A LÓGICA JURIDICA E OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

Uma das minhas mais gratificantes experiências como Professor Universitário foi aceitar convite feito pelo Professor Adelmo Emerenciano  , então Coordenador do Curso de Direito da Metrocamp  , para assumir as aulas de Lógica Jurídica. Mesmo sabendo que o Direito não é um sistema lógico, mas pseudológico, ou seja, a lógica não tem função de conferir congruência ao sistema jurídico, mas não deixa de ter um significativo papel na retórica   e quando o direito se apresenta lógico agrega-se à ideologia jurídica a crença de segurança, rigor, certeza, que são as marcas típicas do pensamento lógico.

O Direito, se quer cumprir sua função deve conter instrumentos argumentativos que tornem confortável ao julgador, o Direito válido exige a convivência de progressistas e conservadores, jusnaturalistas e formalistas, alternativos e kelsenianos, ou noutras palavras o sistema jurídico é produto de múltiplas determinações inconciliáveis no plano da lógica, pois o Direito é transcendente, é dialético, assim ensina o Professor Fábio Ulhoa Coelho  , mas alguns conceitos de Lógica como inferências imediatas, proposições categóricas, etc, podem ajudar a demonstrar a omissão, contradição ou obscuridade de algumas decisões que precisam ser esclarecidas através dos embargos de declaração.

Tomemos um exemplo prático para sustentar a afirmação de que os conceitos de Lógica, tal como as inferências imediatas, proposições categóricas, etc, podem ajudar a demonstrar a omissão, contradição ou obscuridade de algumas decisões judiciais que precisam ser esclarecidas através dos embargos de declaração.

Por exemplo, os filhos do casal têm legitimidade  e interesse para defender a moradia da família, tem o direito de alegar, mesmo não sendo parte num dado processo, a impenhorabilidade do bem de família, pois ao lado de sua mãe e/ou de seu pai residem no espaço físico objeto de hipotética constrição estatal e, digamos que tenham os filhos do casal manejado um mandado de segurança para obter o respeito ao, em tese, direito liquido e certo à moradia e ao reconhecimento da impenhorabilidade do bem de família.

Há decisões, no sentido de que não caberia mandado de segurança para a discussão sobre ser o bem penhorado de família, ou não, argumentando que a qualquer tempo , por simples petição, o executado pode buscar a declaração de impenhorabilidade  . Ora estamos diante de proposições absolutamente contraditórias.

Vamos à contradição a ser superada: se é possível a qualquer tempo e por qualquer meio buscar a declaração de impenhorabilidade, como afirmam várias decisões, por que a via mandamental não estaria contida na proposição categórica denominada universal afirmativa?

A decisão é contraditória porque há uma inferência imediata  a ser considerada no caso em questão, pois se a jurisprudência afirma que a busca da declaração de impenhorabilidade pode ser feita a qualquer tempo e por qualquer meio, não é possível excluir nenhum meio, nem a via mandamental.

Assim, nesse nosso exemplo hipotético, quando o Estado-Juiz afirma que a qualquer tempo, por simples petição, o executado pode buscar a declaração de impenhorabilidade, mas antes afirma que a via excepcional do mandado de segurança não se presta à discussão sobre ser o bem penhorado de família, ou não , esta configurada significativa contradição lógica.

Afinal, se por qualquer meio  é possível buscar a declaração da impenhorabilidade de bem de família, direito liquido e certo decorrente de norma de ordem pública , o mandado de segurança é também meio, até mais amplo que a simples petição, então como é possível serem as duas proposições categóricas verdadeiras?

Se a qualquer tempo, por simples petição, o executado pode buscar a declaração de impenhorabilidade, que é proposição categórica chamada universal afirmativa  e uma proposição universal afirmativa veicula informação pertinente a qualquer membro da classe mencionada, não é possível excluir o manejo de nenhum instrumento processual, desde a simples petição até os processos mandamentais.

Assim, quando e se o Estado-Juiz afirma que a qualquer tempo e até por simples petição pode o interessado buscar a declaração de impenhorabilidade, não pode o próprio Estado-Juiz e ao mesmo tempo afirmar que num caso particular essa universal afirmativa não se aplicaria, ou nas palavras do Professor Fábio Ulhoa Coelho:

“Se uma proposição categórica é verdadeira, a sua contraditória será falsa e vice-versa. Há contrariedade se a veracidade de uma proposição implica na falsidade de outra. A universal afirmativa é contraditória à particular negativa.” 


Eis um exemplo de verificação de contradição que pode ser demonstrada e atacada via embargos de declaração usando alguns conceitos simples de Lógica Jurídica.

Pelo principio da identidade  o que é, é, o que significa dizer que no interior do pensamento lógico as coisas não podem ser entendidas como um complexo de múltiplos fatores contraditórios, por isso se aquele que tem interesse jurídico e legitimidade pode buscar a prestação jurisdicional, por qualquer meio e a qualquer tempo, não pode “não poder” ao mesmo tempo usar a via mandamental.

E pelo principio da não-contradição nenhuma idéia pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo, ou é verdade que quem em legitimidade e interesse pode buscar a prestação jurisdicional a qualquer tempo e por qualquer meio, ou não é verdadeira tal assertiva. 
Eis um exemplo da utilidade de rudimentar conhecimento de Lógica Jurídica na vida profissional.
Pedro Benedito Maciel Neto, 45, advogado e professor universitário. Sócio de MACIEL NETO E NOGUEIRA DIAS ADVOGADOS E CONSULTORES (www.macielneto.adv.br)

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