Em um hospital fluminense, havia dois bisturis elétricos, também conhecidos como 'canetas', e quatro crianças aguardando pela operação. Ora, diante da situação, o médico anestesista informou às mães que apenas duas das crianças seriam operadas, pois o hospital não possuía material suficiente e não haveria tempo hábil para a esterelização das peças de que dispunha. A reação das mães foi furiosa: chamariam a imprensa, caso as cirurgias não acontecessem. O anestesista, irredutível, retornou ao centro cirúrgico. Eis que, pouco tempo depois, um publicano comissionado, lotado na Secretaria de Saúde, invadiu de maneira blasfema, contaminante, aos gritos, a sala de cirurgia: Quem é o anestesista?, perguntou. O médico respondeu: Sou eu, Dr Fulano de Tal, médico concursado e que tem operado neste hospital há décadas. E você, seu merda (sic), quem é? Despois de muito bate-boca, e atingido pela lícita intransigência do médico, o publicano bradou: Pois então eu vou à papelaria comprar as canetas que faltam!
É claro que a parábola não termina aí. As cirurgias foram efetuadas? A imprensa apareceu? As canetas esferográficas resolveriam o problema? O agregado publicano continua na Secretaria de Saúde? Cada qual que termine a história com sua sabedoria. O que importa, no caso, é que a batalha entre os profissonais públicos concursados, competentes, que levam a sério seu trabalho, parece estar sendo perdida para os publicanos e fariseus incompetentes que entram pelas diversas janelas palacianas do serviço público. Os últimos, que por mais que o queiram nunca chegarão a ser primeiros, quando pressionados dão sempre o seu jeitinho para resolver a situação: fazem chover canivetes, canetas e até multiplicam as águas nas torneiras. Porém, quando não lhes interessa, compete a Deus saber por quais insondáveis caminhos escapam os operados das infecções hospitalares ou por que furos-de-agulhas passam as águas que chegam às bicas.
E a população, que se vê privada de seus direitos, aguarda por um malufeano profeta lunático - atraído pelo bilhão de moedas anuais que alimentam a farra palaciana. Este apontará seu cajado para a terra do petróleo, jurando dela fazer jorrar riquezas, ao impacto do bastão. E, talvez por um milagre, faça brotar a preciosa água, aquela que nunca falta a Herodes e sua corte de bajuladores. Enquanto o portento final, quase apocalíptico, não acontece, os donos de carros-pipa continuam a agradecer aos céus pagãos.
Luiz Faria
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