Ao mestre sem racialismo!

Este texto é uma réplica às opiniões de dois militantes negros e anti-racistas que são nossos contemporâneos na entidade carioca, Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN). Ambos são adeptos do racialismo que é a ideologia e ou crença na existência de “raças“ humanas. Eles nos provocaram - enquanto membro do MNS - ao salutar debate de idéias e o fizeram através do texto intitulado “Carta ao mestre com carinho” enviado pelo militante que é policial civil a outro, que é professor universitário e cientista político. No texto, o policial afirmou “Acredito no socialismo como instrumento político de mudança para uma sociedade mais justa e igualitária, mas também não acredito em socialismo sem profundas mudanças sociais. Sem tomada do poder. Sem revolução. O sonho não acabou. No entanto, não acredito em milagres”.

Prosseguindo, o policial civil age como um agente-provocador de debates “Não entendo os companheiros (sic) do Movimento Negro Socialista (MNS). Claro, todos queremos uma escola pública, de boa qualidade, para todos os brasileiros, independente de raça, credo, cor ou etnia. Também, uma saúde pública e bons hospitais para todos. Contudo, não podemos esperar estas respostas milagrosas, depois de 120 anos de abolição, mais de 300 do extermínio de Palmares, mais de 500 do descobrimento do Brasil. Nada mudou, até agora. Precisamos de soluções imediatas para o nosso problema de reparação, injustiça social e igualdade racial”. Em seguida, se revelando contraditório, ele disse “As Cotas (universitárias raciais para negros e indígenas) não são instrumento permanente de solução do problema”.

Porém, incrivelmente o policial civil passa fazer a seguinte pregação “Precisamos implantar urgentemente o sistema de cotas em todos os setores de atividades e produção. Precisamos de visibilidade, dividir o poder e continuarmos as nossas lutas por educação pública, saúde e trabalho digno para todos. Não resta dúvida, esta é a forma de construirmos uma sociedade verdadeiramente mais democrática para 48% de brasileiros afros-descendentes. No Brasil, a questão racial extrapola a realidade social. A discriminação antes de social, ocorre pela cor da pele, pela etnia, pela origem – depois - é que ocorre pela questão social”; enfatizou. De acordo com ele, a verdade histórica brasileira se encontra no fato da questão política de que Zumbi dos Palmares é um dos cinco no Panteon dos Heróis Nacionais, graças ao MN.

O policial civil prossegue “João Cândido, o marinheiro, continua banido. Osvaldão, comandante da guerrilha do Araguaia, é mito, lenda para os nativos da selva no estado do Pará, temido pelas forças militares; mas não é lembrado pelo PC do B. O escritor Lima Barreto tornou-se imortal, sem vestir fardão, sem ser aceito na Academia Brasileira de Letras (ABL). Somente através das cotas – o resto é fantasia - se mudará a realidade política e social desta nação racista, injusta e demagógica. Fora disto é querer acreditar em sonhos que cada dia ficam mais distantes”; concluiu. Em resposta o professor-universitário disse “Redigi um artigo acerca da data 13 de maio (abolição) para a revista do PPS. Assim que for publicado envio a você. Aos irmãos (do MNS) que são contra quero dizer: As cotas para os brancos ricos sempre existiram. Ninguém, jamais questionava. O chato é que agora, nosso pessoal quer a reversão”; finalizou.

Porque o MNS é contra as cotas e demais leis racialistas e reivindica pluralidade didático-pedagógica na aplicação da Lei 10.639/2003!

Na “Carta ao mestre com carinho” o policial civil se revelou um incoerente “independentista”, isto é, um sectário-independente que se enredou no seguinte paradoxo: Crê no socialismo como instrumento de mudança para uma sociedade mais justa e igualitária, com profundas mudanças sociais, com tomada do poder, com revolução. Todavia, por ser membro de seita “independente” ele diz não acreditar em milagres. Outra incoerência: As cotas não são instrumentos permanentes de solução do problema, mas ele prega urgência na implantação delas em todos os setores de atividades e produção. O fato é que embora esteja em tramitação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei (PL) 73/1999 (cotas universitárias para negros e indígenas) conforme reconhece o próprio policial civil, se trata de paliativa proposição legislativa racialista. 

