N.A. – A história que se segue é absolutamente verdadeira. Participei dela.
Luís Henrique, o herói dessa história, tinha 20 anos. Toda
pessoa muito querida tem um apelido. O dele é Luque. Namorava Madalena,
menina bonita, vaidosa e faceira, qualidades que ele e muitos ao redor
apreciavam muito.
Enquanto Luque a amava demais, Madalena adorava ser amada, certamente não mais que isso.
O amor por Madalena era tão forte que, às vezes, tinha que tomar
um chazinho de qualquer coisa para amenizar as fortes dores que sentia
com muita freqüência no coração.
Acontece que uma vez, amanheceu com essa dor má companheira tão
forte, que o fez sair do mundo dos sonhos e cair na real, achando que
poderia ser algo mais que uma apoplexia amorosa, quem sabe até uma
úlcera no estômago. Deixou de ir ao quartel – seguia a carreira militar
– e foi me procurar.
Realmente, o quadro era agudo. Solicitei de imediato uma endoscopia que acusou uma hérnia de hiato com marcada esofagite. Prescrevi as medidas necessárias e recomendei que ficasse em repouso por dois dias para um melhor início de tratamento.
Preocupado e temeroso, como não havia no momento ninguém em sua casa, Luque achou melhor ir para casa de Madalena, em Niterói.
Ao chegar, para sua profunda decepção, encontrou Madalena no banco do jardim trocando carícias comprometedoras com o André, que morava ao lado e que, até esse momento, era tido como um amigo.
Instantaneamente, a dor da esofagite foi substituída por uma imensa dor d'alma que incendiou seu coração traído. Ficou tão aturdido que na hora não sabia se partia para cima ou se partia para fora. Achou melhor sair, afinal a realidade do que presenciara não dava margem a explicações.
Quando se deu conta já estava dentro da barca, voltando para o Rio.
Profundamente triste, sem razão para viver, achou que só tinha uma saída, acabar com a vida, pois não suportaria viver sem a sua Madá. Tomou-se de coragem e subiu na mureta da barca para o pulo fatal. Olhou para aquela água tão poluída e achou que merecia um final mais limpo, mas já que ia morrer mesmo, por que temer uma hepatite?
A esta altura as pessoas já o cercavam e davam conselhos de desistência. "Não há como um dia depois do outro". "Amanhã, tudo vai ser diferente". "E se você não morre e fica todo inchado". "Cuidado, Deus não perdoa isso". Teve sorte porque ninguém gritou "pula!", "pula logo seu chato!".
As pessoas só gritam pula quando o suicida está do quarto andar para cima. Até o terceiro andar, dá para se notar o olhar do desesperado e é pelo olhar que se estabelece a compaixão. Olhando nos olhos todos se irmanam e tentam ajudar.
Fala daqui, fala de lá e nada de Luque desistir. De repente, apareceu um argumento salvador. Um senhor de uns 60 anos foi contundente. "Olha aqui rapaz, você não tem o direito de fazer isso com a gente, porque se pular, a barca vai parar e os marinheiros vão tentar lhe achar e isso pode demorar muito. Vou chegar atrasado e este será meu segundo atraso no mês, porque tem sempre um suicida egoísta tentando resolver seu problema sem pensar no nosso. Tenho mulher e cuido de quatro netos. Não posso ficar desempregado". Luque, que tinha bom coração, se comoveu e desistiu. Aplausos gerais.
Essa situação inusitada e vexatória por um momento o distraiu. Mas, no trajeto para o quartel, as idéias voltaram a martelar seus pensamentos. Tenho que suicidar. É uma questão de honra.
Chegando ao quartel, teve sua atenção voltada para um tentador galho de uma árvore frondosa que era talhado para um perfeito enforcamento. A idéia de subtração vital voltou plena. Achou o banquinho e a corda, como num filme de Hollywood. Tudo pronto, chutou o banquinho. Mas, como o galho estava ainda verde, generososamente, levou-o mansamente até o chão, sem sequer causar um mínimo arranhão. O pior é que ficou preso pelo pescoço, sem conseguir desatar o nó.
Logo descoberto, chamaram o sargento, que deu imediata ordem de prisão. Tentativa de suicídio no pátio da corporação. Falta gravíssima.
Essa seqüência de fatos que culminaram com sua humilhante prisão começou a desatar aquele nó amoroso tão forte que o prendia à Madalena. Idéias como cafuné materno, comidinha caseira e aconchego de sua saudosa cama foram sufocando as lembranças de Niterói.
Madalena, muito envaidecida pelo ato de louco amor de seu namorado, passou a se achar a rainha da cocada araribóia. Ia visitá-lo todo dia, mesmo sentindo ser sua presença cada vez mais indiferente e irritante.
O cabo que a acompanhava até a cela de Luque, totalmente enfeitiçado por seus jeitos e trejeitos, fazia de tudo para não perder a oportunidade de conduzi-la.
Luque, depois devidamente disciplinado, contando sua triste história para Deus e o mundo, despertou inúmeras paixões, pois as mulheres têm especial atração por homens traídos. Assim, não foi difícil arranjar outra musa. Achou mais conveniente eleger uma que morasse mais perto. Barcas e afogamentos "never more".
Estão casados há trinta anos. Têm três filhos e dois netinhos.
Já o cabo, tocado pelos encantos de Madalena, trocou suas atitudes rudes por cordialidades. Sua voz que era comparada ao rufar de tambores, perto dela soava suave como um pizzicato de um violino virtuoso.
Toda essa sedução funcionou e o cabo, antes cicerone de corredores militares, passou a ciceronear a vida de Madalena.
Casaram-se e foram felizes até que a precoce morte do novo bem amado enlutou a roupa e a alma de Madalena. Morreu de uma hepatite fulminante, aquela mesmo que Luque temia pegar após sua morte, afogado na baía poluída.
Essa tristeza profunda foi definhando Madalena e acabou a matando também. Morreu de amor. Mostrou que tinha aprendido a amar, tanto quanto ser amada.
MORAL DA HISTÓRIA – Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe.
Geraldo Siffert Junior
Médico – Rio de Janeiro