O magistrado também se apresentou como escritor além de mestre em Direito e professor especialista em políticas públicas e de governo. Ele afirmou que apenas a experiência viva permite compreender bem uma situação. Porém, ele não defendeu a política universalista de escolas e universidades públicas, gratuitas e de excelência na qualidade para todos e todas. Ao trocar de lado, o juiz recorreu a um dos autores (o promotor Roberto Lyra) do Código Penal de 1940 quando recomendava aos colegas de Ministério Público “Antes de se pedir a prisão de alguém deveria se passar um dia na cadeia”. Por isso, ele disse que não usaria argumentos técnicos nem jurídicos.
Na tentativa de justificar sua mudança de lado, o juiz que se considera ‘guru dos concursos’ repetiu a figura de retórica ‘passar um dia na cadeia’. Isto é, o magistrado ‘caucasiano louro de olhos azuis’ se referiu com preconceito ao fato dele há nove anos proferir palestras gratuitamente para negros e carentes no pré-vestibular da Educafro (ONG financiada por verbas internacionais) a respeito da forma eficiente de aprovação e classificação no vestibular.. Daí – prosseguiu - apesar de contrário a um pré-vestibular ‘para negros’ aceitei convite para lecionar como voluntário na mencionada ONG onde sempre foi complicado explicar minha antiga opinião contra cotas para negros, porém, fazia minha parte dando aulas, doando livros como forma de incentivo.
Nessa convivência – continuou ele – descobri que ser pobre é um problema, ser pobre e negro, um problema maior ainda. Dizendo-se exemplo de pessoa que superou barreiras, o magistrado revelou ter sido pobre quando menino, ‘remediado’ quando adolescente porque o pai foi lavrador até os 19 anos de idade e a mãe operária de ‘chão de fábrica’. Segundo ele o caminho foi longo e difícil, mas chegou a juiz federal, fez palestra para 750.000 pessoas e vendeu 350.000 livros. O juiz mencionou como seus heróis o ministro do STJ Benedito Gonçalves e a colega-juíza federal Angelina Siqueira, por ambos lhe ter aberto ‘a picada no matagal por onde passou’. O magistrado afirmou conhecer outros heróis negros, do STF à portaria do edifício onde reside.
O juiz salientou que a sociedade não tem que exigir heroísmo de cada criança pobre e negra, afirmando que a filha dele que também é loura e de olhos azuis, estuda há três anos em um colégio sem ao menos um negro, onde há brinquedos, professores bem remunerados e aulas de tudo. Já com a mesma idade a filha da empregada doméstica dele – ressaltou – ao contrário, entrou só neste ano para uma escola, que não tem professores, tendo carteiras e banheiro quebrados. Ainda segundo o juiz, a filha dele tem psicóloga para orientá-la ante a separação dos pais, foi à Disneylândia e tem aula de balé; enquanto a outra não tem nada disso, mora em uma casa com quintal de barro, com viagens mais curtas – porém ele a ajuda tanto quanto pode; esclareceu.
Depois de todo relato ser feito sob um tom paternalista, o magistrado disse crer no Senhor e que Deus quer que nossas mãos sejam usadas para fazer a justiça divina, ele então rogou a aprovação pelo Congresso Nacional do PLC 180/2008. De acordo com o juiz, na sociedade todos aceitam cotas para deficientes físicos, sendo necessário – enfatizou – conceder agora igualdade de oportunidade aos negros e aos pobres oriundos de escola pública. Para o magistrado a sociedade não pode ter tanta paciência para resolver a discriminação (étnico) ‘racial’ que existe na prática, sendo necessário dar saltos em direção a políticas de ações afirmativas de uma nova realidade, ao invés de rastejar, vislumbrando-a longinquamente; clamou o juiz federal carioca.
Dizendo respeitar as opiniões contrárias às suas somente das pessoas que com ele passarem um dia ‘na cadeia’ o magistrado mais uma vez se expressou com preconceito “Vendo e sentindo o que vocês verão e sentirão naquele meio, ou vocês sairão concordando conosco, ou pelo menos sem tanta convicção contrária ao que estamos querendo: Igualdade de oportunidades”. O juiz concluiu voltando a citar um dos autores do Código Penal de 1940, o promotor de justiça Roberto Lyra “O sol nascerá para todos. Todos dirão na 1ª pessoa do plural nós, não, eu na 1ª pessoa do singular. E amarão ao próximo por amor próprio. Cada um repetirá: Possuo o que dei. Curvemo-nos ante a aurora da verdade dita pela beleza, da justiça expressa pelo amor”.
Juiz federal não mudou de lado, continua fiel à burguesia na defesa das não-solucionáveis AAs!
O juiz não mudou de lado nada. Ele continua fiel à sua classe social, sendo coerente na defesa das não-solucionáveis Ações Afirmativas (AAs). Estas, por sua vez, são o significado da doutrina burguesa apelidada de pragmática, que consiste no conjunto de idéias do conservador filósofo estadunidense Charles Sanders Pierce (1839-1914). Não é por acaso que tal magistrado utilize uma retórica tão paternalista em relação aos pobres e os negros, sendo ele da burguesia. Haja vista, ele ter iniciado seu discurso, digo texto, caracterizando-se um burguês internacional, preconceituoso e discriminador “sou um caucasiano louro de olhos azuis”. A surpresa é a de que para ele estar ‘na cadeia’ seja dar aulas gratuitas para os pobres e os negros.Haja vista, também através de textos publicados recentemente em O Globo, dois jornalistas burgueses afirmaram que AAs são o paradigma para a conciliação do capitalismo com racismo. Em outras palavras, os dois jornalistas e o magistrado federal carioca sabem o que estão falando. Eles estão afinados com a quase totalidade dos movimentos negros brasileiros quando defendem AAs disfarçadas por apelidos de cotas ‘raciais’ ou sociais (PLC 180/2008), discriminação positiva (sic), reparação, indenização e ou estatuto seja o civil ou o mal-denominado de igualdade ‘racial’ (PL 6264/2005). Este baseado no hediondo critério da crença em ‘raças’ humanas (racialismo) propõe reservar vagas em concursos públicos e no mercado de trabalho.
Propugno otimizar permanentemente a política universalista de Escolas e Universidades públicas, gratuitas e de excelência na qualidade para todos e todas. Paralelamente para combate ao racismo complementar a Lei 7716/1989 (Lei Caó) que tipifica racismo como crime inafiançável e imprescritível, com cadeia para pessoa racista de até cinco anos. Isto é, que as delegacias da Polícia Civil, quiçá da Polícia Federal, passem a contar obrigatoriamente com setor especializado (tendo no mínimo advogado, antropólogo e sociólogo) para registro das ocorrências.
*jornalista – membro da coordenação nacional do Movimento Negro Socialista (MNS).