1) "O militante que outrora se proclamava marxista-leninista" (isto é, eu) já quando participante da resistência à ditadura militar era um ferrenho anti-stalinista, tendo sido responsável pela caracterização da URSS como potência que priorizava os próprios interesses em detrimento dos da revolução mundial, no programa da Vanguarda Popular Revolucionária aprovado no congresso de Mongaguá (abril/1969).
Como redator do capítulo de Política Internacional, eu avaliei que a revolução brasileira nenhuma ajuda poderia esperar da União Soviética, exatamente por causa do seu desvirtuamento stalinista. Cheguei a tal conclusão lendo Isaac Deutscher, principalmente a trilogia dos Profetas e A Rússia Depois de Stalin. Além, é claro, da evidência factual fornecida pela repressão da Primavera de Praga.
Isso está relatado no meu livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial, 2005), para quem quiser conferir. Foi um posicionamento sem similar na esquerda da época -- e que, à luz dos acontecimentos posteriores, revelou-se correto.
2) A simples releitura do meu artigo é suficiente para derrubar as afirmações inverídicas e sem nenhum fundamento sobre eu estar pregando a conciliação entre capitalismo e racismo. Parece que o Sr. Almir da Silva Lima não entendeu direito o que leu, mas os leitores de O Rebate certamente entenderão:
"...meu ponto-de-vista continua sendo o de que as cotas, mesmo significando um avanço (e devendo, portanto, ser defendidas e mantidas), nunca passarão de um paliativo, pois a verdadeira solução passa também pela igualdade de oportunidades no mercado de trabalho e na sociedade, bem como pelo melhor direcionamento dos esforços de todos, negros e brancos.
"Entre os partidários da competição insensível entre seres humanos movidos pela ganância e os cidadãos decentes que procuram minorar as mazelas do capitalismo, eu me alinharei sempre com estes últimos. Mas, sem ilusões: as injustiças só serão realmente erradicadas quando o bem comum prevalecer sobre os interesses individuais, numa nova forma de organização social".
3) Quando abordo uma questão em artigo, é porque já estou suficientemente esclarecido sobre ela. Então, minha participação no tal encontro para o qual o Sr. Almir me convidou seria inútil e, provavelmente, conflituosa.
4) O manifesto dos 113 tolos pomposos se baseia claramente na argumentação do livro Não Somos Racistas, de Ali Kamel. E foi para não ficarem antipatizados com o Kamel, diretor de jornalismo da Rede Globo, que alguns cidadãos com passado respeitável se colocaram, provavelmente a contragosto, na companhia do arquirreacionário Reinaldo Azevedo, como signatários do papelucho elitista.
5) Com todo esse blablablá sectário, o Sr. Almir não percebe o óbvio ululante, então vou explicar-lhe tintim por tintim.
Outros negros (que não os da corrente minoritária à qual ele pertence), após uma luta de décadas, conseguiram arrancar uma pequena concessão do capitalismo: o ingresso em cursos universitários aos quais não chegariam unica e tão-somente por não poderem bancar os melhores cursinhos. No entanto, uma vez conquistada a vaga, estão mostrando desempenho equivalente ao dos estudantes brancos.
A presença dos negros nas universidades públicas certamente reforçará o contingente dos estudantes que, por sua própria vivência, serão mais sensíveis às agruras do povo brasileiro e mais propensos a lutarem para erradicá-las, daí a sanha furibunda com que os reacionários estão combatendo esta pequena conquista.
Ao invés de juntar-se aos direitistas para fechar essa brecha, o tal Movimento Negro Socialista deveria é lutar para que ela fosse alargada, de forma que pudessem entrar nas universidades públicas outros estudantes pobres (inclusive os brancos), independentemente de vestibulares distorcidos pela máfia dos cursinhos e seus artifícios para desequilibrar a disputa em favor dos que podem pagar as caríssimas mensalidades por ela cobradas.
É pena que uma pirraça entre tendências do movimento negro esteja atrapalhando a luta para preservar essa conquista obtida a duras penas.
Vale também lembrarmos que uma nova derrota dos movimentos sociais só servirá para reforçar a ofensiva reacionária que hoje se articula em torno do Supremo Tribunal Federal de Gilmar Mendes.
E é exatamente por estarmos próximos do julgamento, no STF, das duas ações de inconstitucionalidade das cotas raciais em favor das quais os 113 tolos pomposos fazem seu repulsivo lobby, que o divisionismo deve ser mais enfaticamente repudiado.
Já que o Sr. Almir fez tanta questão de citar o Trotsky, é oportuno recordarmos o tratamento que o grande revolucionário russo deu a Zinoviev e Kamenev, quando estes, por discordarem da decisão do Partido Bolchevique de tomar o poder em outubro/1917, foram denunciá-la na imprensa burguesa, com o risco de alertar o inimigo sobre o que se planejava: mandou-os para a lata de lixo da História, qualificando-os de "fura-greves da revolução".
* Jornalista, escritor e ex-preso político, mantém os blogues
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