Carta aberta a José dos Santos OLIVEIRA, contemporâneo militante anti-racista do movimento negro

Conforme vê, não há falta de memória no tratamento que lhe dispenso. Não se justificam a “surpresa” e a “profunda decepção” por eu também ter me referido ao seu cargo de policial civil enquanto servidor público estadual concursado que é. Dentre os correios eletrônicos referentes ao debate de idéias sobre a luta anti-racista que tenho lhe enviado há meses, um deles deixou isso bem claro. Tal texto também foi enviado a outros contemporâneos companheiros anti-racistas no Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN) que você menciona agora. Na oportunidade, eu disse estar ciente de que você continua na luta anti-racista, inclusive que é um causídico dela, um advogado sem registro na OAB apenas por ser servidor público estadual. Mencionei também ter reencontrado você e o Carlos Alberto Medeiros no ano de 2006 em Macaé. Só não havia dito que no reencontro você me entregou um cartão-de-visita de uma empresa de segurança na qual, você era (ou ainda é) o gerente. Meu caríssimo Oliveira, conforme aprendemos no IPCN sejamos francos ao invés de brancos. Deixe a hipocrisia para a burguesia por ela ser exploradora, branca e racista. Compreendo fraternalmente sua crise de consciência enquanto militante anti-racista. Afinal, não é para menos. Além de exercer enquanto servidor público estadual concursado, o cargo de investigador policial em um estado burguês, racista e hipócrita, por ambição pequeno-burguesa você optou por auferir lucro através de atividade policial privada.

Ainda sobre nosso reencontro de 2006 em Macaé informo-lhe que compareci ao evento com a única finalidade de reencontrar contemporâneos-companheiros de luta anti-racista, apesar de me opor às paliativas cotas universitárias racialistas para negros e indígenas inclusas no PL 73/1999 de autoria da então deputada federal Eunice Lobão (DEM-MA) que é uma parlamentar-burguesa, oligárquica e branca. A propósito, o evento de 2006 em Macaé foi promovido pela Coordenação de Cultura Afro-brasileira (Corafro) órgão da Secretaria Municipal de Cultura, ambos espécies de senzalas para os negros uma vez que a casa-grande, o Poder Executivo, há 31 anos é dominado por uma oligarquia burguesa, populista, branca e mal-disfarçadamente racista.               

Também no ano de 2006, a convite do diretório acadêmico eu e o Carlos Alberto Medeiros travamos um debate sobre cotas no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Já nesse debate ficaram explícitas duas divergências de princípio que são intrínsecas e acabam, opondo, antagonizando, nós do Movimento Negro Socialista (MNS) à quase totalidade dos movimentos negros. Tais divergências são históricas e ideológicas. A 1ª trata-se do significado do racismo que oprime a nós, os negros. A 2ª - o racialismo - é conseqüência da 1ª inclusive porque tanto o racismo quanto o racialismo foram criados, fundamentados, desenvolvidos internacionalmente pelos próprios opressores racistas.

Em relação ao racismo, embora os demais movimentos negros o definam como ideologia de dominação específica e estratégica, portanto uma opressão; para nós do MNS a opressão racista é indissociável da luta de classes que, por sua vez é o significado essencial da História. Isto foi compreendido genial e internacionalmente pelo herói-negro e mártir da Consciência Negra, o sindicalista e socialista sul-africano Stephen-Steve Bantu Biko (1946-1977) “Racismo e capitalismo são os dois lados de uma mesma moeda”. Não por acaso, esta célebre frase tornou-se o slogan do MNS, a partir da fundação em 13/05/2006 quando passamos a conceituar como racialismo, a ideologia e ou crença fundamentalista da existência de “raças” entre os seres da espécie humana.           

Quanto à sua observação de que tenho me mostrado arrogante e prepotente, enquanto jornalista e militante do MNS ao me comportar como “a maior autoridade intelectual, política e cultural cujo entendimento está acima da compreensão dos simples mortais”. Embora respeite e não me incomode com sua opinião, esclareço-lhe jamais pensei considerar-me sequer um intelectual. Como militante anti-racista e um de seus fundadores, no IPCN aprendi muito mais do que no IFCS-UFRJ, onde estudei. Mas, não foram lá os únicos meios de aprendizado. Diferentemente de você, adotei, estudo e aprendo diariamente o marxismo com o qual busco ser coerente enquanto trabalhador-socialista além de negro anti-racista e anti-racialista, sem crise de consciência alguma.

Sobre sua ponderação “podemos divergir, polemizar, entretanto não podemos cercear o direito de outros exporem suas idéias; muito menos adjetivar e rotular preconceituosamente àqueles de quem discordamos”. Esta carapuça não cabe em minha cabeça. Isto é, os textos que redijo sempre os assino, pondo nome completo, identificação de categoria profissional e também de militância; inclusive deixo endereço eletrônico à disposição para o salutar debate de idéias. Desculpe-me a imodéstia, porém, é você quem me ajuda a tornar isto óbvio e ululante. Refiro-me ao fato de você contextualizar a frase em seguida, após tê-la pinçado de outro texto que redigi “São policiais civis, professores universitários, antigos militantes do movimento negro, todos racialistas”.

Esclareço-lhe, ao responder a um torcedor do GRES Beija Flor rechacei à tentativa do mesmo, não de debater idéias, mas em desqualificar o texto que havia redigido com o título “Hegemonia da Beija Flor expõe mazelas do privatizado Carnaval carioca”. Na resposta mencionei as agressivas desqualificações. Espero que você tenha prestado atenção a isso. Daí, os revides (sem dar a outra face) quando em meio ao debate de idéias fundamentado em fatos, acabei por classificar tal torcedor da Beija Flor de “analfabeto, fanático e grosseiro”. Concluindo, o professor e nosso contemporâneo de IPCN que você cita como amigo dileto, assim igualmente ele é considerado por mim. Tanto que, ele e você sempre recebem de mim uma pluralística comunicação eletrônica. Rsrsrs...

Fraternidade, Igualdade e Liberdade!  

Macaé (RJ), 23 de agosto de 2.008.  


*Almir da Silva Lima(Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.)
jornalista – um dos fundadores do IPCN (1975) e do MNU (1978) é membro da coordenação nacional do MNS desde 2006.    
          
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