Quando nasce, o indivíduo já encontra pronto vários trabalhos, realidades transformadas pela atividade de gerações. Porém, o processo de desenvolvimento da prática sócio-histórica não é imediatamente percebido pelo sujeito. Para que o aspecto humano dos objetos seja percebido pelo indivíduo, ele tem que exercer uma atividade efetiva, adequada em relação a eles.
Isso aplica-se igualmente aos fenômenos objetivos ideais criados pelo homem, tais como a língua, aos conceitos e às idéias, às criações da música e das artes plásticas.
A criança não é apenas colocada diante do mundo dos objetos humanos. Para viver deve agir adequadamente neste mundo; condição deste processo de assimilação, de apropriação ou de aquisição. A comunicação constitui a segunda condição inevitável
do processo de assimilação pelos indivíduos dos progressos do desenvolvimento sócio-histórico da humanidade.
O que nos animais resulta da herança biológica, no homem resulta de uma assimilação, isto é, um processo de hominização do psiquismo da criança.
Os animais não tem linguagem sonora articulada e não conhecem a música, criação da humanidade. Apenas o ouvido humano discerne os sons verbais e musicais.
O desenvolvimento mental da criança é bem diferente do desenvolvimento ontogênico do comportamento nos animais. Desde o nascimento, ela é rodeada por um mundo objetivo criado pelos homens, até mesmo os próprios fenômenos naturais são encontrados pela criança nas condições criadas pelos homens. Ela não se adapta ao mundo dos objetos e fenômenos humanos que a rodeam, apropria-se dele.
A diferença no processo de adaptação, no sentido em que esse é empregado para os animais, e o processo de apropriação é que a adaptação biológica é um processo de modificação das faculdades e caracteres específicos do sujeito e do seu comportamento inato, modificados pelo meio; e a apropriação é um processo que tem por resultado a reprodução pelo indivíduo de caracteres, faculdades e modos de comportamentos humanos formados historicamente.
O processo de apropriação é feito através da comunicação prática e verbal com as pessoas que rodeiam a criança. Esta aprende o que o adulto ensina.
Os animais não dispõem de um modo de expressão com as características e funções da linguagem humana. As abelhas apresentam um modo de se comunicar, transmitindo mensagens para as companheiras, através de danças e rituais gesticulados. Apesar de haver uma comunicação de mensagens, a transmissão é um código de sinais que não chega a ser considerado linguagem. Esta é fundamentada por um sistema simbólico, sendo o símbolo um signo arbitrário, que só se justifica por convenção. Não tem ligação direta com a coisa a que representa. O que age nos sistema simbólico, na linguagem, é a compreensão, e não a ação efetiva.
Já na utilização de sinais ou índices, que ocorre entre os animais, não há uma compreensão ou transcendência da experiência, apenas a ação efetiva. O animal é condicionado a agir de determinada forma todas as vezes que receber um determinado sinal.
Até mesmo as abelhas, que possuem uma forma avançada de transmissão dos sinais, não conseguem simbolizar, devido à imutabilidade do conteúdo de suas mensagens, à incapacidade de retransmitir uma mensagem já efetuada, além de suas mensagens não poderem ser decompostas em partes que possam ser estudadas e reorganizadas de diferentes maneiras, como acontece com os fonemas e morfemas da linguagem humana.
A psicolinguística é uma ciência criada para estudar a língua como um objeto de estudo próprio, integral e concreto, pois não se pode repartir o objeto de estudo. De outra forma, poderia-se ter física da linguagem, química da linguagem, etc.
A linguagem é essencial à sociedade humana. Ela é individual e social. Individual porque cada um constrói a sua fala. Social porque a fala é contruída segundo um conjunto de convenções da sociedade. O que há de social na linguagem é a língua, que representa a transmissão de experiências subjetivas a outros sujeitos através da fala.
