Alguns pacientes são absolutamente fixados em suas doenças e passam a valorizar de modo exagerado seus sintomas. São os chamados hipocondríacos. Palavra que vem do fato do fígado ficar situado na região que chamamos de hipocôndrio (abaixo das costelas) e ser erradamente responsabilizado por tudo de ruim que acontece com o ser humano.
Esses considerandos são para embasar o importante caso que narro a seguir.
Recebi com profunda tristeza a notícia do falecimento de meu antigo e querido cliente Antônio. Hipocondríaco de carteirinha. Há exatos 22 anos, não tinha notícias dele, mas como a ingratidão é a grande marca da nossa profissão, para retribuí-la tinha até me esquecido dele.
Peguei seu prontuário e me lembrei melhor de seu caso. Antônio, 45 anos, era comerciante. Casado e sem filhos. Sua mulher também o considerava um "baita" de um hipocondríaco. Tinha razão. Atendi-o, na Policlínica Geral do Rio de Janeiro, durante 4 anos. Foram 63 consultas. Por incrível que pareça, a queixa era sempre a mesma - dor na parte inferior esquerda do abdome. Nas crises de maior intensidade, tinha diarréias também. O diagnóstico estabelecido foi o de cólon irritável, vulgarmente chamado como "colite" e hoje sofisticadamente conhecido como "síndrome do cólon irritável".
Aproveito para dizer que cólon é sinônimo exato de intestino grosso. Assim as doenças do intestino grosso são chamadas de colopatias e as inflamações de colite.
Na cabeça de Antônio o que ele tinha era um enorme câncer e que a medicina atual ainda era muito fraca para evidenciá-lo. As oito radiografias, as cinco endoscopias e os 25 exames de fezes que fez, antes e durante este período de atendimento, todos absolutamente normais, não conseguiram tranqüilizar nosso sofrido paciente. "Os exames não foram suficientemente minuciosos e bem feitos para detectar essa minha grave doença. Provavelmente, está começando agora. Ah, essa medicina!".
Na penúltima vez em que estive com ele, queria que eu arranjasse uma maneira para que ele fosse visto pelo Dr. Pitanga Santos, um grande proctologista, que já não estava clinicando mais. Não tive elementos nem coragem para conseguir isto. Mas, com sua obstinação, ele conseguiu fazer com que o mestre o atendesse em sua própria casa e pior, num domingo de manhã. Dr. Pitanga examinou-o com cuidado e concluiu, como era de se esperar, que ele não tinha nada.
Finalmente, Antônio acreditou. Jogou fora a Terramicina e o Buscopan que sempre tinha no bolso. Convenceu-se de que não tinha nada e pronto.
Quatorze meses após este fato, ele me procurou dizendo que nunca mais tinha sentido nada, dando também os pormenores de sua consulta salvadora com o Dr. Pitanga.
A notícia de sua morte me foi dada por sua esposa, por telefone. Morreu realmente de câncer como sempre temeu, mas não no intestino e sim no pulmão e 22 anos após. Acertou na doença, mas errou no local onde ela apareceu e na época em que surgiu.
Certamente, o cansaço provocado pela sua longa doença intestinal inexistente com seu epílogo tranqüilizador diminuiu os berros de sua hipocondria e fez baixar seus cuidados com a saúde. Fumante inveterado que era, deveria ter tido mais atenção com a possibilidade de doença pulmonar. Se os hábitos hipocondríacos ainda persistissem, talvez ainda estivesse vivo. Afinal, a hipocondria tem um lado bom. É uma respeitável aliada do diagnóstico precoce.