Os cearenses, apesar de ser um povo sofrido, têm mostrado, ao longo da história, que não toleram injustiça. Por esta razão, em março de 2009, foi denunciado a desassociação, da Igreja Testemunhas de Jeová, a partir de um artigo em diversas mídias do Estado e do Brasil, com o tema: Quem Tem Autoridade Para excomungar?, Porém, agora, a denúncia chegou ao “Ministério Público” e foi acatada como uma suposta “discriminação religiosa”. A síntese da denúncia está relacionada com o rompimento de laços entre associados e desassociados e por não haver a liberdade para quem almeja se dissociar da crença.
Em um congresso realizado neste ano, pela referida organização religiosa, foi lançado um livro intitulado: Mantenha-se no Amor de Deus, no qual um tópico salienta como tratar uma pessoa desassociada. De acordo com o que está transcrito: “Não nos associamos com desassociados, quer para atividades espirituais, quer sociais. Um simples “oi” dito a alguém pode ser o primeiro passo para uma conversa ou mesmo para amizade. Queremos dar este primeiro passo com alguém desassociado?” Até o ano de 1980, as pessoas tinham o livre arbítrio para se dissociarem da crença, sem correr nenhum risco de perseguição, no entanto, a partir do ano seguinte, arbitrariamente, as pessoas dissociadas passaram a ser colocadas na mesma categoria das desassociadas, ou seja, os associados não podem mais saudar um amigo com um simples “oi”, para não gerar uma má influência.
A morte civil na Idade Média foi aplicada por muitos anos no Brasil. O réu ficava a sua própria sorte não podendo participar de nenhum ato da sociedade. Mas, será que a morte civil pode ser comparada com a desassociação? Embora eu não seja jurista, em minha humilde compreensão é perfeitamente associável, na medida em que um ser humano é julgado e expulso, por ter cometido um pecado, ou porque deixou de acreditar nos dogmas da religião, passando a ser tratado persecutoriamente, a ponto de não mais ser permitido que lhe seja dirigido nenhum tipo de cumprimento. Entretanto, não significa somente a exclusão de um meio social, mas, a própria morte civil. Para os que perderam entes queridos e amigos que cultivaram durante décadas, o caso pode ser ainda mais grave, acarretando as chamadas doenças sociais, que envolvem as depressões e uso de drogas, entre outras. Perante tanto terrorismo psicológico, seria compreensível que muitos desistam de se dissociarem, como certo jovem relatou: “Desde que deixei de freqüentar as reuniões congregacionais, os anciãos me pressionam a pedir a minha dissociação, e o pior é que a minha própria mãe vem me alertando diariamente que, se eu abandonar a crença, me terá como um deserdado da família, e me colocará para o olho da rua”. Uma pergunta: De quem é a culpa por esta implacável perseguição? Em primeiro lugar recai, sobre a liderança no Brasil reconhecida pela a Associação das Testemunhas Cristãs de Jeová. Em segundo plano, os anciãos congregacionais, consignados, carregam a meia-culpa, pelo fato de serem eles que expulsam o “errante”. Vale lembrar que domingo, 20/09/2009, houve uma manifestação no Rio de Janeiro, em Copacabana, contra intolerâncias religiosas.
Cristo, certa vez, disse aos seus discípulos que enquanto os mestres da lei e os fariseus amarravam cargas pesadas aos ombros dos outros, não estavam dispostos a moverem com um dedo ou fazerem qualquer tipo de sacrifício pelo seu povo. Há quem diga que a desassociação é uma das cargas mais pesadas, pois, todos pagam um preço altíssimo para carregá-la, sejam desassociados, dissociados ou associados. O filme dinamarquês, intitulado To Verdener, Mundos Separados, relata a história real de uma família de testemunhas de Jeová que foi dividida literalmente, pela desassociação.
No decorrer da história, muitos que detiveram o poder em suas mãos, seja de cunho político, filosófico ou religioso, perderam a racionalidade, deixando um triste legado para a humanidade. Um dos reis mais sábios, Salomão, certa vez disse que, durante todo o tempo em que ele viveu debaixo do sol, homem tem dominado homem para seu prejuízo. Infelizmente, embora vivamos no século XXI, essas palavras soam muito mais forte. É preciso que os líderes das testemunhas de Jeová reconheçam que o Deus dos céus continua sendo o Único Legislador e Juiz de toda a terra, e que não transferiu o seu poder para seres humanos imperfeitos julgarem o seu próximo de uma forma tão brutal.
Quanto à investigação processual sobre a desassociação, cuja tramitação já se iniciou no Ministério Público, alguns supõem que é possível, além da presumível “discriminação religiosa”, uma violação da declaração universal sobre diversidade religiosa e direitos humanos, especificamente, no artigo XVIII, pela Igreja Testemunhas de Jeová. É elogiável que a Comissão de Direitos Humanos, da Câmara Municipal de Fortaleza, e da Assembléia Legislativa do Ceará, comecem a se mobilizar no acompanhamento dos trâmites jurídicos do referido processo. Assim, quem sabe se as entidades representativas dos direitos humanos, em uníssono, com o Ministério Público e a justiça, não venham a constituir um ordenamento jurídico, e, por sua vez, uma jurisprudência para que sejam anistiados todos os que sofrem por conta da desassociação? Uma questão é certa: ninguém discorda que a denúncia é séria e o caso inspira cuidados! Não é por nada que brasileiros e pessoas no mundo inteiro vivem em tratamentos psiquiátricos. Concluindo o assunto, retorno a perguntar: as autoridades estão dispostas a ouvir esta sub-parcela da sociedade que clama por socorro às escondidas?
* Desassociados: pessoas que são expulsas; dissociados: os que saem voluntariamente; associados: são os que permanecem na religião.
Sebastião Ramos. Funcionário público federal na UFC – e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.