Parlamento vergonhoso
O arguto cancionista popular costuma ser prático e objetivo quando satiriza a sociedade e atinge até o humor político. Vejam, por exemplo, a sutileza dos estribilhos das letras de conhecidos autores populares quando fizeram jocosas referências à seriedade de nossos parlamentares: "... Se gritar 'pega ladrão', não fica um, meu irmão. Se gritar 'pega ladrão' não fica um... (Ary do Cavaco e Bebeto di São João) ou... Tem gente no parlamento com tanto pecado que nem pro inferno iria, e se decidir graça à sua alma nem mesmo o capeta aceitaria. Cristo ia chorar só de ver que o homem se rebelou esquecendo aquilo tudo de bom que o Divino Mestre ensinou (Bezerra da Silva)". Patuléia brasileira, a coisa anda muita preta na Casa do Povo. Lá existe de tudo. Só não se ouviu ainda falar em devorador de crianças. Mas devorador de benesses públicas é o que mais existe no seleto grupo político do Congresso Nacional. E se não bastasse, a instância legislativa federal está transformada em celeiro conspurcado de elementos "ficha-sujas", que são protegidos pela benemérita Constituição cidadã, que dá respaldo ao Judiciário para aliviar a vida de muitos indecoros políticos, com débitos na Justiça, por falta da famigerada decisão transitada em julgado. É a burocracia jurídica a serviço dos espertalhões. Aliás, é muito séria a morosidade com que se desenvolve o nosso Judiciário para julgar os processos em que está envolvido grande número de políticos em atividade. Há políticos que jamais serão sentenciados; senão só se eles forem sentenciados lá no céu, no juízo final.Agora, o fato mais bombástico, que compromete a seriedade de nosso Parlamento, foi a recente eleição do deputado Edmar Moreira (PFL/MG), para a função de Corregedor da Câmara Federal, cujo parlamentar, pasmem, tem processo no STF onde é investigado por apropriação indébita de contribuições do INSS, bem como sua situação fiscal dá conta de ser dono de um milionário patrimônio não declarado, incluindo um castelo avaliado entre R$ 20 e R$ 30 milhões. Esse parlamentar, com toda a sua ficha ilibada comprometedora, foi guindado a exercer, na Câmara Federal, atribuições semelhantes às de um magistrado. É estarrecedor!Parlamento vergonhoso! Como é fraco quando deveria ser forte. Não honra a brisa que sopra a bandeira brasileira. Não és impávido para limpar a poeira que tanto denegrece a imagem do Congresso. Tropeças em tuas próprias pernas de sujeiras, que são muitas, maculando o semblante do estamento nacional. Parece que está tudo perdido... E a única esperança, se Deus é mesmo brasileiro, é Ele dar uma mãozinha para chamar essas peças daninhas, porque senão não tem jeito não.Ímã trapaceiro
A política é a arte da trapaça. Alguém tem dúvida? Tiradentes e outros heróis nacionais morreram lutando pela independência. Os políticos nacionais lutam e morrem pelas glórias do poder, pelo "jeitinho" para acomodar interesses, pelas benesses públicas, pela sinecura etc etc.Parece até que elementos sensíveis à gravitação da trapaça política já nascem prontos, ou são preparados na escola da chicana. Querem ver? É só esquadrinhar a composição do Parlamento Nacional que vamos encontrar, com raras exceções, políticos astuciosos e engenhosos na arte de encontrar o "jeitinho" facilitador dos negócios escusos e imorais, para tirar proveito para si ou para o grupo que eles representam.Foi assim por ocasião da reforma previdenciária, que políticos vendilhões exercitaram contra os servidores públicos federais aposentados e pensionistas a arte pérfida do confisco de suas aposentadorias e pensões, aprovando pelo subterfúgio de PEC paralela a reforma da Previdência Social, e não esquecendo que os "mensaleiros" estavam lá. E agora, mais uma vez, o País assistiu à esperteza da águia, encarnada na pessoa do senador baiano César Borges (DEM-BA), a aversão de seriedade de um Rui Barbosa, vir, como relator da PEC dos vereadores, defender, ardilosamente, a farra de mais vereadores no País, sob o pífio argumento de que não haveria aumento das despesas. E o que estupefaz: vários senadores elogiaram a sua manobra porque lamentavelmente fazem parte do viciado jogo da trapaça política brasileira. Esses políticos estão mal-acostumados. Parecem que são donos do poder e que não devem satisfação de seus atos à sociedade. Eles sabem muito bem que andam na contramão da opinião pública, mas não estão nem aí com a repercussão negativa de suas imagens porque - graças ao voto obrigatório e à falta de cultura política da maioria - o "povo" continuará a reelegê-los. E assim, políticos oportunistas, fisiologistas, carreiristas e interesseiros, iguais, por exemplo, ao deputado federal Pompeo de Mattos (PDT-RS), senador César Borges (DEM-BA) e outros, demonstram não ter o mínimo respeito ao Estado Democrático de Direito ao se insurgirem contra uma decisão judicial e moralista do STF, que havia reduzido a quantidade de vereadores no País.O cidadão comum cumpre uma decisão do Supremo, mas os potentados do Legislativo Federal são pessoas diferenciadas que não podem ver a sua corporação de aproveitadores ser atingida. Assim, resolveram, de forma vergonhosa e ardilosa, contrariar a decisão do STF, através de alteração constitucional (PEC dos vereadores), impregnando a Carta Magna de bondade política. Enquanto a sociedade não reagir, a banda podre da política brasileira continuará a desfilar em trajes de gala; o povo cumprirá ordens, calado; e o País será sempre paraíso dos espertalhões. Julio César Cardoso