O fundo da questão tem como fato o seguinte: A quase totalidade dos movimentos negros tem ‘vergonha’ de assumir que não pretende combater o racismo, uma vez que a opressão racista sobre os negros é específica, estratégica e indissociável da luta de classes. Ou seja, essa quase totalidade de movimentos negros tem consciência de que, para combater o racismo, é necessário ao mesmo tempo combater o capitalismo. Isto é, combater a burguesia que, no Brasil enquanto classe social exploradora, opressora e dominante, é inteiramente branca. Ocorre que até agora, todas as leis ‘raciais’, isto é, baseadas na ideologia e ou crença fundamentalista da existência de ‘raças’ entre os seres da espécie humana, têm sido propostas exatamente pela branca burguesia brasileira.
Haja vista, não é somente o EIR que é originalmente proposto pelo já mencionado ‘nobre senador anti-racista’ do PMDB. Também é o caso das cotas universitárias ‘raciais’ para negros e indígenas, isto é, o PLC 180/2008 vem a ser o substitutivo do PL 73/1999 da então deputada federal Eunice Lobão (DEM-MA). Ela é igualmente burguesa, branca e ‘anti-racista’ como o senador do PMDB, só que mais ousada que ele, pois, pretende entrar na História como a ‘princesa Isabel do século XXI’.. Por isso, em meio ao pomo de discórdia digo aos debates sobre o polêmico EIR durante a II CONAPIR, o coordenador nacional de organização do MNU questionou irritado “o MN brasileiro e a população negra (sic) querem um EIR pra valer, ou uma lei só para inglês ver?”
Então, prosseguindo o irritado dirigente do MNU afirmou “Com exceção da posição da elite branca racista, todo o MN e os democratas brasileiros defendem que não existem democracia racial no país e que o fosso social provocado pelo escravismo e pelos mais de 100 anos de racismo, deve ser combatido (sic) com ações afirmativas (sic) ou compensatórias (sic), para reduzir estas diferenças”. De acordo com ele, nacionalmente o MN é unitário (sic) na defesa das Cotas para negros nas universidades (PLC 180/2008), no mercado de trabalho e serviço público (PL 6264/2005) bem como na defesa do reconhecimento, demarcação e titulação das terras remanescentes de quilombos, como fundamental para o progresso da população negra no país; enfatizou.
No entanto – prosseguiu - apesar dessa unidade antes contemplada no EIR, há divergências sobre sua forma, conteúdo e método de aprovação, por pecar na conceituação do racismo, ao repetir a fragilidade da Lei Caó (Lei 7116/1989) que é pouco abrangente e desqualifica o seu enquadramento nas delegacias e em Juízo onde o crime de racismo é sistematicamente reduzido à pena mais branda como a de injúria racial; salientou. Continuando suas duras críticas, ele afirmou que o EIR não é impositivo, ou seja, não tem força de Lei, acarretando em não obrigar o governo e ou o estado a implementá-lo, inclusive porque não há verba orçamentária prevista para sua execução. Em outras palavras, fica à mercê das politicagens eleitoreiras ou da boa vontade do governante de plantão; ressaltou.
Assim, o dirigente do MNU que é conhecido por seu sectarismo atacou um aliado das leis ‘raciais’ o ministro da Secretaria Especial de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) Edson Santos acusado de comprometer o sucesso do EIR ao negociar seus pressupostos iniciais com a direita no Senado e Câmara dos Deputados, dentre os quais, o DEM, PMDB, PSDB e ruralistas que – segundo o dirigente do MNU – condicionam a aprovação do EIR à retirada de itens como as Cotas para negros e o direito das populações quilombolas à titulação de terras; denunciou. Daí nessa sectária linha meramente denuncista, o dirigente do MNU passou ao seu costumeiro linguajar de insultos a tudo e todos que ele considera inimigos das leis ‘raciais’.
Por isso, além de dirigir ao coordenador nacional do Movimento Negro Socialista (MNS) Miranda nova injúria étnico-racial por chamá-lo de ‘pretinho língua de aluguel’ ele incluiu neste rol o integrante da Comissão de Assuntos Antidiscriminatórios da OAB-SP, o histórico militante do MN, o advogado Militão. Por fim, o aludido dirigente do MNU também injuriou dois movimentos negros da Amazônia brasileira, o dos Mestiços Amazonenses e o Fórum Afro (FORAFRO) ao considerá-los ‘organizações que ninguém reconhece qualquer representatividade’. Um dirigente gaúcho do próprio MNU divergiu do colega, se reportando ao XVI Congresso nacional da entidade, realizado em Itapecerica da Serra (SP), de 10 a 14 de junho passado.
Essa divergência é extensa assim como a nota de esclarecimento da SEPPIR sobre o EIR na qual refuta as críticas e os ataques sofridos. Por falta de espaço, ambas vão ficar para um próximo texto. O que não impede de lembrar que recentemente a Agência Senado retirou do ar a enquête “Em sua opinião qual seria a melhor opção para a adoção do sistema de cotas para as universidades públicas” que registrou os seguintes números: 54,50% não concorda com o sistema – 39,20% concorda apenas com o sistema de cotas sociais (para alunos oriundos de escolas públicas) e ínfimos 06,289% concorda com o sistema de cotas ‘raciais’. Isso significa que a população rejeita as leis ‘raciais’ como esse hediondo e pessimamente denominado Estatuto da Igualdade ‘Racial’.
Concluindo, as reivindicações do MNS em contraposição ao EIR: Escolas e universidades públicas gratuitas e de excelência na qualidade para todos e todas, idem a tudo que se relacione à saúde incluso os casos de calamidade social de anemia falciforme, reforma agrária de fato com o imediato assentamento de 350 mil famílias de sem-terras inclusive titulação para as comunidades remanescentes em quilombos, Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 respectivamente História & Cultura Afro-brasileira e Indígena, aplicadas por graduados de todas as vertentes do pensamento didático-pedagógico – aperfeiçoamento da Lei 7716/1989 ao tipificar o racismo como crime inafiançável e imprescritível. Isto é, as delegacias (civil quiçá da PF) passando a ter um setor especializado de plantão diário para registro das ocorrências, no qual seja obrigado a contar no mínimo com advogado, antropólogo e sociólogo.
*jornalista – é membro da coordenação nacional do MNS.