Por norma, só se “abre o jogo”, no fim do jogo, perdoe-se-me esta expressão. Fugindo à regra, começo por dizer que, pessoalmente, sou favorável à aplicação da pena de morte, em determinado tipo de crimes, como seja o caso do homicídio qualificado “gratuito”.
Como disse este tema tem sido debatido ao longo de muitas décadas. Diria que tudo já foi dito a seu respeito, e pouco se poderá acrescentar ao dito. Para quem se interesse mais a fundo pelo tema, tem bastante interesse o trabalho do Prof. Cavaleiro de Ferreira, que em Setembro de 1944 integrou o Governo pelo Prof. Oliveira Salazar, na pasta da Justiça, até 7 de Agosto de 1954, e que, na Academia das Ciências de Lisboa, proferiu num discurso, na sessão solene de 1 de Julho de 1967, onde aborda toda a temática do ponto de vista jurídico-penal, e também social.
Sendo que esta abordagem com essa profundidade não cabe, de forma nenhuma, nesta nosso trabalho. Como motivo decorativo há frases “emblemáticas” que circulam pela “rede” e destaco estas;
“Vim ao mundo para que tenham vida e vida em abundância!" Jesus Cristo
"Nunca pode haver uma justificativa para a tortura, ou para tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes. Se pendurar uma mulher pelos braços até que sofra dores atrozes é uma tortura, como considerar o ato de pendurar uma pessoa pelo pescoço até que morra?" Rodolfo Konder
"O que é a pena capital senão o mais premeditado dos assassinatos, ao qual não pode comparar-se nenhum ato criminoso, por mais calculado que seja? Pois, para que houvesse uma equivalência, a pena de morte teria de castigar um delinquente que tivesse avisado sua vítima da data na qual lhe infligiria uma morte horrível, e que a partir desse momento a mantivesse sob sua guarda durante meses. Tal monstro não é encontrável na vida real." Albert Camus
"Quando vi a cabeça separar-se do tronco do condenado, caindo com sinistro ruído no cesto, compreendi, e não apenas com a razão, mas com todo o meu ser, que nenhuma teoria pode justificar tal ato." Leon Tolstói
"Pedirei a abolição da pena de morte enquanto não me provarem a infalibilidade dos juízos humanos." Marquês de Lafayette
" A pena de morte é um símbolo de terror e, nesta medida, uma confissão da debilidade do Estado." Mahatma Gandhi
"Mesmo sendo uma pessoa cujo marido e sogra foram assassinados, sou firme e decididamente contra a pena de morte.. Um mal não se repara com outro mal, cometido em represália. A justiça em nada progride tirando a vida de um ser humano. O assassinato legalizado não contribui para o reforço dos valores morais." Coretta Scott King, viúva de Martin Luther King
Os portugueses sentem-se muito orgulhosos pelas palavras de Vítor Hugo, em 1876, a propósito da abolição da pena de morte em Portugal (o primeiro país europeu a fazê-lo), sendo daquele estas palavras; “Está pois a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história. (...) Felicito a vossa nação. Portugal dá o exemplo à Europa. Desfrutai de antemão essa imensa glória. A Europa imitará Portugal. Morte à morte! Guerra à guerra! Viva a vida! Ódio ao ódio. A liberdade é uma cidade imensa da qual todos somos concidadãos”
De facto, em Portugal, a abolição da pena de morte para os crimes políticos começa a ser discutida na sessão de 10 de Março de 1852 da Câmara dos Deputados, que viria a ser aprovada, e passou a estar consagrada no artigo 16º do Acto Adicional à Carta Constitucional. Curiosamente, em 3 de Julho de 1863, Ayres de Gouveia, vira a propor a supressão da figura do carrasco, “riscando do orçamento do Estado a verba de 49$¬200 réis para o executor”, e apresentou uma proposta que visava a abolição da pena de morte em todos os crimes, incluindo os militares. Consta que em Abril de 1846, em Lagos, ocorreu a última execução de pena de morte. Em relação a crimes militares, vale a pena ler o livro de José Rodrigues dos Santos, “A filha do capitão”, em que este refere, e não pede segredo, que durante “a guerra de 14/18” foram assassinados vários militares que se recusaram a obedecer às botas do comandos ingleses.
A lei de 1 de Julho de 1867, aprovou a abolição da pena de morte para “todos” os crimes, exceptuados os militares – e que mereceu o aplauso de Vítor Hugo. A pena de morte por crimes militares viria também a ser abolida na Constituição de 1911, mas foi de novo restabelecida em 1916 para "caso de guerra com país estrangeiro, e que vigorou até 1976.
Portanto parece que a alegria de Vítor Hugo aconteceu muito antes de tempo, ou seja, Portugal, só depois de Abril de 1974 aboliu definitivamente a pena de morte do seu regime jurídico penal.
