Desde que comecei a sair com ele por essas fazendas e campos para caçar, a partir dos 12 anos senti que as armas que ele carregava exerciam um enorme fascínio sobre mim. Primeiro porque tinham o poder de determinar entre a vida e a morte, com um simples aperto de gatilho, segundo porque nunca vi meu avô errar um tiro sequer, era um verdadeiro atleta olímpico no quesito tiro ao alvo, só que os alvos eram móveis. O vi acertar um mico (pequeno macaco) em uma arvore de mais de 20 metros de altura, sem apoiar a arvore em local algum. Depois, um gato correndo no telhado de sua casa e finalmente uma cobra cascavel, pronta para dar um bote, fiquei mais impressionado ainda, mais tarde compreendi que ele só defendia os pássaros dele, e que aqueles animais nada mais eram do que os seus predadores naturais. Aos 15 anos, eu já era seu piloto (motorista) em estradas de terra indo para as fazendas e também quem limpava, guardava, carregava (nos 2 sentidos) suas armas nas caçadas que fazia. Já tinha uma pontaria invejável também, pois ele me ensinou a prender a respiração, segurar bem firme a arma com as 2 mãos, apóia-la muito bem em meus ombros, não ter medo do coice, estampido, culminando em mirar e acertar o alvo.
Tem também o seu ensinamento da lanterna, onde ele dizia que arma era igual a uma lanterna, não era para sair mostrando para as pessoas por aí afora, era para que, se precisar tirar do coldre e ir logo apertando o gatilho quase que automaticamente em casos de defesa da vida. Seria como uma lanterna que vc. acha em uma noite sem luz e vai logo apertando o botão de ligar. Finalmente, que era uma coisa instintiva, para o bem, para proteger sua vida, em legitima defesa ou para proteger-se do invasor em seu patrimônio. Acho que foi a minha primeira aula de Direito da vida.
Meu pai era ao contrário, quando estava furioso, quase possesso com uma coisa errada, no serviço ou na rua, pegava sua arma e com ela na cintura ia tirar satisfação dos fatos, sem nunca ter dado um tiro na vida. Mas as pessoas morriam de medo dele, por ter sido fiscal dentro do DOPS e SNI e de gênio meio nervosinho, mais para estourado.
Foi pelo amor às armas e ao meu avô, que quando ele morreu fiquei com sua coleção de armas que eram uma carabina americana Windchester 1889, um fuzil, uma cartucheira 36 de fabricação alemã do século 19 com o cabo de madeira todo trabalhado a mão e um revolver 38. A arma automática predileta dele, era um Bereta 9mm alemã mauser, que ficou com meu irmão, porque alem de ser uma arma de resposta rápida e alto poder de fogo, achei que não deveria andar com ela (perigosa) e ele precisava mais dela na época por dar aulas até tarde da noite e sempre andar sozinho. Aliás, ele também tem essa veneração por armas também, por influencia do meu avô, apesar de ter um gênio pacato. As outras armas, eu doei para a coleção de um Desembargador, porque alem de poder cuidar da manutenção das armas, ninguém iria furtá-lo ou importuna-lo com essas campanhas de desarmamento das pessoas de bem.
Por essas influências todas e a vontade de certo tenente-coronel Aristóteles Bernardino do Nascimento, (meu padrinho de casamento, hoje mal de saúde e bem velhinho) fiz prova para oficial (tenente) na Policia Militar, por só saber Química e ter por, somente alguns tempos, sido um aluno relapso em outras matérias, graças a Deus não passei, nem com o coronel empurrando.
Mais tarde, vim a fazer prova na Policia Federal, quando estava no 2º ano de Direito, e fiquei em 34º. lugar em Minas. Deveria ir para Brasília e lá terminar um curso de seis meses e me formar Agente de Policial Federal para combater o tráfico de drogas e contrabando nas fronteiras do Brasil, depois faria prova interna para delegado.
Mais uma vez, posterguei em ser policial, e por uma razão mais do que justa: Iria levar minha noiva e futura esposa, junto comigo, por essas cidades fronteiriças, e depois com crianças, criando-os em um ambiente de medo e incerteza? Claro que não!
Mas nem por isso, deixei de gostar de dar uns tirinhos e toda passagem de ano, descarrego o revolver de um amigo policial, para o lado de um local deserto, para queimar a munição velha e colocar nova munição para o ano novo.
Mas voltando ao assunto do meu avô, certa vez, como já narrado, ele atirou e acertou em um gato correndo em cima do telhado da sua casa, mas o gato não morreu na hora e sim no colo da filha da vizinha, que chamou a policia. O coronel Aristóteles era o delegado e veio na hora em que o gato dava seus últimos suspiros e a dona da casa acusou meu avo de matar o gato no colo da filha dela. O delegado pensou e chamando meu avô perguntou se queria trabalhar com ele, porque em toda sua vida num vira uma pessoa com tanta pontaria e sangue frio. Depois viu os bagos de chumbo no telhado da casa do meu avô e constatou que ele atirara dentro de seu domicílio. Mas a partir dessa época, todos tinha medo dele e de sua pontaria por não errar um só tiro.
Depois de muitos anos dele ter morrido, dando uns tiros à toa descobri que a espingarda soltava três metros e meio de chumbo “T” próprio para caça em formato circular, quer dizer resumindo, bastava mirar e enquadrar o animal nessas medidas que ele já podia se considerar morto. Ele era muito esperto e sabia o que fazia, por isso virou uma lenda de grande atirador.
Sempre gostei de dar uns tirinhos e chamar a policia, não sei exatamente quando começou ou se vai terminar.
Ensinava aos meus alunos, que quando desconfiarem de alguma coisa suspeita chame a policia se quiser dar o nome tudo bem, não tenham medo. Mas se sentirem medo, ou de retaliação, ou do desconhecido, não dêem o nome em hipótese alguma.
Acho que a policia ganha muito mal, e talvez esteja aí um dos seus defeitos, o policiamento deveria ser preventivo em áreas de risco, de alto numero de assaltos ou crimes e não preventivo. Esse negocio de fazer ocorrência é a maior balela, a policia deveria é ir ao encalço dos criminosos. Então aí tem uma grande controvérsia, em admirar, de respeitar e ao mesmo tempo achar erros no trabalho policial.
Mas mesmo assim, tenho inúmeros amigos nas fileiras policias militares, na policia civil e no exército. Acho que aprendi a conviver com eles desde os tempos dos militares. Também, meu pai era um militar (no sentido figurado), meu avô era um general, que decidia onde atirar, e as batalhas a ganhar, e eu sou um mero escritor, coloco tudo isso no papel.
Sei que às vezes aumento algumas coisas, ou dramatizo, mas é o meu jeito de escrever, de mostrar ao mundo a realidade grosseira e dramática que ele é. Mas ao mesmo tempo, a poesia, a doçura das coisas, um olhar, uma chuva à tardinha, um criança com o rosto sujo e o por do sol.
O por do sol é importante, porque parece que o mundo está desmoronando e vem a tenebrosa noite, mas por um mistério da natureza (Deus) volta o brilho em cada manhã. Brilho esse que consumimos e nos consome, brilho esse que arde e refresca ao mesmo tempo, brilho esse que é vida...
Francisco de Oliveira Neto