"É preciso sermos muito duros, muito estritos, não podemos admitir sob nenhum conceito que alguém se ache no direito de poder derrubar um governo legitimamente eleito pelo povo", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a crise hondurenha, em entrevista radiofônica que concedeu nesta terça feira (8) em Paris.
Lembrando que a América Latina já sofreu demais com os golpes de Estado das décadas de 1960 e 1970, Lula declarou enfaticamente: "Não vamos permitir que isso ocorra de novo".
Admirável. Pena que não ocorresse a quem o entrevistava a pergunta óbvia: qual vai ser a atitude que ele próprio tomará para impedir essa reincidência golpista extemporânea?
Pois está cada vez mais claro que os EUA não querem arcar com o ônus de compelirem a Organização dos Estados Americanos a adotar medidas mais enérgicas.
Qual é a segunda grande liderança da OEA? O Brasil de Lula, claro, já que o México ainda não decidiu o que quer ser na vida: um país com voo próprio ou um satélite político dos EUA, em cuja órbita já oscila em termos econômicos.
Então, se a parada tiver de ser resolvida pela força, com o envio de tropas da OEA para garantir a devolução do poder ao presidente deposto Manuel Zelaya, a iniciativa de transformar as palavras em atos cabe a Lula. Aconselho as redes bolivarianas a lhe cobrarem isto.
A hipótese de um desfecho menos duro do que o pregado na retórica de Lula seria uma pressão estadunidense nos bastidores que funcionasse. Foi o motivo da reunião que Zelaya manteve com a secretária de Estado Hillary Clinton.
Pode resultar, se Barack Obama empenhar-se realmente neste sentido. Países pobres têm muito a perder antipatizando-se com o mandatário da principal economia do mundo.
O resultado visível da reunião foi a indicação do presidente costarriquenho Óscar Arias para atuar como mediador entre Zelaya e o seu substituto ilegítimo Roberto Micheletti.
Mas, o cacife do Arias é unicamente moral; depende dos EUA lhe fornecerem os trunfos de que necessitará para levar a bom termo sua missão.
Da boca para fora, o desempenho de Obama é convincente. Em visita oficial a Moscou, afirmou:
"Os Estados Unidos apoiam a restituição do presidente democraticamente eleito de Honduras, apesar de ele ter fortemente se oposto a políticas americanas.
"Nós o fazemos não porque concordemos com ele, mas porque respeitamos o princípio universal segundo o qual as pessoas devem escolher os seus próprios líderes, quer concordemos com eles ou não."
Os próximos acontecimentos nos informarão se as convicções de Lula e Obama são sinceras ou não passam de conversa pra boi dormir.
No caso de tudo isso falhar, uma cartada interessante para Zelaya seria voltar de surpresa a Honduras, a fim de que o prendessem e as duas organizações (OEA e ONU) fossem obrigadas a mostrar para que servem. Já que ele andou citando tanto Gandhi, esta seria uma linha de ação bem ao estilo do Mahatma.
O que não pode é esperar demais.
Como enxadrista que sou desde criança, tenho o hábito mental de sempre considerar as jogadas possíveis dos dois lados. O governo golpista hondurenho tem também uma carta poderosa para jogar: a antecipação das eleições.
Isto criaria um fato consumado capaz de desestimular reações da comunidade internacional, que já denota mais vontade de discursar que de agir.
O chanceler Celso Amorim diz esperar que a situação em Honduras se resolva "nos próximos dias ou semanas", argumentando:
"Honduras é muito dependente da ajuda dos Estados Unidos, do Banco Mundial e de petróleo. Esse novo governo não tem possibilidade de durar dois ou três meses".
Que Zelaya não o ouça. Pois suas chances de voltar ao poder também não devem durar dois ou três meses. O tempo corre contra ele, com a situação tendendo a acomodar-se a cada dia que passa. Os próximos movimentos serão decisivos.
* Jornalista e escritor, mantém os blogues
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/
http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/