Para ser ter uma idéia, a edição do mencionado jornal oficial do dia 22 de abril passado estampou a multiplicação de equívocos de tal “movimento negro”. Por exemplo, o desinformado jornalista que também é editor-adjunto redigiu nas páginas do jornal estas pérolas de título e subtítulo “Feijão no combate ao preconceito – Corafro realiza uma feijoada beneficente para combater racismo religioso (sic)”. Tal feijoada, que é um prato típico da culinária brasileira criada pelos antigos negros escravizados, foi servida na sede da entidade abolicionista Sociedade Musical Beneficente Lira dos Conspiradores. Tudo isso, segundo os integrantes da Corafro “para refletir sobre os ensinamentos religiosos de amor ao próximo, respeito e livre arbítrio”.
Segundo o responsável pela Corafro, Josias Amon o evento ocorreu para arrecadar fundos a ser destinados ao Projeto Caminhos da Paz “o objetivo é chamar a população adepta de religiões diferentes da Umbanda para uma confraternização de paz – é um grito contra o preconceito e contra a violência”; salientou. Já a assessora de Planejamento da Corafro, a historiadora Kátia Valéria Magalhães Machado “o combate ao preconceito religioso em Macaé não é nada fácil – temos o Xangô Menino (entidade umbandista que diz praticar ‘o espiritismo cristão com responsabilidade social, mas vive às custas de verbas públicas’) que é uma referência em todo o país, mas, também temos perseguições à cultura afro-brasileira e em alguns casos, chegamos a receber denúncias de violência”; enfatizou.
Por sua vez, o historiador Marcos Ferreira Lopes disse que o preconceito tem raízes históricas e sociológicas “a Umbanda é uma religião nascida no Brasil, que ainda vai completar 100 anos – porém, o culto aos orixás é datado de quatro mil anos. A Umbanda tem paradigmas próprios, diferentes do maniqueísmo das religiões judaico-cristães e, isso é constantemente confundido com culto ao diabo (demônio), o que não é verdade”; ressaltou. “Os umbandistas vêm buscando, cada vez mais, o diálogo com os adeptos de outras religiões, haja vista que o preconceito contra as religiões de matriz negro-africanas vem da cultura escravocrata de mais três séculos em países da diáspora como o Brasil, e também devido ao colonialismo sofrido pelo continente africano”; concluiu.
O que é, de onde vem e para que serve o racialismo?
Conforme explicamos, o racialismo é um conjunto de idéias e ou de crenças fundamentalistas da existência de “raças” entre os seres da espécie humana. O racialismo surgiu em 2001 na cidade sul-africana de Durban durante o suntuoso evento patrocinado pela Organização das Nações Unidas (ONU), a III Conferência Mundial (supostamente) contra o Racismo, Discriminação (Étnico) Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas. Tal evento cujo resultado foi denominado como Plano de Durban, significou um grande acordo entre entidades imperialistas e ou multilaterais como a ONU e os movimentos sociais de natureza ético-racial do mundo inteiro (dentre os quais os movimentos negros brasileiros) para a conciliação com o racismo e o capitalismo.
Para se ter uma idéia, nessa conferência de no mínimo três dias, inúmeros movimentos negros brasileiros participaram com delegações numerosas, bancadas pelas mencionadas entidades imperialistas, sobretudo, pelo então governo do presidente FHC. Criado como uma espécie de tumbeiro (antigo navio negreiro) em pleno século 21, o racialismo é onde a quase totalidade dos movimentos negros brasileiros embarcou. Para tanto, há a pragmática doutrina jurídica de ações afirmativas como o atenuador anteprojeto de lei intitulado “estatuto civil”. Já as leis racialistas recebem outros apelidos como cotas, discriminação positiva (sic), indenização, reparação e estatuto da igualdade “racial”. São os casos dos Projetos de Lei (PL) 73/1999 e 3198/2000. A seguir.
Sob a denominação de cotas universitárias “raciais” para negros e indígenas, o PL 73/1999 é uma iniciativa legislativa paliativa com a marca do paternalismo no estilo da princesa Isabel, porque é de autoria de uma parlamentar burguesa, oligárquica e branca, a então deputada federal Eunice Lobão (DEM-MA). Por sua vez, o PL 3198/2000 tem a péssima denominação de Estatuto da Igualdade “Racial” (EIR). Haja vista que, de tão hediondo chega a propor absurdos como cotas “raciais” nos concursos públicos e mercado de trabalho através de caracterização das pessoas nos documentos oficiais. Isto é, propõe que o país seja dividido entre afro-brasileiros e brasileiros; o EIR é de co-autorias dos senadores José Sarney (PMDB-AP) e Paulo Paim (PT-RS).
Ao invés de leis racialistas como o PL 73/1999 (cotas universitárias “raciais” para negros e indígenas) e o PL 3198/2000 (EIR) a solução está na otimização de políticas universalistas permanentes em todos os níveis através de escolas e universidades públicas, gratuitas e de excelência na qualidade para todos e todas. Chamo à atenção para o fato de que a Lei 10.639/2003 deve ser aplicada por graduados de todas as vertentes do pensamento didático-pedagógico lecionando nos cursos de capacitação dos professores do ensino fundamental e médio. Tal Lei obriga as escolas públicas e particulares dos dois mencionados níveis do ensino a ter em seus currículos a disciplina História, Culturas e Luta dos negros no continente africano e países da diáspora como o Brasil.
Em outras palavras, a Lei 10.639/2003 destina-se a ensinar às crianças, adolescentes e jovens de todas as cores porque – por exemplo – como o capitalismo se devolveu enquanto irmão siamês do racismo na diáspora e no continente africano, onde até os dias atuais povos de diferentes países e regiões sofrem genocídios. Por fim, quanto à chamada Lei Caó que tipifica racismo como crime inafiançável e imprescritível, prevendo cadeia para o(a) opressor(a) racista, julgado(a) e condenado(a). Propugno que as delegacias de polícia civil passem a contar com um setor específico, especializado e devidamente infra-estruturado, nele incluso advogado, antropólogo, sociólogo, etc. Afinal, lugar de opressor(a) racista tem que ser mesmo a cadeia.
Almir da Silva Lima é membro da coordenação nacional do Movimento Negro Socialista (MNS).