no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
Mario Quintana - Esconderijos do Tempo A epígrafe acima nos faz refletir sobre a relação entre saber e fazer, exposta de forma tão sutil pelo poeta Mario Quintana. Do espanto à constatação, que de alguma forma, estas ações que se coadunam. Por isso, neste trabalho objetivamos problematizar a instigante relação entre saber e fazer, mediados pela tarefa pedagógica, exercida no cotidiano de sala de aula.
A prática cotidiana como uma ação que se constrói no fazer docente e que tece saberes, vem sendo defendida como um processo de formação do professorado que não se esgota em um curso de graduação, pós-graduação ou eventos científicos, cujo tema é a educação. Mas, uma prática que se edifica no exercício do dia-a-dia da ação pedagógica que ocorre pela presença na escola (CALDEIRA, 1995; RODRIGUES, 2008).
No espaço escolar encontramos um lugar privilegiado para esta reflexão pedagógica de construção do conhecimento que entrelaça teoria e prática. Heller (1977) nos fala de um saber que é produzido no cotidiano, saber este que se torna à soma de nossos conhecimentos sobre a realidade que utilizamos efetivamente na vida cotidiana do modo mais heterogêneo (como guia para ações, como temas de conversação etc), (HELLER, 1977, p. 317 apud CALDEIRA, 1995, p. 7).
O binômio – saber e fazer – está intimamente relacionado, ao contrário do que muitas pessoas o julgam, como dissociados. Como nos fala Jacques Ardoino (2001), em A religação dos Saberes, o grande desafio do pensamento complexo seria o de reunir os saberes, separados com a modernidade, de forma a situá-los através de relações uns com os outros, levando em conta suas alteridades históricas, antropológica e epistemológica (p.558). Nessa perspectiva, penso em uma posição dos saberes e práticas, como um complexus, ou seja, como um tecido que converge no todo de modo inseparável como nos demonstra, Morin (1996).
Debruçando-nos mais no pensamento complexo, e em um de seus teóricos mais expressivos, Edgar Morin, que propõe um questionamento sobre a educação na atualidade e a separação do conhecimento. Segundo o autor ensinamos e aprendemos em disciplinas, que muitas vezes, não se comunicam, não se entrelaçam, necessitamos então, de uma religação dos saberes (MORIN, 2005). Desta forma, devemos superar a dicotomia entre o saber e o fazer, em que uns sabem e outros fazem, de modos distintos. Corroborando o pensamento de Morin, o autor José Machado (2000), nos fala de um conhecimento que pressupõe o estabelecimento de uma densa rede de interconexões entre as informações e uma apreensão do contexto (p.78).
Em uma posição de conectar estas dimensões que foram separadas, Ferraço (2005), chama os saberes e as práticas que emergem do cotidiano escolar de forma articulada de saberesfazeres. Esta problematização nos faz compreender que no/com cotidiano escolar são fomentados conhecimentos e que são gerados e geram, múltiplos contextos de formação e construção da realidade da escola, especialmente as da sala de aula (FERRAÇO, 2005). É neste espaço constituído pela heterogeneidade, com múltiplos sujeitos e múltiplas diferenças que tecemos saberes entre teoria-prática e prática-teoria (ESTEBAN, s/d).
Referências:
ARDOINO, J. A complexidade. In: MORIN, E. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2001.
CALDEIRA, A. M. S. A apropriação e construção do saber docente e a prática cotidiana. Cadernos de Pesquisa, n.95, p5-12, São Paulo, nov.1995.
ESTEBAN, M.T. Avaliação na Pedagogia de Projetos. Texto apresentado ao Programa Salto para o Futuro: avaliação e aprendizagens educativas, s/d.
FERRAÇO, C. E. Currículo, formação continuada de professores e cotidiano escolar: fragmentos de complexidade das redes vividas. In: FERRAÇO, Carlos Eduardo (org.). Cotidiano escolar, formação de professores (as) e currículo. São Paulo, Cortez, 2005.
MACHADO, N. J. Educação: projetos e valores. São Paulo, Escrituras, 2000.
MORIN, E. Conferência Complexidade e ética da solidariedade. Realizada em Tuca, em 23 de outubro de 1996.
MORIN, E. Conferência: Educação na Era Planetária, Ciclos de Palestras. Paris, 2005.
RODRIGUES, P. A. M. O estágio na formação de professores: uma aproximação entre escola e universidade. In: VIII Seminário Pedagogia em Debate & III Colóquio Nacional de Formação de Professores, 2008.