A linha da vida não dá ponto sem nó. Vez em quando faço uns furos , ponho-me em apuros, me enrolo na linha, perco o ponto e me contento com algumas bainhas pra passar o tempo, como quem engana estômago devorando pastel de vento, remendando, remendando, remendando... Daí vou dormir e me pego sonhando com o vestido já acabado sem babado ou remendo, trabalho bem feito digno do orgulho e respeito de qualquer sujeito. Mas, acordo como quem deixa o sonho na cabana e só reclama do trabalho sem enxergar qualquer atalho. Como um marinheiro a bordo, armo a vela do navio com aquele curto pavio e encalho minha alegria perdendo o fio da meada, quieto na rotina como quem aceita a sina. Até que um dia, solto ao vento, por um momento e a hora sempre é agora me desfaço dessa aceitação do destino, retomo o tesão como quem volta a ser um moleque, um menino e me arremesso para o ponto de partida como quem sabe que a lida pode ser mais bacana para quem tira os sonhos de cima da cama e bota pra respirar lá fora da cabana. Os dias passam, a costura ainda demanda horas, mas toma outra postura, com mais doçura pelo ser humano e menos amargura, dando uma trégua ao tempo que o tempo tem pra me mostrar aonde posso ir além do que vejo. Com menos bocejo e mais desejo, vou tomando o traquejo do gosto pela vida. Se eu peço ''Passa, tempo!'', tempo não passa. Mas se eu passo roupa, tempo passa. Se eu passo a mão na minha cabeça e fico sentada sem passatempo o tempo não passa. Portanto, quando a pressão da depressão vem chegando, dou um chega pra lá e jogo no canto. Sabem porque? Porque tenho mais o que fazer. É só querer. Tenho que terminar o vestido comprido que não acaba nunca. Vestido que veste a minha vida.