É possível estabelecer facilmente duas justificativas. Uma delas é o conforto, pois nós somos atraídos pelo prazer e inversamente repelimos o desprazer, reforçando, portanto, o apego ao bem-estar que deriva de cada invento, além da economia de energia e acomodação pessoais que se estabelecem inevitavelmente.
Outra prova versa sobre o desenvolvimento humano, considerando-se tanto a aprendizagem quanto a mudança - elementos fundamentais à sobrevivência e ao progresso evolutivo -, sem as quais seria impossível a convivência humana.
Inicialmente, o ser humano teve que lidar do modo mais grosseiro com os reveses impostos pela vida. Para melhorar a condição em que se encontrava precisou pensar e aprimorar o intelecto. Eis o preço cuja moeda foi a reflexão. Todavia, quanto mais penetrava no novo universo da sapiência, tanto mais se abriam os seus olhos diante de novos problemas mais sutis e menos motivadores: a natureza mostrava-se nua e crua para aquele que conseguira superar alguns graus de inconsciência a esse respeito. Do ser tosco e sombrio que ficava para trás, em razão do homem que desabrochava na direção da luz do saber, rompeu-se a cegueira que camuflava a causticante realidade. Nasceu dai uma dor, profunda e agonizante, levando o seu autor a ter de se defender. Eis a maçã bíblica do paraíso?
Porquanto após trágico diagnóstico, restava ao enfermo o automedicamento cuja cura lhe asseguraria a retomada do prazer roubado pela olhadela que dera na inoportuna realidade. Foi então que, sem se dar conta, passou a fazer uso do autoengano, tornando as coisas mais suaves, pelo menos na sua aparência. Pelo menos enquanto lhe fosse permitido ludibriar a si próprio.
E o engodo deu certo. O entorpecimento resultante foi bom. O pesar febril cedeu. (Mas a infecção da ignorância não arredou o pé.) O aconchego morno das vantagens relacionadas ao bem-estar e a acomodação que se sucederam ajudaram a sustentar tamanha arapuca. As estratégias se sofisticaram, e de invenções como o agrupamento social das pessoas, legalizando o poder, o controle, e a submissão (e a aspiração para tal), o suplício original revestiu-se de roupagem aceitável. Com o tempo, cada invento, o casamento, por exemplo, incorporou-se tão enraizadamente que o artificial transformou-se em natural. É infantil, mas até hoje é percebido assim.
Entretanto, a inconsciência ainda domina o homem. Para sair dela é preciso enfrentar, mesmo sob forte dor, a realidade que o psiquismo teima em negar. O próprio fato de o ser humano ser bem pouco consciente sobre o seu próprio estado já é uma evidência da escuridão em que se encontra mergulhado. Pior: se autoiludir, convencido de que se situa em um alto grau de consciência, pouco lhe criará incômodo, e, assim, dificilmente sairá do lugar, restando atrasado e bastante inconsciente dos deveres e direitos que têm para consigo mesmo. Não sem antes retirar, reflexiva e gradativamente, o manto do entorpecimento que lhe atrasa consideravelmente a própria evolução rumo à maturidade real e não autoenganada, como se pode perceber atualmente com certo esforço consciente.
*Armando Correa de Siqueira Neto é psicólogo (CRP 06/69637), diretor da Self Consultoria em Gestão de Pessoas, palestrante, professor e mestre em Liderança pela Unisa Business School. Co-autor dos livros Gigantes da Motivação, Gigantes da Liderança e Educação 2006. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.