ANISTIA PARA QUEM?

Parece inacreditável que membros da Advocacia Geral da União - AGU acreditem e proponham que os crimes praticados durante os longos anos de ditadura militar estejam prescritos. Isto porque, como é de conhecimento comum, os crimes de lesa-humanidade, ou seja, os de assassinato e tortura, praticados por agentes públicos ou a seu mando em nome das instituições cívicas, são imprescritíveis. Até o mundo mineral, diria Mino Carta, sabe disto. Pois é lá, nesse mundo, que estão hoje os restos dos que foram mortos e enterrados em valas comuns, sem identificação, ou até mesmo carbonizados, como foi o caso de vários dos militantes do confronto do Araguaia, a cujos corpos foi ateado fogo para que não se pudesse reconhecer a quem pertenciam. Após um intervalo que varia entre trinta e quarenta anos, toda a carne se esvai e restam apenas os componentes minerais, salvo pequenas mostras de DNA dos cabelos e células ósseas, nos casos dos cadáveres que não tenham sido incinerados. É do direito dessas pessoas que tiveram suas vidas bruscamente encurtadas que estamos falando, além daquelas que sofreram o calvário da tortura em vida. Trata-se, também, do direito dos familiares que estariam hoje convivendo com essas pessoas, caso não tivessem sido brutalmente assassinadas em nome da “normalidade institucional”. A lei de anistia não anistiou tais delitos, bem como não anistia os que, do outro lado, cometeram os chamados “crimes de sangue”. A diferença é que, pelo lado dos torturados e perseguidos, a maior parte pagou com a vida pelos erros cometidos, tendo sido caçada implacavelmente até a morte. Já do lado dos torturadores e perseguidores, a totalidade continuou vivendo como se nada houvesse ocorrido, muitos tendo sido até promovidos e se aposentado sem qualquer condenação fática ou moral. Os que torturaram e já não estão entre nós morreram quase todos de causas naturais.               
             Deve-se ressaltar que vários desses assassinos e torturadores receberam até mesmo honrarias pelos atos praticados – como é o caso de algumas centenas de policiais e militares da repressão que foram agraciados com a “Medalha do Pacificador” - além dos proventos da conhecida “caixinha da repressão”, paga por desprendidos e patrióticos empresários. Parece ironia, não? Ganhar medalhas e dinheiro por haver arrancado confissões à força ou por haver assassinado alguém que não podia se defender no momento ... Mas foi assim que aconteceu!
            Propor anistiar os torturadores, na contramão das normas de Direito já consagradas internacionalmente, bem como na contra-corrente dos demais países da América Latina que já julgaram e condenaram seus torturadores, assassinos e mandantes, é querer matar e torturar suas vítimas uma vez mais, como já se tem dito com grande propriedade. Só haverá verdadeira conciliação nacional quando todas as feridas estiverem realmente sanadas – até mesmo as que, hoje infeccionadas, necessitem ser reabertas para poderem ser de fato tratadas.
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