 pedidos. O verdadeiro vendedor já atendia as lojas promissoras.
Inexperiente e sem desenvoltura, eu ainda tinha de tirar leite de pedra. Não conseguia.
Tentei de tudo. Percorri de ponta a ponta a av. Celso Garcia, que tinha forte comércio moveleiro. Em vão.
Fui até a São Bernardo do Campo, sem perceber que lá havia muitas lojas de móveis porque existiam muitas fábricas.
Compadecendo-se da minha falta de jeito, um velho me comprou um carrinho e uma mesa. Vovô detestou ir da Mooca ao ABC para entregar duas míseras peças.
Arrisquei também uma subida ao Olimpo, ou seja, ao Mappin.
Depois de um chá de cadeira de mais de uma hora, o encarregado das compras, do alto de sua magnificência, dignou-se a explicar os fatos da vida: só adquiria itens em grande quantidade, e por preços bem inferiores aos oferecidos a outros comerciantes.
Fabriquetas só recorriam ao Mappin em último caso, quando uma grande encomenda era cancelada e tinham de reduzir o prejuízo.
Aprendi uma boa lição sobre como agiam os tubarões do mercado, aqueles que gostavam de levar vantagem, certo? (parafraseando o bordão do jogador Gerson, nos repulsivos comerciais de TV da década seguinte).
Fundado em 1913, o gigante Mappin desabou em 1999, numa das mais escandalosas falências fraudulentas de que se tem notícia.
Leio agora que o juiz Beethoven Ferreira acaba de nomear um segundo síndico para a massa falida, incumbido de rastrear no exterior os ativos escondidos por Ricardo Mansur, o último proprietário do Mappin.
Os credores não veem a cor do dinheiro, mas Mansur gasta R$ 25 mil por mês só no aluguel da casa que possui no condomínio mais caro de Ribeirão Preto, interior paulista.
Ele e sua mulher são sócios dos dois clubes mais luxuosos da cidade -- cujo requinte desfrutam quando não estão espairecendo em Paris, Nova York ou Miami, hospedados sempre em hotéis cinco estrelas.
E, driblando a lei, o empresário formalmente falido e cheio de dívidas é o verdadeiro dono de negócios como uma usina, uma destilaria e uma faculdade, adquiridos em nome de terceiros mas por ele administrados.
"Como ele pode ter feito tudo isso, se o que ele tinha a gente tomou para pagar parte das dívidas trabalhistas? Isso não pode passar despercebido pelo poder público. É acintoso", diz o juiz Beethoven Ferreira.
Discordo. Trata-se apenas da versão brasileira do capitalismo, pois aqui se conseguiu tornar execrável o que, em si, já é péssimo.
O jingle dos tempos prósperos era "Mappin, venha correndo, Mappin, chegou a hora, Mappin, é a liquidação".
Liquidados mesmo foram os funcionários e os fornecedores que não fugiram correndo dessa arapuca.
________________________________________
* Jornalista e escritor, mantém os blogues
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/
http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/