A linguagem intermedia a realidade do homem com a realidade do mundo. Através dela, podemos sair do plano individual e nos inserir no plano social. Isso ocorre da seguinte maneira: como a experiência em si não é comunicável, precisamos transcendê-la e abstrair o necessário para a representar e a transmitir utilizando o sistema simbólico. Essa capacidade é específica do ser humano. Assim, torna-se possível falar de situações da ordem do não ser, como o passado e o futuro. O passado que são experiências que não existem mais na realidade, e o futuro é aquilo para o que ainda não existe realidade.
Assim como a linguagem, o tabu do incesto é exclusivo do ser humano. Muitas são as explicações dadas ao problema do incesto, no entanto, elas são insatisfatórias, pois não conseguem explicar a ambigüidade da proibição.
Uma dessas explicações é a biológica, cuja finalidade é evitar que os filhos nasçam ou se tornem degenerados. As prescrições mais positivas que mais freqüentemente encontramos nas sociedades primitivas ligadas à proibição do incesto são as que tendem a multiplicar as uniões entre primos cruzados e, por conseguinte, a união entre primos paralelos.
A humanidade não conhece os perigos ,desde sempre, das uniões consangüíneas. A biologia é de desenvolvimento recente, de forma que o conhecimento científico não pode ser projetado no passado da humanidade para se explicar a proibição do incesto, cuja a obediência é universal no tempo e no espaço.
Uma outra explicação é a psicológica. Essa baseia-se na repulsa instintiva do incesto. Aliás a psicanálise chama a atenção para o contrário do que afirmam os defensores dessa explicação, já que ela mostra a universalidade não na repulsa frente às relações incestuosas, porém em sua procura. Na realidade, toda a explicação psicológica acaba por conduzir-nos à fenômenos de psicologia individual.
Uma outra explicação para a proibição do incesto é a sociológica. Tal explicação tem algo em comum com a psicológica, ou seja: ambas procuram reduzir um dos termos da antinomia.
Uma explicação social da interdição baseia-se na civilização totêmica Australiana. Nesta última o grupo se considera descendente do animal totêmico, havendo em conseqüência uma obrigação de respeitar o sangue de tal animal, que não pode ser caçado, pois em caso contrário o sangue do grupo seria derramado.
Lévi-Strauss mostrou a fraqueza e as contradições das três maneiras segundo as quais a proibição do incesto foi considerado. Para sua explicação satisfatória, consiste em deixar a análise estática para empreender uma síntese dinâmica, uma vez que sua origem não se encontra nem na cultura sozinha nem unicamente com a natureza, e muito menos numa soma confusa de ambas.
Com efeito, a proibição do incesto acaba por constituir-se em condição da cultura, mas conservando da primeira sua universalidade, ao mesmo tempo em que tem da segunda, seu caráter de regra.
A interdição forma então aquele ponto crucial do limite entre natureza e cultura, não sendo portanto uma união estática.
Os pontos de vista de Lévi-Strauss, Monod e Marx, que falam sobre a origem da cultura complementam-se de alguma maneira. Lévi-Strauss exigiu um estudo das transformações do cérebro para se entender a gênese da cultura (a sociedade constituindo-se através das relações de parentesco); ele estava traçando um programa que foi cumprido pelo estudo de Monod, que deduziu a qualidade humana e a linguagem dos Australantropos do fato de que usavam instrumentos (a linguagem, estabelecendo a comunicação das consciências e a acumulação dos saberes); deixando assim uma abertura para as teses de Marx (a produção, possibilitando a satisfação das necessidades e a circulação e a apropriação dos bens).
Sendo assim, pode-se dizer que a cultura é simultaneamente criatividade e comunicação: criação coletiva e socialmente realizada; criação de elementos materiais e espirituais para serem comunicados, de forma que pela comunicação uma maior criatividade possa surgir. Os circuitos se ampliam e as mensagens se enriquecem através da história. A cultura não podia ter começado sem ter uma natureza humana, com a comunicação de consciências, de bem e de vidas que a caracteriza.
por: Tania Montandon