Nos primeiros momentos após a contestada reeleição de Ahmedinejad, Lula atribuiu os protestos e as consistentes denúncias de fraude à frustração de torcedores de futebol derrotados. Vai ser difícil achar uma análise mais simplória.
O que está acontecendo no Irã é imensamente mais complexo do que essa tolice. A morte de Montazeri, aliás, serviu para expor dois tipos de contestação: a que se tornou mais ou menos habitual, representada pelo chamado Movimento Verde, a cor usada pelos partidários da oposição ao presidente Ahmedinejad.
Seus líderes são Mir Hossein Mousavi e, com menor expressão, Mehdi Karroubi, clérigos tidos como reformistas e derrotados por Ahmedinejad.
Ambos fazem parte do coração do regime, tanto que suas candidaturas foram aprovados pelo Conselho de Guardiães, que só aceitam quem não contesta o modelo teocrático em vigor há 30 anos.
Mas há também a oposição a esse modelo, cujo grande representante era justamente Montazeri, que chegou a ser formalmente indicado para suceder ao fundador da República Islâmica, o aiatolá Khomeini, mas caiu em desgraça justamente por se opor inicialmente às violações aos direitos humanos e, depois, à ditadura dos clérigos.
Pior ainda, do ponto de vista do regime: mais recentemente emitiu uma "fatwa", uma espécie de decreto islâmico, necessariamente vinda de um clérigo, declarando que o desenvolvimento ou mesmo o investimento para adquirir uma bomba nuclear é contra o Islã e contra a humanidade.
Ou seja, Montazeri tocou nos dois pontos principais do confronto entre o Irã e o Ocidente: a questão da democracia/direitos humanos e a do programa nuclear iraniano.
Não parece coerente que um presidente com fortes credenciais democráticas, como Lula, se omita na primeira das duas questões, como o tem feito reiteradamente e novamente agora com a visita de Hillary Clinton.
Já na segunda questão, a nuclear, o apoio que o governo brasileiro tem dado ao programa iraniano, desde que seja para fins pacíficos, ganhou um reforço importante em relatório emitido pela Brookings Institution, assinado por Suzanne Maloney, pesquisadora do "Saban Center for Middle East Policy".
Como Lula, Maloney se opõe a sanções, com os seguintes argumentos:
"Infelizmente, a perspectiva de machucar a economia iraniana [por meio de sanções] é uma falácia, e uma falácia perigosa. Um levantamento das múltiplas medidas já adotadas e o efeito delas para moderar o comportamento iraniano fala das limitações de pressões econômicas como meio de alterar as prioridades e políticas de segurança do Irã. Mais ainda: mesmo os mais ardentes defensores dessas políticas admitirão particularmente que os pré-requisitos chaves para um bem sucedido enfoque centrado em sanções - duração prolongada e adesão ampla - são certamente inalcançáveis neste caso".
Tudo somado, vê-se que o quadro iraniano pede tudo, menos simplismo nas análises e, por extensão, nas posições a adotar, ainda mais que os dois próximos meses (ou seja, os que se situarão na antessala da visita de Lula) prometem ainda mais agitação, a julgar pelo que escreve Mehdi Khalaji, pesquisador-sênior do Washington Institute: Khalaji lembra que começaram no dia 18 de dezembro do ano passado, os meses de Muharram e Safar, no calendário lunar islâmico, o que abre, pela primeira vez, "uma oportunidade religiosa" para os protestos da oposição. Completa: "Para o regime em Teerã, ganhar o controle das ruas tem se tornado gradualmente mais difícil, na medida em que o Movimento Verde [oposicionista] transformou todas as cerimônias políticas oficialmente reconhecidas para fazer protestos contra a República Islâmica".
É esse o quadro que conviria que Lula e a diplomacia brasileira olhassem com o devido cuidado e carinho até abril.