É nesse contexto que as forças conservadoras, que durante as décadas de 80 e 90 do século passado aplicaram o modelo neoliberal, se encontram acuadas e em busca de discursos mais atraentes para o eleitorado. Em contrapartida, as forças progressistas, que sempre hastearam as bandeiras da democracia e da justiça, estão na ofensiva política, respaldadas, em alguns países, por lideranças carismáticas com altos índices de popularidade.
Portanto, não surpreende que diante de um cenário político que acena com novas plataformas de disputa, o tema da comunicação apareça com relevância. Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner enviou para o Congresso uma nova lei de regulamentação da mídia. O projeto, já aprovado, sofre forte oposição do maior grupo empresarial de comunicação do país, o Clarín, que recorreu à Justiça. O que está em jogo, porém, não é a propriedade de um meio, e sim o que ele representa como monopólio da informação. Ao proibir que um mesmo grupo detenha o controle de vários veículos de produção e distribuição, o governo argentino usa o argumento da democratização das comunicações.
O Equador passa por igual processo de rediscussão do papel da comunicação na sociedade. Por iniciativa do presidente Rafael Correa, o Congresso colocou na mesa de debate a necessidade de uma regulamentação que deixe mais claro o limite do poder da mídia. A negociação está em andamento por conta da esperada reação dos grupos empresariais do setor. Na Bolívia, estado pluriétnico como o Equador, o governo decidiu criar seus próprios veículos para, de forma explícita, se contrapor “às mentiras e difamações de que somos vítimas”, como afirmou o presidente Evo Morales – reeleito recentemente com mais de 62% dos votos.
Mas nenhum outro país latino-americano é tão citado em relação a esse debate como a Venezuela. Seu presidente, Hugo Chávez, escaldado pelo papel que a grande mídia teve no efêmero golpe de Estado que o derrubou por três dias em 2002, tem tomado atitudes freqüentes para limitar o poder da imprensa local, dirigida por poderosos grupos empresariais que atuam em outros países e até mesmo nos Estados Unidos.
A discussão sobre uma nova lei das comunicações ganha relevância e alimenta os grupos conservadores da mídia que representam interesses políticos que atualmente estão na defensiva. Isto serve também como biombo diante de uma evidente mudança no modelo de negócios nas telecomunicações que ameaça as corporações tradicionais.
É na esteira desse debate continental que foi realizada no Brasil a Conferência Nacional de Comunicação, entre 14 e 17 último, em Brasília. Mais de 1.600 delegados representando empresários, movimentos sociais e poder público debateram seis mil propostas que vieram das conferências estaduais. No final, 1.500 delas foram aprovadas. Algumas são polêmicas; outras, mais consensuais.
Críticas ácidas
O fato é que exatamente os setores empresariais que boicotaram o encontro desde o início são os mesmos que hoje vociferam contra o suposto caráter autoritário das propostas aprovadas na Confecom. Sequer se dão ao trabalho de esclarecer que a conferência não é deliberativa, portanto não tem força de lei. Veja e Estadão, por exemplo, deitaram críticas ácidas às idéias aprovadas na conferência sob o argumento de que “a liberdade de imprensa está ameaçada”.
Na prática, nada diferente do que dizem setores similares em outros países. Como resposta aos movimentos que pedem uma rediscussão do papel da comunicação na sociedade atual, um grupo de 16 grandes diários do continente publicou recentemente um encarte com críticas ao “controle da mídia” exercido por alguns governos de “tendência autoritária”. O Brasil foi representado nesta iniciativa pelo jornal O Globo.
Democratizar a comunicação pode parecer para os grupos hegemônicos da mídia comercial algo como o alho e a cruz são para o diabo. O fato é que boa parte da sociedade latino-americana também está decidida a bancar não só um novo projeto político, mas, a partir dele, um novo modelo de comunicação cuja essência seja mais liberdade de imprensa, e não o contrário.