Aliás, racialistas como o policial civil e o professor escondem, porém o PL 73/1999 tem apenas o valor simbólico, assim como teve a lei áurea quando foi assinada em 13 de maio de 1888 pela Princesa Isabel. Haja vista, sua autora e então parlamentar, a ex-deputada federal Eunice Lobão (DEM-MA) é igualmente burguesa, oligarca e branca. Em contraposição às cotas universitárias para negros e indígenas, nós do MNS constituímos uma Frente Única (FU) com artistas, sindicalistas e os chamados intelectuais. Conforme torna a reconhecer o policial civil, tal FU correta e coerentemente reivindica Escolas e Universidades Públicas, Gratuitas e de Excelência na Qualidade para Todos e Todas. Sobre a Lei 10.639/2003, a consideramos um valioso instrumento didático-pedagógico de auto-estima para crianças, adolescentes e jovens negros.   

Afinal, a Lei 10.639/2003 instituiu obrigatoriedade às escolas públicas e particulares de 1º e 2º graus incluírem em seus currículos a disciplina História, Culturas e Lutas dos negros no continente africano e países da diáspora como o Brasil. Trata-se de uma histórica conquista da totalidade dos MNs. Entretanto, sua aplicação vem ocorrendo de forma antididática e antipedagógica uma vez que os cursos de Pós-graduação e ou extensão universitária para a capacitação dos professores de 1º e 2º graus vem sendo monopolizados por graduados professores adeptos do racialismo. Por que o professor, o policial civil e demais racialistas não se pronunciam a respeito? Será que eles não se dispõem à defesa da auto-estima para atual e futura geração de crianças, adolescentes e jovens negros, sem as opressões do racismo e do racialismo?

Por esta causa, nós da FU exigimos que a aplicação da Lei 10.639/2003 passe a ser didática e pedagogicamente pluralista. Com a palavra, inclusive, o ministro da Secretaria Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Edson Santos. A propósito, ele teve duas oportunidades de se pronunciar, mas não o fez. A 1ª ocorreu durante a longa entrevista que concedeu no dia 03 de abril passado à rádio Nacional. A 2ª foi no dia 10 de maio último quando convidado a participar de tal evento realizado naquela data em São Paulo, ele enviou uma mensagem saudando a III Reunião Nacional do MNS. Em ambas oportunidades, o ministro da Seppir nada disse sobre a imprescindível e democrática pluralidade didático-pedagógica que urge passar a ser aplicada na Lei 10.639/2003.

Outra proposição legislativa racialista que tramita no Congresso Nacional é o PL nº 3198/2000. Sua denominação e propósitos são nefastos e seus autores não têm a legitimidade da prática anti-racista. Sua errônea denominação é “Estatuto da Igualdade Racial (EIR)”. Seu autor original é um parlamentar burguês, oligarca e branco, o senador José Sarney (PMDB-AP) e o senador Paulo Paim (PT-RS) pelo fato de ser negro é usado como autor da versão atual. Ambos parlamentares nunca praticaram a militância anti-racista em algum movimento negro. O equivocado racialismo e o paternalismo anti-racista de ambos seria cômico, se não fosse trágico. Haja vista, dentre os nefastos propósitos do famigerado EIR está o de pretender dividir, com caracterização documental, o povo trabalhador deste país em afro-brasileiros e brasileiros.                

Como na longa entrevista à rádio Nacional dia 03 de abril passado o ministro da Seppir fez a defesa do mal-denominado EIR, aguardamos os pronunciamentos dos dois militantes cariocas do MN acerca do mesmo. Afinal, se trata de proposição legislativa tão ao gosto do nefando racialismo que ambos – e os demais - defendem.

*jornalista – é militante da corrente intra PT (Esquerda Marxista)  e membro da coordenação nacional do MNS.  

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