Trata-se do dogma capitalista (lucro) se sobrepondo ao planejamento de
uma cidade no mais imperial dos países imperialistas. O prefeito de
Nova Iorque (EUA) Michael Bloomberg quer transformar o tradicional
bairro pobre e negro do Harlem em um centro comercial e de negócios. É
o que informa - com tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves - Marc
Bassets do jornal nova-iorquino La Vanguardia. Ocorre que - segundo o
jornalista - a chamada comunidade dos moradores do Harlem monta
trincheiras para manter sua identidade. “Estão nos roubando o Harlem”;
afirma Sikhulu Shange, 66 anos, sul-africano radicado nos EUA desde
1962, dono da loja de disco Record Shack, na Rua 125 do bairro que fica
ao norte da aristocrática ilha de Manhattam.
Considerado como instituição no Harlem, Shange é um dos líderes do
movimento comunitário para conter os planos da prefeitura de Nova
Iorque de remodelar a Rua 125, também conhecida como Boulevard Martin
Luther King Junior. Haja vista que o objetivo do prefeito Bloomberg é
mesmo o de fazer a transformação da principal artéria do Harlem em um
dos centros comerciais e empresariais da cidade. “Ninguém me paga para
falar com jornalistas”; queixa-se Shange. Ele paga cinco mil dólares
por mês de aluguel da loja de disco Record Shack, mas o proprietário do
edifício tenta despejá-lo. Embora Shange tenha recorrido à Justiça, não
logrou êxito. “O que me preocupa agora é que se trata de uma questão de
vida ou morte”; exclamou.
O plano da prefeitura para remodelagem do Harlem prevê a construção de edifícios de apartamentos e galerias de arte. Seus defensores – por sua vez - afirmam que o plano resgatará da marginalização e da pobreza a área que ainda por acima é degradada; a despeito do processo de aburguesamento (comum em muitas áreas urbanas dos EUA) que se viveu na última década. Já os críticos como Shange e também centenas de moradores organizaram protestos nas últimas semanas. Eles acreditam que com a remodelação, lojas de bairro como a loja de disco Record Shack irão desaparecer ante a enxurrada de redes comerciais que ocorrerá, encarecendo os aluguéis e levando seus habitantes originais – cuja maioria é de negros – a migrarem.
Os velhos contrastes do capitalismo na mega cidade de Nova Iorque!
Para se ter uma idéia disto, a Rua 125 ainda conserva a atmosfera do Harlem como bairro tradicional, pobre e negro do renascimento nos anos 1920 quando foi cenário da eclosão de culturas negras (arte, literatura e música). Exemplos: Na 125 continua em pé o legendário Teatro Apollo onde foram forjadas lendas como Billie Holiday e James Brown. Um dos poucos arranha-céus da 125 ainda em pé, o hotel Teresa apesar de fechado há anos tem muita história e suas letras gigantescas não se apagaram. Nele se hospedaram Fidel Castro e Malcolm X este durante a época da luta pelos direitos civis. No Harlem os camelôs ocupam as calçadas que cheiram a comida, incenso e perfume. Ali, o desemprego e a pobreza são maiores que em outras áreas da ilha de Manhattam.
A prova disto é o contraste da outra Nova Iorque, isto é a dos edifícios com porteiros e das lojas de luxo. Esta aristocrática Nova Iorque onde os ônibus circulam sem cessar não fica tão distante assim da Nova Iorque tradicional, pobre e negra que é o bairro Harlem. Dois exemplos. 1º a rede de café Starbucks que é monopolista e lucrativíssima já se instalou na Rua 125. 2º ao deixar a presidência, Bill Clinton, fez o mesmo. Todavia, para os moradores isso só serviu para o encarecimento dos aluguéis uma vez que Clinton quase não é visto no bairro. Os planos da prefeitura nova-iorquina de remodelar o Harlem está causando o seguinte questionamento: O bairro vive um novo renascimento ou morrem seus últimos vestígios de autenticidade cultural?
No capitalismo o lucro tem valor absoluto ainda mais nos EUA que é o principal país imperialista do planeta. Já a autenticidade cultural mais do que valor relativo tem valor limitado. Este também é o caso do decantado bem-estar (social). Por ser uma referência para amantes de artes e culturas negras, a loja de disco Record Shack teve celebridades entre seus clientes como o genial e saudoso trompetista Miles Davies assim como o cantor Michael Jackson. Daí o porque do dono da loja de disco Sikhulu Shange não deixar dúvida ao afirmar categoricamente “Se os planos da prefeitura prosseguirem, para pobres e negros deixarão de existir autenticidade cultural e bem-estar (social) uma vez que a ilha de Manhattam será só para ricos e famosos”.
*jornalista – é militante da corrente intra PT (Esquerda Marxista) e coordenador nacional de Organização e Formação Política do Movimento Negro Socialista (MNS).