Nunca pensou que fosse capaz de amar tanto uma outra criatura. Trocou suas fraldas, deu-lhe banho morno, fez aviãozinho com a colher para que ele se alimentasse melhor, beijou seu dodói, lutou contra sua febre, fez-se criança outra vez para que ele se divertisse com os brinquedos recém comprados. Levou-o pela mão para a pracinha, para a escola, para o mundo do outro lado do muro, sempre pressurosa em protegê-lo dos perigos da rua.
Mas o menino cresceu. Quando se deu conta, não mais podia pegá-lo no colo – e nem ele, provavelmente, aceitava mais aquela descabida manifestação de carinho. Queria caminhar com as próprias pernas, fazer as próprias descobertas, desvendar o mundo sem ajuda. Os pais raramente têm passaporte para visitar o país da adolescência. Os beijos e os abraços escassearam. A comunicação tornou-se difícil. Quando ele saiu sozinho pela primeira vez, ela certamente não dormiu. Depois, conformou-se em chorar em silêncio, porque começou a entender que aquele amor incondicional esvaía-se de seu coração como a areia escorre entre os dedos da mão.
Um dia ele voltou diferente, transformado, como se tivesse sido enfeitiçado por uma bruxa má. Ela não o reconheceu. Nem ele a identificou mais como aquela que lhe dera a vida e lhe dispensara o maior afeto que um homem pode receber. Sem compreender a dimensão do abismo que se abrira entre eles, ela continuou a amá-lo. Tentou se aproximar e foi repelida. Tentou acordá-lo para a realidade e foi maltratada. Ainda assim, persistiu até o limite de suas forças. Mas aquele jovem transtornado não era mais o filho querido. Era outra pessoa, um estranho, uma ameaça, um ser de pedra, cérebro e coração enrijecidos pela droga.
Então, a tragédia se completou. Não a tragédia da mitologia grega, Hera e Hefesto, mãe e filho envolvidos num conflito simbólico de amor e ódio. A nossa tragédia moderna não faz sentido, perturba, horroriza. Uma mãe desesperada, um filho ensandecido, uma arma.
Uma mãe e sua dor. A maior dor do mundo.