No Brasil a pena de morte foi morta em 1855 pelo imperador Pedro II, após a execução de Manoel da Motta Coqueiro, enforcado no dia 6 de Março de 1855, cuja inocência foi comprovada após sua morte. Actualmente, é prevista a pena de morte por fuzilamento para alguns crimes militares, somente em tempo de guerra. Em relação aos países;
Angola: Abolida para todos os crimes (desde 1992)
Moçambique: Abolida para todos os crimes (desde 1990)
Guiné-Bissau: Abolida para todos os crimes (desde 1993)
Cabo Verde: Abolida para todos os crimes (desde 1981)
São Tomé e Príncipe: Abolida para todos os crimes (desde 1990)
Timor Leste: Abolida para todos os crimes (desde 1999)
O Protocolo nº 6 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem no seu artigo 1º deste Protocolo, em vigor desde 1 de Março de 1985, prescreve:
"A pena de morte é abolida. Ninguém pode ser condenado a tal pena ou executado"
E o artigo 2º:
"Um Estado pode prever na sua legislação a pena de morte para actos praticados em tempo de guerra ou de perigo iminente de guerra; tal pena não será aplicada senão nos casos previstos por esta legislação e de acordo com as suas disposições. Este Estado comunicará ao secretário-geral do Conselho da Europa as disposições correspondentes da legislação em causa".
Em 1995, eram os seguintes os países do Conselho da Europa que mantinham a pena de morte para crimes praticados em tempo de paz: Bélgica, Chipre, Grécia, Irlanda, Liechenstein e Turquia.
Tem interesse dar uma vista de olhos pelos países que têm consagrado no seu regime jurídico a pena de morte, como sejam, salvo o erro:
• Afeganistão
• Arábia Saudita
• Argélia
• Bangladesh
• Belarus
• Benin
• Botsuana
• Burkina
• Birmânia
• Burundi
• Camarões
• Casaquistão
• China (exceto Hong Kong)
• Congo
• Coreia do Norte
• Coreia do Sul
• Cuba
• Egipto
• Emirados Árabes Unidos
• Estados Unidos da América (alguns estados)
• Etiópia
• Gabão
• Gâmbia
• Gana
• Guatemala
• Guiana
• Iémen
• Índia
• Indonésia
• Irão
• Iraque
• Japão
• Jordânia
• Kuwait
• Laos
• Libéria
• Líbia
• Madagascar
• Marrocos
• Malauí
• Mauritânia
• Mongólia
• Níger
• Nigéria
• Omã
• Papua Nova Guiné
• Paquistão
• Peru
• Quénia
• Quirguízia
• República Centro-Africana
• Ruanda
• Rússia
• Síria
• Somália
• Suazilândia
• Suriname
• Sudão
• Tailândia
• Tanzânia
• Togo
• Tadjiquistão
• Turcoménia
• Uganda
• Uzbequistão
• Vietnam
• Zaire
• Zâmbia
• Zimbabué
O caso dos Estado Unidos da América do Norte é bastante paradigmático, designadamente os Estado do Sul que retomaram essa prática após uma breve interrupção durante os anos 1970.
Em Julho de 2005, 38 dos 50 estados dos EUA aplicam a pena capital O Japão também continua a aplicar a pena de morte. A abolição na França data de 30 de Setembro de 1981.
Seja como for, penso, há um certo cinismo quando se aborda este tema. A maioria dos povos tende a condenar a pena de morte, mas admite com relativa facilidade o fuzilamento de um ser humano, quando muitas vezes se trata de um puro homicídio perpetrado com um fuzil. O 5º mandamento da bíblia também é abolicionista, mas, em geral, as religiões, são bastante permissivas quanto às guerras “santas”.
Em rigor, para os abolicionistas, o que mais os afecta parece ser o espectro individual da pena de morte. Talvez para justificar esse momentoso problema de consciência aponta-se toda uma série de virtudes ao criminoso, transformando-o numa quase uma vítima, e não tivesse de sofrer uma sanção adequada pelo seu comportamento, doloso, intencional, e consciente.
Diria que se irresponsabiliza o indivíduo, como se este não fosse detentor do maior traço que o distingue dos outros animais, o livre arbítrio, ou seja, por um lado responsabilizamo-lo, considerando-o imputável, quando o julgamos, e declaramos “apto” a receber uma pena, e no momento seguinte, criamos um véu à volta do mesmo, dando-lhe a possibilidade de o criminoso ser “recuperado” para a sociedade, quando este, consciente, e livremente, e duma forma bárbara, e sem motivo, exterminou um semelhante indefeso.
Um criminoso nunca é recuperável, excepto para os sociólogos, psicólogos e afins. Por norma um criminoso com inteligência mediana aproveita a oportunidade imerecida que lhe é dada de viver depois de executar uma morte monstruosa para ajudar à missa na prisão enquanto não é posto ao léu.
Um criminoso sanguinário é sempre uma ameaça para a comunidade. Um criminoso sem escrúpulos, por norma, é sempre reincidente. Um criminoso tortuoso “joga” com a bondade da sociedade.
Os portugueses estão a perder a virgindade em matéria penal. A expressão “brandos costumes”, passou à história. Todos os dias somos confrontados com criminalidade altamente violenta.
A democracia, mais cedo, ou mais tarde, teria de apresentar a sua factura, isto sem prejuízo da dita, naturalmente. Há de facto um ror de posições a favor da abolição, e menos contra, da pena de morte. Todavia, talvez valha a pena repensar este tema.
É claro que a pena de morte também levanta muitas outras questões, para além das de ordem cultural, e social, como seja os autores da decisão judicial, os juízes Estão estes obrigados a acatar a lei penal que preveja a pena de morte, no caso de objecção de consciência? É a pergunta que deixamos, a par de muitas outras que ficaram em aberto.