As lutas do MNS versus AAs e leis 'raciais'!

Com este texto respondo – e encerro - três provocações que me fizeram para o democrático, salutar e imprescindível debate de idéias: 1º foram as de um contemporâneo militante do movimento negro (MN) no Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), sendo ele atualmente diretor do Centro de Pesquisas Criminológicas do Rio de Janeiro (CEPERJ). 2º as de outro contemporâneo militante do MN, sendo ele membro da Comissão de Assuntos Anti-discriminatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP). 3º as de um jornalista que nunca foi (não é preciso ser negro para isto) militante do MN; muito pelo contrário, quando foi sectário guerrilheirista de ‘esquerda’ ele discriminava a luta anti-racista ao classificá-la como ‘secundária’.

A preliminar para o debate deve ser a fundamentação clara de conceitos. Assim, no Brasil só não há a segregação, intolerância ou ódio étnico-racial definido em lei como ocorreu no sul dos EUA e na ex-África do Sul a atual Azânia (lei Apartheid). Conceituo: Racismo é a ideologia de dominação (opressão) de uma classe social e ou povo sobre outro que é praticada (imposta) pela diferenciação étnico-racial. Discriminação Étnico-racial é o fato social comum em uma sociedade onde viceja o racismo. Preconceito Étnico-racial é a deturpação de valores proveniente do racismo. Então, considero desnecessário dizer porque o Movimento Negro Socialista (MNS) adotou como slogan “Racismo e capitalismo são as duas faces de uma mesma moeda”.

Reafirmo que agravado pela ideologia e ou crença fundamentalista da existência de ‘raças’ entre os seres da espécie humana, que é o racialismo, a quase totalidade dos MNs é coerente apenas ao afirmar que combate (corretamente diga-se de passagem) o preconceito étnico racial – no limite e acertadamente, combate a discriminação. Ao treplicar a réplica do aludido jornalista intitulada ‘Sectarismo e divisionismo atrapalham MN num momento decisivo’ ponho fim à polêmica. Afinal, ele que fôra oportunista, desta vez se valeu da função de editorialista para ‘exigir’ do jornal O Rebate sua réplica na mesma edição. Nela ele ‘explicou’ seu giro ideológico, de ex-guerrilheirista de ‘esquerda’ para pragmático. De fato, ele parece mais com Bukharin, que com Stalin.

É deslavado o oportunismo dele ao considerar já como conquista do MN a lei ‘racial’ de cota universitária para negros. As conquistas do MN são: A Lei 7716/1989 (Lei Caó) que obviamente deve ser complementada, isto é, as delegacias da polícia civil quiçá da Polícia Federal devem ser equipadas com um setor especializado. Nele os plantões diários devem contar obrigatoriamente, no mínimo, com advogado, antropólogo e sociólogo para os registros das ocorrências. Haja vista, a Lei 7716/1989 tipifica racismo como crime inafiançável e imprescritível, prevendo cadeia para pessoa racista de até cinco anos. Afinal, para tanto é necessária que a vítima do racismo, junto com duas testemunhas, faça o registro em boletim de ocorrência em uma delegacia.

Outra conquista do MN é a Lei 10.639/2003 que vem sendo aplicada, porém, reafirmo que ela só será efetivamente democrática quando os cursos de capacitação dos professores dos ensinos fundamental e médio forem ministrados por graduados de todas as vertentes do pensamento didático-pedagógico. Isso, porque tal Lei obriga escolas públicas e particulares dos mencionados níveis do ensino a ter em seus currículos a disciplina História, Culturas e Lutas dos negros no continente africano e países da diáspora como o Brasil. Essa Lei foi complementada pela Lei 11.645/2008 instituindo também como obrigatória nos currículos escolares história e as culturas dos povos indígenas; passando a denominar-se História e Cultura Afro-brasileira e Indígena.

AAs e leis ‘raciais’ não são a mesma coisa, porém ambas não são anti-racistas porque são pró-capitalismo!     

Agradeço ao contemporâneo companheiro de MN o advogado Militão pela informação de que AAs foram iniciadas em 1960 nos EUA pela parceria Luther King-presidente John Kennedy, embora só viesse a tornar-se doutrina jurídico-filosófica em 1971 através do livro intitulado “Uma questão de Justiça”  de autoria do liberal juris-filósofo estadunidense John Ralws. Não obstante, em resposta conclusiva aos companheiros de MN Militão e Oliveira, reafirmo que AAs são similares da doutrina denominada pragmatismo, do filósofo estadunidense  Charles Sanders Pierce (1839-1914). Haja vista, ideologicamente se equivalerem, pois, tanto AAs quanto o pragmatismo não têm como fundamento o propósito de se opor à propriedade privada dos meios de produção.

Isso, aliás, foi compreendido pelo herói negro e mártir internacional da luta anti-racista Steve Biko (1946-1977) ao pronunciar a célebre frase ‘Racismo e Capitalismo são os dois lados de uma mesma moeda’. Reafirmo, apesar de ainda não existir literatura formalizando Biko como tal, ouso dizer que ele se baseou em Marx (1818-1883) e Trotsky (1879-1940) ao pronunciar a mencionada célebre frase. Da mesma forma, compreendo fraternalmente que ambos companheiros de MN democraticamente divirjam de mim quando afirmo que para um militante ou uma militante se declarar anti-racista, ao mesmo tempo é necessário o fazer como anticapitalista. O que sei, não são os casos dos dois estimados companheiros de MN. Espero tê-los esclarecido, pois, não confundo AAs com leis ‘raciais’.

A propósito, são os próprios defensores de AAs que afirmam “elas têm sido aplicadas em todo o mundo, apenas não pode ser em razão da ‘raça ‘, elas devem ser aplicadas em razão da existência ou não de discriminações, pois, visam neutralizar atos que desigualam, buscando assegurar a ‘igualdade’ de tratamento e de oportunidades”. Ocorre que nas sociedades estruturadas na propriedade privada dos meios de produção, isto é, capitalistas a desigualdade de tratamento e de oportunidades são valores absolutos, praticamente dogmas. Ou seja, o capitalismo nunca foi solução sequer para – por exemplo – as questões social, humanista e vital do pleno emprego (para todos e todas). Daí porque afirmo que AAs e leis ‘raciais’ não são anti-racistas, sendo ambas pró-capitalismo.

Por fim, para nós do MNS são essas as reivindicações mais sentidas pelas grandes massas negras do povo trabalhador: Escolas e universidades públicas, gratuitas e de excelência na qualidade para todos e todas – idem a tudo que se relacione à saúde incluso a calamidade pública que ocorre de anemia falciforme, reforma agrária de fato com os imediatos assentamentos de no mínimo 300 mil famílias de sem-terra inclusa a titulação para as chamadas comunidades remanescentes em quilombos e fim da violência policial, principalmente nas áreas mais pobres por ser as ‘coincidentes’ dos negros; haja vista as apelidadas mortes por balas perdidas (nacionais) e fim da ocupação militar do Haiti com o conseqüente e imediato retorno das tropas brasileiras, liberdade para o jornalista, militante-negro e anti-racista estadunidense Múmia Abul Jamal e um tribunal internacional autônomo para o julgamento dos genocídios que são vitimados povos negros em diferentes países e regiões do continente africano.

*membro da coordenação nacional do MNS.       
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