Na realidade, não chega a ser surpresa o fato do IPCN se encontrar sob uma direção alinhada com o que denomino de tumbeiro (antigo navio negreiro) que é o racialismo, isto é, a ideologia, crença e ou prática baseada na existência de ‘raças’ entre os seres da espécie humana. Afinal, a quase totalidade dos movimentos negros encontra-se embarcada no racialismo ou como dizem contemporâneos militantes negros e anti-racistas ‘ocupando espaços’. Ocorre que tal ‘ocupação de espaços’ se trata de um sofisma para se fazer conciliação com a opressão racista. A mesma usada pelos desertores dos quilombos durante o período de escravização dos negros.
Tais desertores diziam ‘nós, os escravizados (oprimidos) não temos força para lutar contra os escravizadores (opressores) é melhor ficarmos perto da casa grande, nos submetendo a ser escravos, porém, morando perto deles, na senzala’. Bom, para não alongar, o IPCN foi fundado por cerca de 40 negros unidos a cerca de oito pessoas não-negras em plenos anos de chumbo, período da ditadura militar-fascista (1964-1985) sob inspiração do quilombo de Palmares por conta de seu significado como ‘República Livre e Popular’. Isto é, um exemplo de união dos oprimidos (minorias de brancos e indígenas somadas à maioria negra) em pleno período da opressão escravista.
Sob a retórica de ocupação de espaços é repetida a dicotomia que ocorreu em Palmares quando Zumbi e adeptos divergiram de Ganga Zumba e seguidores. À época, a conciliação significou que os palmarinos deveriam se entregar à Coroa Portuguesa representada pelos mercenários assassinos apelidados de bandeirantes, em troca de suposta liberdade para os anciãos e crianças. A história provou que Zumbi e adeptos estavam certos, pois, a suposta liberdade não ocorreu no século XVII (Zumbi foi assassinado em 20/11/1695) somente ocorrendo uma ‘proclamação’ que ficou conhecida como ‘libertação da escravatura’ em 13/05/1888, ou seja, no século XIX.
No século XX, com o crescimento dos movimentos negros aqui e no exterior ecoou a célebre frase “Racismo e Capitalismo são os dois lados de uma mesma moeda” do maior herói negro e mártir internacional da luta anti-racista, o sindicalista e líder socialista sul-africano Stephen-Steve Bantu Biko (1946-1977). Por isso no século XXI novamente a história da conciliação entre oprimidos e opressores se repetiu. Para tanto, em 2001 quase todos os movimentos negros embarcaram no tumbeiro do racialismo, um paradigma para conciliar racismo e capitalismo, ironicamente criado em uma ‘conferência mundial contra o racismo’ realizada na cidade sul-africana de Durban.
Assim como a quase totalidade dos movimentos negros, o IPCN não assume ter desertado do combate ao racismo, embora corretamente combata o preconceito étnico-racial e no limite também o faça em relação à discriminação étnico-racial. A surpresa na atrasada comemoração do 34º aniversário da entidade está em um ex-presidente ser mestre de cerimônia dos convites. Afinal, ele que foi mui jus anistiado sargento das forças armadas, me leva a lembrar do saudoso e igualmente jus anistiado, o velho comunista e militante negro anti-racista Olympio Marques dos Santos quando dizia “Eu sou comunista, porém, reconheço que ele (tal ex-presidente do IPC) tem alguns posicionamentos políticos-ideológicos à minha esquerda”.
Recorro a um aprendizado na seção brasileira da Corrente Marxista Internacional (CMI) a corrente intra PT, Esquerda Marxista, pois, ainda existem muitas autoproclamações de militância de esquerda, socialista, comunista, revolucionária, etc. “O critério da verdade é a prática” do genial filósofo Karl Marx (1818-1883). Não por outra, recentemente debati com um ex-guerrilheirista de ‘esquerda’ (ex-adepto do sectário por isto elitista e equivocado método esquerdista de guerrilhas sem a participação do povo trabalhador) que nessa época sentenciava “a luta anti-racista dos negros é secundária”. Hoje ele defende as cotas universitárias ‘raciais’ para negros.
Por isso, não pode ser surpresa um contemporâneo militante negro e anti-racista dos idos da fundação do IPCN ser membro do governo do alcaide carioca, um ‘proletário negão suburbano e anti-racista’. Porque, de fato o titular de CEPPIR sempre proclamou ser um militante negro e anti-racista adepto das teses apelidadas de afro-estadunidenses, comumente ditas afro-americanas. Ele jamais mencionou a célebre frase de Steve Biko “Racismo e Capitalismo são os dois lados de uma mesma moeda”.
Coerente com a luta anti-racista que aprendi no próprio IPCN enquanto um dos 48 fundadores. Cito uma frase de Leon Trotsky (1879-1940) no livro Nacionalismo Negro: A luta anti-racista dos negros no continente africano e diáspora é específica, estratégica e indissociável da luta de classes, um dever de solidariedade concreta para o autêntico militante socialista; independentemente da cor de pele. Como não fui convocado sequer convidado para assistir ao evento. Por fim, considero inoportuno ser repetitivo, apresentando perguntas, propostas e ou reivindicações. Afinal, além de ser as mesmas públicas e notórias do Movimento Negro Socialista (MNS) ao qual pertenço, infelizmente não estarei presente ao evento a realizar-se na sede social do IPCN na noite desta 6ª feira, 24/07, por motivos óbvios.
*jornalista – membro da coordenação nacional do MNS.