(Clarice Lispector in Aprendendo a Viver)
Não invista em minhas fraquezas, elas podem adquirir poder e se desenvolverem , crescendo como uma bola de neve e esmagando o que há de potência criativa, ainda que excêntrica e de funcionamento peculiar, talvez codificado transcendendo a linguagem socialmente aceita e usualmente utilizada.
Nietzsche escreve a um amigo sobre suas impressões do livro Memórias do subsolo (Dostoiévski, 2000): “A voz do sangue (como denominá-lo de outro modo?) fez-se ouvir de imediato e minha alegria não teve limites”.
O frio da angústia dilacera o peito num outono mortífero de tremores inexoráveis, indigentes resquícios de vida nos intermédios de um acaso irrevogável da existência que se faz imposta e autocraticamente veemente, torturando arfantes suplícios de liberdade e energias condensadas, sincretizadas em fractrais mentais.
"Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal."
(ibid.)
A noite nefasta invade novamente meu recanto, 'urubserva-me' por entre as grades indesejadas do destino através da janela. Nunca dá paz e sossego. Vá-te embora, negra maligna! Deixa-me! Não preciso trevas externas quando o interior já se mostra por demais obscuro e sibilino. Ânsia por luz, calor, brilho interior e cristalino. O restante é totalmente dispensável. Sem embargo, hei de sucumbir... Soníferos, pra que vos quero?!
"Se o meu mundo não fosse humano, também haveria lugar para mim: eu seria uma mancha difusa de instintos, doçuras e ferocidades, uma trêmula irradiação de paz e luta...(...)Antes o sofrimento legítimo que o prazer forçado."
(ibid.)
Pois eis meu mundo, o semi-humano. Sinto-me separada de tudo e todos por uma camada de cinco km de espessura de puro vácuo.
"Como se sabe, somente a morte é grátis. (...)nesses tempos de provação, restam duas perspectivas, vê-los todos juntos e morrer em liberdade."
(Freud. In "Psicanálise, Literatura e Estéticas de Subjetivação", org .Giovanna Partucci)
A sensibilidade inteligente talvez seja um dom, que pode ser atrofiado se desmotivado ou aperfeiçoado se praticado com dedicação, podendo chegar a constituir um coração inteligente, minha grande meta na vida. Sinto tanta angústia, sofrimento, exaustão, lágrimas ardentes de sangue escapam da alma a seu arrepio. Tremo a vigília e o agir a cada segundo. Dói, que é isto a acontecer? Pressão forte, contundente em sensação quase sólida e implacável sem defesas.
"Que o pensamento seja lançado como uma pedra por uma máquina de guerra "
(Deleuze)
Essa carne e osso e coisinhas mais me causa tanta estranheza. Eu poderia jurar que esse corpo não é meu. Mas de quem seria? Alguns transmitem paz e suavidade, outros estresse e correria, outros ainda alegria e energia; também há aqueles que, como eu, possuem a sensação de nada transmitir...
"Somos de carne, mas temos de viver como se fôssemos de ferro."
(Freud)
Uma vida é uma prisão, uma temporada para existir em apenas um corpo, com apenas um tipo de sangue, um só aniversário para cada ano, uma só família, apenas um cabelo, uma voz e não mais que uma impressão digital e uma ânsia de ser o que seria mas não é, de amar o que amaria mas não existe, de viver o que viveria e nunca acontece, uma ânsia infinita, de todo possível irrealizável, cuja extinção mataria tal vida. Vida é movimento. Sem insatisfação não se vive. Às vezes fico a observar uma criancinha pequena cuja naturalidade e desenvoltura dão a impressão de que conhece o mundo há milhões de anos. Onde foi que adquiriu tal familiaridade com esse espanto de mundo em que vivemos? Por onde esteve que decidiu aparecer há apenas cerca de dois anos? Por que esconde tanto o que sabe?
"Você me pede um conselho e atrevidamente eu dou o Grande Conselho:
- Seja você mesmo! Porque ou somos nós mesmos ou não somos coisa nenhuma. E para ser si mesmo é preciso um trabalho de mouro e uma vigilância incessante na defesa. Pois tudo conspira para que sejamos meros números, carneiros de vários rebanhos - os rebanhos políticos, religiosos, estéticos, - Há no mundo ódio à exceção e ser si mesmo é ser exceção."
(Monteiro Lobato)
Vida justa ou injusta? O que é justiça? Os tempos atuais mostram claramente o quanto é vão e nada inteligente pensar dessa maneira. Se não se funciona como gostariam é como se não se tivesse mais pernas, braços, cérebro, desejos... Como se não existisse e aí toca na ferida humana que jamais deve deixar de ser lembrada e (re)fletida a todo tempo, na eterna luta da minoria ousada contra a intolerância, a exploração, a alienação, o comodismo, o caos da ambígua civilização.
"Eu sou assim, quem quiser gostar de mim eu sou assim.
Eu sou assim, quem quiser gostar de mim eu sou assim.
Meu mundo é hoje não existe amanhã pra mim
Eu sou assim, assim morrerei um dia.
Não levarei arrependimentos nem o peso da hipocrisia.
Tenho pena daqueles que se agaixam até o chão
Enganando a si mesmo por dinheiro ou posição
Nunca tomei parte desse enorme batalhão,
Pois sei que além de flores, nada mais vai no caixão.
Eu sou assim, quem quiser gostar de mim eu sou assim."
( Meu Mundo É Hoje - Paulinho da Viola)
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Tania Montandon
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