O que pouca gente percebe é que o caso dos pneus usados é “bode expiatório” de outros interesses inconfessáveis, já que o reconhecimento do direito de veto por portarias do Secretário de Comércio Exterior, se validado por nossa Corte Suprema, não poderá ser contestado no Judiciário por importadores de outras mercadorias. Na ADPF 101, que tem voto da Ministra Carmen Lúcia favorável a Barral, o pedido é de declaração de constitucionalidade da competência da Secretaria de Comércio Exterior legislar por portarias. Na prática isso significa dar a uma autoridade subalterna mais poder do que tem o Presidente da República, com suas Medidas Provisórias. Estas, ao contrário das portarias, precisam de convalidação do Congresso Nacional.
Tem sido comum o indeferimento de licenças de importação de outras mercadorias, sempre que a Secex não concorda com os preços declarados nas operações comerciais, sem dar qualquer direito de defesa aos importadores. Quando questionada na Justiça, a aludida Secretaria alega que o comércio exterior é dinâmico e requer instrumentos normativos mais ágeis, que nem sempre as leis oferecem. Há uma divisão de opiniões entre os magistrados: uns creem que o Estado tudo pode, mesmo por portarias, e outros submetem a vontade do Secretário de Comércio Exterior à Lei. Portanto, ao julgar o caso dos pneus usados, o Supremo Tribunal Federal poderá legitimar a República das Portarias, já que a proibição aos pneus usados jamais foi disciplinada por leis, apenas por aquelas.
Com o que Barral não contava, fato que pode estar atrasando o julgamento do caso dos pneus usados, é que a tese ambiental do Governo ficou fragilizada depois que os fabricantes de pneus novos, tradicionais aliados na cruzada contra os reformadores de pneus usados, obtiveram do Supremo Tribunal Federal a decisão de não mais coletar e destinar pneus inservíveis na proporção da produção nacional de pneus novos, como manda a legislação, sob o argumento de que os pneus inservíveis não existem. Saiba o leitor que os produtores de pneus novos respondem por 90% do passivo anual de pneus.
Logicamente os Ministros do Supremo Tribunal Federal sabem que a dinâmica do comércio internacional ou qualquer outra dinâmica não pode atropelar princípios como os da legalidade e da participação democrática por leis votadas, aprovadas ou rejeitadas, o que não ocorre com as portarias da Secex. O Executivo Federal, usando o caso dos pneus usados como bode expiatório, quer este cheque em branco assinado pelo STF para legitimar a ditadura. Quem proíbe pneu, proíbe qualquer outra mercadoria e protege qualquer feudo, como o das multinacionais dos pneus novos.
* O autor é especialista em Direito e Negócios Internacionais e Mestre em Gestão Ambiental.