"Cortei sua mão e trouxe até aqui, para provar que o matei", afirmou Pedro Pablo Montoya, vulgo "Rojas", ao se entregar às autoridades colombianas depois de cometer o assassinato e cumprir o macabro ritual de cortar uma das mãos do seu próprio chefe , Ivan Rios, um dos líderes regionais das Farc.
A recompensa a que, em princípio, tem direito Rojas, o chefe de segurança de Ivan Rios, por haver proporcionado para as autoridades a segunda baixa do mais alto nível das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia em menos de um mês, coloca o governo colombiano – e a sociedade daquele país – num complexo dilema jurídico, político e moral.
Basta pensarmos no que está em jogo. Afinal, a recompensa de 5 milhões de dólares – oficialmente prometida a qualquer um que contribua com a captura de algum chefe das Farc – estaria premiando um homem que cometeu um homicídio e admitiu ter decepado a mão do cadáver para que servisse como prova. Pode um Estado de Direito amparar semelhante conduta, mesmo com a justificativa de que o morto era chefe de uma organização que tem causado "danos ao país?"
Em algumas situações é perfeitamente legítimo premiar a delação para combater organizações ilegais (como faz a justiça Italiana na luta contra a máfia), mas este caso coloca uma situação sui generes, que a lei não prevê. Fomentar o assassinato (sem falar na mutilação ) como fórmula para combater a guerrilha não só resulta politicamente incorreto, como envia ao conjunto da sociedade uma mensagem ambígua e perigosa.
Um Estado não pode deslegitimar-se em sua luta contra rebeldes insurgentes.
Assim como existem métodos que sociedades civilizadas consideram não serem válidos na guerra, há também outros comportamentos que não devem, jamais, ser incentivados.
É preciso ficar clara a existência de limites que o Estado e a sociedade não devem transpor.
Se o governo colombiano quiser ser conseqüente com sua política de recompensa, que vem implementando desde 2002, deve pagar. Mas, se quer ser conseqüente com os princípios básicos de uma democracia e de um Estado que respeita os mais elementares direitos humanos, algum mecanismo deve ser acionado que diferencie delatar de matar.
Este triste e macabro episódio nos mostra até onde chegou a guerra civil colombiana. Os 44 anos desse morticínio insano sinalizam que nem o governo colombiano conseguirá derrotar os vários grupos que estão envolvidos numa luta armada, nem estes grupos lograrão vencer o governo colombiano.
Cabe aos países vizinhos, aos organismos internacionais e, principalmente, ao governo colombiano e às Farc, buscarem uma solução negociada para este conflito que tem, como principais vítimas, as populações rurais mais pobres da Colômbia.
*Ismar C. de Souza é articulista free lancer